DEU NO JORNAL

Guilherme Fiuza

O jornalismo de luto

No dia da morte de Silvio Santos, a “Veja” deu a seguinte manchete: “A ideologia política de Silvio Santos: beija-mão de militares a Bolsonaro”.

Vamos ser mais específicos: essa “notícia” foi publicada não apenas no dia da morte do dono do SBT, mas cerca de uma hora depois de informado o falecimento. Você nem sabia que os urubus poderiam ser tão velozes.

A primeira e inevitável conclusão dispensa todas as outras: Silvio Santos continua vivo e a “Veja” morreu. 

Dito isso, vamos ao beija-mão. 

Se você afronta o luto e sai correndo para expelir uma pensata de quinta categoria sobre a vida do falecido, você está beijando a mão de quem? A sordidez é um bom patrão? E se você atropela o luto de alguém para usar a morte como outdoor, qual é a sua ideologia política? Resposta correta: nenhuma. Você é apenas um bagaço moral. 

Mas claro que você quer dar a impressão de ter uma ideologia política – calculando que o seu público (?) lhe atribuirá uma grandeza que você não tem. O que você faz, então? Usa a desonestidade intelectual – especialidade da casa. Pega uma foto de Silvio Santos no auditório diante de um telão com a imagem de Bolsonaro. Qual o efeito visual que você consegue, com a sutileza que só as aves de rapina têm? Bolsonaro fica maior que Silvio Santos na foto.

No dia da morte de Silvio Santos. Uma hora após o anúncio da morte de Silvio Santos.

Como classificar uma imprensa que se demite da missão jornalística e abraça sofregamente uma cartilha politicamente correta, woke ou que nome se queira dar a esse sacolão de virtudes de mentira? Panfleto vip? Fake news de grife? Fique à vontade para escolher sua definição preferida.

Algumas horas depois do vexame da manchete “beija-mão”, a “Veja” voltou à carga, mostrando que seria implacável com os enlutados: “A relação complexa de Silvio Santos com a comunidade LGBT+”. Não é nada complexa a relação da revista com seus propósitos inconfessáveis: vamos pisar na morte para beijar a mão dos cínicos. 

Claro que isso aí não é defesa de minoria alguma. Demagogia jamais serviu para proteger ninguém. 

E outros veículos que já foram grandes entraram na mesma sanha de avacalhar o luto por Silvio Santos com “matérias” instantâneas sobre quem vai mandar no SBT, etc. 

Muito triste o funeral da velha imprensa.

5 pensou em “O JORNALISMO DE LUTO

  1. Fiuza voltou a escrever depois de um longo (para mim) tempo; estava fazendo falta.

    Tem uma escrita inconfundível e perfeita análise dos temas que aborta.

    Sou um beija-mão assumido dele.

  2. Victor Civitta, fundador da Editora Abril (abril, as vésperas do fechamento) lambeu as botas dos generais da revoluções 64 durante quantos anos? E lembrar que fui assinante desse monte de esterco…

  3. Se todo mundo fosse igual ao Silvio Santos que sempre viveu de seu trabalho sem precisar chupar ovo de cachaceiro para receber salário seria ótimo. Ele nunca precisou fazer campanha favor de nenhum candidadto pois não vivia de dinheiro público. Ele apoiava quem ele queria, ao contrário dos que apoiam por dinheiro.

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