JOSÉ RAMOS - ENXUGANDOGELO

Hoje vamos fazer uma viagem de volta ao tempo. A mim, essa prosa satisfaz. Acaricia, tal qual a audição de um “desafio” entre repentistas violeiros do Nordeste. É, finalmente, uma massagem no ego.

Você, mineiro ou não, gosta de comer “tutu” com todos aqueles ingredientes que acompanham?

E, aquela paçoca feita com carne seca ou charque, você já comeu e gostou?

Aquela farofa com torresmos pequenos para acompanhar qualquer bem-servida feijoada, você dispensa?

Mas, com certeza, quando era criança você nunca dispensou o “pirão de parida” que sua mãe comia no “resguardo” de mais um brugüelo!

Pois, saiba que, nada disso existiria sem a “farinha”.

Viajemos!

A maniva é o começo de tudo

O agricultor que provém a farofa, começa tudo pelo preparo da maniva. A maniva, para quem não sabe, é parte de uma haste (galho) do pé de mandioca. Cortada em vários pedaços, a haste vira maniva. Semeada em “covas” especiais – com o cuidado de ficar com o “olho” (broto) voltado para a luz solar – a maniva vai renascer num prazo máximo de 90/120 dias, mas o tubérculo estará pronto, completamente, num período de oito ou nove meses.

Nos dias atuais, a EMBRAPA (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária) faz pesquisas intensas na procura de resultados que viabilizem um prazo menor, sem perder a qualidade do tubérculo – há pesquisas, também feitas pela instituição, quanto ao benefício e melhoramento a partir de irrigação do terreno.

Pois, colhido o tubérculo da mandioca, esse é transportado para a “Casa de Farinha”, onde existe toda uma estrutura para a “farinhada”. Começa pela limpeza (tirada da casca) da mandioca, que ainda é feita na maioria das “Casas de Farinha” por um processo manual antigo.

Mandioca sendo ralada no caititu

Retirada a casca, a mandioca é lavada e preparada para ser ralada no caititu – um equipamento muito antigo.

Quando a energia elétrica ainda não chegara nesses interiores dos municípios brasileiros, principalmente nas Casas de Farinha, o caititu era impulsionado pela “bolandeira”. A bolandeira (e ainda é em alguns lugares) é um equipamento “tocado” por um boi – andando em círculo, e, às vezes, “tangido” por um chicote ou apenas pelo barulho feito pelo “estalar” desse chicote.

Feita a ralação (também conhecida por “cevagem” em alguns lugares) a mandioca, agora transformada em massa, é colocada em sacos e levada para a prensagem – onde a massa da farinha é separada da goma (amido), ainda em estado líquido.

Concluída a prensagem e separada a massa da farinha da goma (amido), a massa é levada para ser peneirada, operação que retira pedaços inconvenientes que podem desqualificar a farinha.

A última etapa dessa “fabricação” de vários tipos e qualidades de farinha, é a torrefação. Feita na maioria das vezes e lugares pelo processo artesanal antigo, a farinha recebe “a cereja do bolo” sendo manuseada no forno por alguém com comprovada capacidade e experiência.

Massa de mandioca em estágio de prensagem

Esse “profissional” atua como um verdadeiro “Chef”, e cuida da quantidade adequada da lenha (madeira) queimando para aquecer o forno, também de formato artesanal e antigo – mas, no Maranhão, a farinha denominada de “farinha de puba”, conhecida como “farinha d´água” em outros lugares, já é “torrada” em tachos especialmente fabricados (sob encomendas) para esse fim.

A “farinha de puba” ou “farinha d´água” não passa pelo caititu nem pela prensagem. Ainda com a mandioca com casca é colocada em igarapés ou açudes de pequeno porte, onde permanece por alguns dias até “ficar no ponto” de ser retirada para o preparo dos processos seguintes.

Ao fundo o forno e o equipamento usado para mexer a farinha

Após alguns dias, com toda a mandioca daquela safra transformada em farinha, uma verdadeira festa é organizada, recebendo o nome de “farinhada”.

O pagamento dos trabalhadores é realizado e carícias são feitas com alguns litros de farinha sendo distribuídos, além de almoço composto por bodes, carneiros e até bois abatidos – além, claro, dos tradicionais beijus feitos com a massa da farinha.

Beijus feitos com a massa da farinha

Um comentário em “O MUNDO ENTRE A MANIVA E A FAROFA

  1. Parabéns, querido Escritor José Ramos, pelo belíssimo texto, O MUNDO ENTRE A MANIVA E A FAROFA!
    O tema me fascina, pois ainda guardo na lembrança o cheiro de beiju e farinha de mandioca torrando, que exalava das casas de farinha localizadas pelas estradas que ligavam Nova-Cruz a outros lugarejos. As casas de farinha eram cheias de jovens que se ocupavam de descascar mandioca, utilizando facas para esse serviço. O trabalho das casas de farinha era todo manual, pois o progresso tecnológico ainda estava longe.
    Gostei de ver maniva, que é o começo de tudo, a mandioca sendo ralada no caititu, a massa de mandioca em estágio de prensagem, o forno e o equipamento usado para mexer a farinha, e o principal, o mais gostoso, os Beijus feitos com a massa da farinha!
    É uma iguaria dos DEUSES!!!

    Grande abraço!

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