Todos sabem que os assuntos mais importantes para o país no momento são os títulos do Flamengo e o velório do Gugu, mas como eu gosto de nadar contra a corrente, resolvi dar uma olhadinha em mais uma novidade da série “o que seria dos pobres e das criancinhas sem o governo para tomar conta deles”.
Em uma medida inesperada, pelo grau de desfaçatez e populismo, o Conselho Monetário Nacional tabelou os juros do cheque especial em 8% ao mês. Nas letras miudinhas, autorizou que os bancos cobrem tarifa sobre o limite pré-aprovado, mesmo que o cliente não o utilize (com o objetivo, claro, de preservar o lucro dos bancos, não por bondade, mas pelos volumosos impostos que estes pagam ao governo). Além do mais, este novo modelo casa direitinho com nossa tradição: quem não usa paga por quem usa.
Como eu tenho certo gosto pela polêmica, sempre que eu via alguém perguntando na internet “porque os juros são tão caros” eu costumava responder “porque tem bobo que paga”. Claro: se qualquer pessoa ou empresa descobre que pode cobrar caro por alguma coisa, por que motivo cobraria mais barato? O Gabigol ou o Jorge Jesus vão pedir para o Flamengo diminuir o salário deles? A Apple vai baixar o preço do iPhone, se com o preço atual as pessoas fazem fila para comprar?
Mas existe uma lógica nos serviços bancários, começando por um fato muito simples: o mesmo banco que cobrava 12% ao mês no cheque especial, cobra 1 ou 2% em outros tipos de empréstimo. Por quê? Principalmente porque estes últimos empréstimos são feitos após uma análise de crédito e são respaldados por uma garantia: o próprio bem em financiamentos imobiliários ou de veículos, ou algum outro bem nos outros casos. Já o cheque especial não têm garantia nenhuma. Se o devedor não quer ou não pode pagar, simplesmente não paga (nossa legislação protege muito bem os caloteiros).
Na verdade, há aqui um efeito Tostines: o juro é alto porque o risco de calote é alto, e o risco de calote é alto porque o juro é alto: pela simples lógica, só entra no cheque especial quem está quebrado; se não estivesse, procuraria o banco e faria outro tipo de empréstimo com juros menores. Em outras palavras, quando o banco concede crédito via cheque especial, têm grande chance de levar calote, e só vale a pena fazer isso cobrando juros altos, de forma que (mais uma vez) quem está certo paga por quem está errado.
A consequência desta medida também segue a mais simples lógica: se juro baixo exige risco baixo, os bancos a partir de agora serão mais rigorosos com a concessão do crédito automático do cheque especial. Limites vão diminuir, e para alguns clientes, sumir, da mesma forma que qualquer coisa some quando o governo se mete a tabelar preços.
Existiria outra forma? Bem, seria possível reduzir os impostos (kkkkkk), já que o banco fica com menos da metade dos 8% ou 12% que cobra. Também seria possível mudar a legislação para favorecer o bom pagador ao invés de proteger o caloteiro. Mas a verdade é que o problema é outro. O crédito no Brasil é caro porque pessoas e empresas enfrentam uma concorrência desleal: o governo pega emprestado quase tudo que está disponível. Sobra pouco para os outros. E pela inescapável lei da oferta e da procura, quando um produto escasseia, o preço sobe.
Como nossas escolas se preocupam em ensinar filosofia e sociologia mas não ensinam matemática nem os conceitos básicos de economia, o que o povo enxerga são os velhos clichês do “empresário malvado e explorador” e do “governo bonzinho”. Muita gente acredita que o governo pode, numa canetada, baixar o preço do pão, da gasolina, da passagem de avião e de todo o resto, e só não faz por causa dos “políticos corruptos”. Aliás, uma das maiores contradições da humanidade é a forma como o brasileiro odeia os políticos e ao mesmo tempo adora o governo, que é formado por estes mesmos políticos.
O grande economista austríaco Ludwig von Mises mostrou cientificamente o porquê do socialismo não funcionar: quando o governo fixa arbitrariamente os preços, o cálculo econômico se torna impossível. No Brasil, o governo controla os preços dos bancos, dos combustíveis, dos remédios, dos fretes, da energia elétrica, dos planos de saúde, das passagens de ônibus e de mais um monte de coisas. O resto, que não é diretamente tabelado, fica sob a ameaça de um processo por “lucro abusivo”. Trocando em miúdos, nossa economia funciona de forma muito semelhante à da finada União Soviética, que todos nós sabemos como acabou. Basta usar a lógica para saber como nós também vamos acabar.