Recomendava sempre aos meus alunos de graduação e pós-graduação que postavam-se antenados com os fatos históricos dos últimos tempos, nacionais e estrangeiros, que fortificassem suas criticidades, libertando-se dos superados “ismos” ideológicos, econômicos, sociais, militares e religiosos que anestesiam e mascaram comportamentos sectários despropositados, ensejando estupidificações que aviltam a dignidade humana.
Muitos deles ainda desconheciam os passos preliminares que propiciaram as atrocidades cometidas no século XX pelos nazistas, que dominaram a nação alemã em 1933, com a vertiginosa ascensão de Adolf Hitler, habilmente explorando eventos históricos que humilharam a Alemanha no pós guerra 1914-1918, culminando no incêndio do Reichstag, em 27 de fevereiro de 1933, favorecendo, no dia seguinte, a edição de um decreto que abolia a liberdade de opinião, o segredo epistolar, a inviolabilidade dos domicílios, milhares de livros sendo queimados em praça pública, a 10 maio daquele mesmo ano.
Mas o que mais me impressionava nos meios escolares era o desconhecimento quase completo sobre os procedimentos criados pela mente doentia de Hitler para o extermínio dos judeus, culminando na criação de guetos, logo após o ataque nazista à Polônia, em 21 de setembro de 1939, cada gueto com seu Judenrat (conselho judaico), responsável pela execução das ordens do Reich. Em abril de 1940, Hitler implementaria a operação T4, a eutanásia dos doentes mentais e portadores de deficiências, iniciativas que desaguariam na Shoa, a “solução final”, apenas na Polônia vitimando 3 milhões de hebraicos.
Foi na cidade de Lódz que se estabeleceu, na Polônia, o segundo maior gueto para judeus, transformado em expressivo centro industrial fornecedor de suprimentos essenciais para o Reich. Dada sua notável produtividade, o Gueto de Lódz foi preservado até agosto de 1944, quando sua população foi transferida para Auschwitz.
Em 2012, o livro Os Destituídos de Lódz, Companhia Das Letras, uma mescla de romance social e literatura do Holocausto, narrou a história daquela cidade transformada em gueto e administrada pelo Mordechai Chaim Rumkowski, “figura que, ainda hoje, mas de meio século depois da sua extinção definitiva, permanece um enigma”. O autor do livro, Steve Sem-Sanderg, a partir de uma documentação exaustiva, analisa a administração de Rumkowski, até hoje motivo de calorosos debates entre os historiadores da Shoah: um colaborador dos nazistas ou alguém que, com astúcia, prolongou a sobrevivência de seu povo?
Através de uma leitura meditativa, toma-se contato com personagens inesquecíveis, muitos deles sepultados como “auto-homicidas”, por não mais suportarem situações de ódio e violência. Abandonando, inclusive, a advertência contida no Eclesiastes 9,10: “O que suas mãos tiverem que fazer, que o façam com toda a sua força, pois na sepultura, para onde você vai, não há atividade nem planejamento, não há conhecimento nem sabedoria”.
Mordechai Chaim Rumkowski (1877-1944), figura chave do romance Os Destituídos de Lódz, era um judeu polonês que foi nomeado presidente do gueto de Lódz, tendo sido empresário e diretor de um orfanato antes da ocupação nazista.
Segundo testemunhos sobrevivenciais, Mordechai é descrito sob dois prismas radicalmente diferentes. Por uns, como agressivo, dominador, sedento por honra e poder, barulhento, vulgar e ignorante, impaciente, intolerante, impulsivo e sensual. Por outros, ele é retratado como um homem de talento organizacional excepcional, rápido, muito enérgico e verdadeiro para tarefas que ele estabeleceu para si mesmo. Alguns ainda se lembram dele por seus discursos de assombração.
Rumkowski e sua família juntaram-se voluntariamente ao último transporte para Auschwitz, sendo assassinados a 28 agosto de 1944. Um amigo da família, em 1944 adolescente residente no gueto de Lódz, aventou a possibilidade de ter sido ele e seus familiares assassinados pelos demais prisioneiros judeus.
O livro é envolvente, esclarecedor e historicamente bem estruturado. Uma leitura que nos previne para barbaridades acanalhadas de todos os “ismos” recentes, religiosos e laicos.