JOSÉ PAULO CAVALCANTI - PENSO, LOGO INSISTO

Saber onde anda a verdade é uma arte. Em carta a Mary Mac Donald, Lewis Carroll escreveu: “Não se apresse em acreditar em tudo que lhe contaram ou acabará incapaz de acreditar nas verdades mais simples”. Vivemos, hoje, em um mundo fake. Na internet. Na grande mídia. Em versões desencontradas. Tantas vezes incapazes de compreender a realidade que se oculta por trás das máscaras. Para provar isso proponho um teste, amigo leitor. Objetivo é saber se está preparado para reconhecer a verdade. Retomo famoso conto (Elogio de la Sombra) de bem conhecido autor, Jorge Luiz Borges. Que narra encontro, entre Caim e Abel, num deserto. Borges diz que “Caim viu, na testa de Abel, a marca da pedra com o que o matou. Então deixou cair o pano que ia levar à boca”. Foi quando Abel se dirigiu ao irmão. Mas o que terá dito a Caim?, eis a questão. Além do final de Borges, escrevi 3 outros para esse conto. E convido o leitor a escolher o certo. Poderia ser:

1) Uma parábola sobre a Virtude. Abel diz: “Eu te perdoo, meu irmão, não porque tu me pediste, mas porque vejo em teus olhos a chama generosa do arrependimento”. Responde Caim: “Agradeço-te, meu irmão, mas permita que te diga não ser esse arrependimento mais nobre que a humildade no confessar minhas fraquezas”.

2) Uma parábola sobre o Perdão. Abel: “Você me matou ou eu te matei?, já não recordo. Aqui estamos, juntos como antes”. Caim: “Agora sei que me perdoaste, meu irmão, porque esquecer é perdoar, e eu também tratarei de esquecer”.

3) Uma parábola sobre a Justiça. Abel: “Não sou eu quem tem que te perdoar meu irmão, mas tu mesmo”. Caim: “Se assim for, então não há razão para nenhum perdão, que o justo que é justo não perdoa. E minha consciência diz que devo pagar por meus erros”.

4) Uma parábola sobre o Remorso. Abel: “Não te perdoei apenas porque nunca soube, de nós dois, quem fez mais mal, um ao outro. Se foste tu, matando-me. Ou se fui eu, perseguindo-te como um fantasma, desde o paraíso perdido até o fim dos tempos”. Caim: “Já que assim é, meu irmão, então eu te perdoo, mas desde que tu também me perdoes”.

No caso, sabe já antecipadamente o leitor que 3 dessas parábolas são falsas. O que simplifica sua escolha. Se escolher o final certo, no conto de Borges, parabéns.

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7 pensou em “O MITO DA VERDADE

  1. Iniciar o dia lendo algo nos levando à reflexão sobre perdão, arrependimento, amor (por que não?) e conflitos da natureza humana, é um exercício profícuo.
    Espalharei o link pelo oco do mundo.
    Obrigado, doutor!

  2. Caro Doutor, Tenho algumas reflexões sobre as parábolas:

    1 — Do arrependimento sai a vontade de confessar os erros. Qual é mais nobre?

    3 – O justo que é justo não perdoa, pois não há razão para o perdão. Seria do criminoso a missão de se punir?

    4 – Esta é a mais triste. A vítima é mais culpada que o criminoso por causar-lhe a punição eterna da culpa.

    Realmente, Borges não seria Borges se escolhesse uma destas 3.

    A dois, que diz que se deve perdoar e esquecer o grande mal que um irmão fez para voltar o que era antes, mesmo sem o arrependimento, a justiça ou o remorso é a menos ruim.

  3. Pois é Josè Paulo …….

    Em um mundo de medo, onde falta caridade, faltam escrúpulos, falta vergonha, falta caráter, falta
    compaixão, e falta fé, fica muito dificil reconhecer a verdade, quanto mais assumir uma verdade e se pautar por ela.

    Então vamos acreditar em uma verdade incontestável….; Fazer o bem, faz bem

  4. Sabedores de que a vida não é receita de bolo… Leio, releio, “taco fogo” e pisoteio as cinzas das palavras contidas em seu texto, tentando colocar ordem no caos hospiciante que é minha cabeça, e só então ouso dizer que Ela, a tal verdade não existe, assim como a mentira também não, e prevalesce apenas a que agrada ao “dono da verdade” (a verdade que cada um carrega dentro de si), que na ótica do “outro” pode ser, essa sim, uma mentira… Mas (bendito mas) se ambas as partes envolvidas estiverem de acordo…

    Πόντιος Πιλᾶτος perguntou a Jesus: “O que é a verdade?”; os discípulos de Maal-El perguntaram a seu mestre: “Onde está a verdade?”.

    E qual seria a “verdade de Sancho Pança?

    Diz o Pançudo: “¿Se Deus Éco Nois Quem Cerá Com Tra Nois?”

      • Sancho Pança pergunta a Jesus, não a Nazareno, mas o de Ritinha: “¿Se Deus Éco Nois Quem Cerá Com Tra Nois?”

        E JRGuzzo também pergunta ao “nosso” Jesus: “Faz sentido o cidadão brasileiro ser proibido de trabalhar e, ao mesmo tempo, continuar obrigado a pagar impostos, até o último centavo e nem um minuto depois do prazo?”

  5. De fina veia literária, Dr. Paulo “extrapola”, convocando o leitor a participar e se inserir no texo.

    No conto do genial escritor argentino Jorge Luiz Borges, o final é o item 2.

    (OBS: ”Abel e deixou cair o PÃO que ia levar à boca” e, não,… o PANO.

    Os acréscimos, propositalmente deixado pelo Dr. Paulo aos leitores, é fruto do farto brilhantismo cultural do colunista, que excede ao comum e, lá, sem qualquer cerimonia das sugestões, despeja tópicos e conceitos intrínsecos de cunho filosóficos, de valores, razão, justiça, ética, moral, religiosidade…etc.

    Deixando ao sabor das inclinações que cada ser carrega em sí, para que aflore em cada final sugerido, seu juízo de valor. Conforme cada escolha.

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