Texto escrito por meu filho, Luis Antonio Tavares Portela, estudante de Biologia da Unicap-(PE)
Gripe Espanhola – A Revolta da Vacina – charge de: Nicolau Sevcenko
Parecia um caso típico de gripe na época, mas eles não podiam imaginar que era apenas o começo de um pesadelo. Em 4 de março de 1918, um soldado da base militar de Fort Riley, nos Estados Unidos, adoeceu, com sintomas típicos de uma gripe forte. Esse campo militar no Kansas treinava os jovens americanos para a Primeira Guerra Mundial. Naquela mesma semana, mais de 200 soldados também ficaram doentes. Com 14 dias, mil dos jovens soldados foram parar em hospitais, alastrando o mal para outros acampamentos militares. No seu auge, mais de 1500 militares reportarem estarem doentes em um único dia. De repente, este mal se espalhou rapidamente pelos Estados Unidos e pegou carona com os soldados americanos enviados para a Europa. De lá, se espalhou e ganhou o mundo.
Comumente chamada de gripe espanhola, erroneamente, visto que provavelmente teve início nos EUA, matou entre 50 e 100 milhões de pessoas em dois anos, entre 1918 e 1919. Esse número assustador representa mais mortes do que o total de óbitos provocados pelas duas grandes guerras juntas. Muito mais do que as vítimas da AIDS em 40 anos. Foi e ainda é a maior pandemia de que se tem notícia na história da humanidade. O Brasil também foi afetado. Foram cerca de 35 mil brasileiros mortos, entre eles o presidente da época, Rodrigues Alves (1848-1919).
Se é errôneo chamá-la de gripe espanhola, e provavelmente tendo início nos Estados Unidos, por que ficou sendo chamada assim? Graças ao cenário geopolítico causado pela grande guerra na época. A Espanha era um dos poucos países neutros durante a Primeira Guerra Mundial, com uma imprensa livre para noticiar o grande número de casos. Isto deu uma falsa impressão de que a situação na Espanha estava gravíssima, enquanto nos outros países estava tudo normal. Nos EUA, o então presidente Woodrow Wilson ordenou a censura de qualquer notícia que pudesse abalar a população e os soldados, com medo de que isto gerasse impacto na guerra. A situação foi a mesma em outras nações em guerra. O esforço para manter a epidemia em segredo contribuiu para o seu agravamento.
O vírus por trás da pandemia é um velho conhecido da humanidade: a variante H1N1 do Influenza, ele mesmo, o vírus da gripe. O H1N1 se refere a proteínas na superfície viral, as neuraminidases e as hemaglutininas.
Estas proteínas permitem ao vírus se conectar às células humanas, e são responsáveis pelo reconhecimento do nosso sistema imune. Porém, a Influenza possui uma enorme facilidade em recombinar essas proteínas com as dos seus colegas virais, criando as famosas variantes. Portanto, se dois vírus da gripe diferentes infectam a mesma célula, lá dentro eles podem dar origem a um terceiro novo, com novas características. Dando um exemplo bem didático, da mistura de um H5N1 com um H3N2, por exemplo, pode nascer um H5N2. Essa peculiaridade, aliada às mutações regulares que um vírus sofre, explica por que nossas defesas enfrentam dificuldade para reconhecer um agente infeccioso novo, visto que estão muitas vezes treinadas para reconhecer a versão original.
Como a natureza favorece este fenômeno? Hoje se sabe que as linhagens mais virulentas da gripe vieram das aves. Normalmente, esses vírus presentes nas aves não infectam o homem. Mas podem infectam porcos. E o vírus da gripe humana também. É aí que entra o mecanismo evolutivo.
Estes vírus presentes nas aves e os presentes nos humanos podem se encontrar e se recombinar dentro das células do porco, gerando uma prole viral mais potente e perigosa capaz de ser transmitida para e entre os homens. Também pode acontecer de forma mais direta. O vírus presente na ave pode conseguir infectar diretamente um humano e, uma vez dentro dele, sofrer mutações e recombinações que o tornam contagioso e agressivo para nossa espécie. Por isso existem os termos gripe suína e gripe aviária.
Na gripe espanhola, há indícios de que o vírus, originalmente presente em aves migratórias, teria infectado uma criação de porcos no Kansas, e a partir dos porcos foi parar nos soldados de Fort Riley, dando início a tudo.
Os relatos da época eram assustadores. Os sintomas não se pareciam em nada com os da gripe comum. As pessoas sangravam pelo nariz, pelos ouvidos, pelos olhos e ficavam azuis com a falta de oxigênio. Ficavam acamadas pela manhã e à tarde estavam mortas. Geralmente, os vírus da gripe infectam principalmente as células do nariz e da garganta. O H1N1 de um século atrás infectava preferencialmente as células dos pulmões.
Hoje se sabe que a Influenza costuma ser mais grave quando acomete crianças e idosos, que possuem sistema imune mais frágil. Porém, em 1918, a situação era totalmente diferente. A grande maioria das vítimas foram os adultos jovens, tanto civis quanto soldados. Uma das hipóteses levantadas é de que, justamente por serem jovens e terem uma imunidade mais ativa, a resposta do organismo à doença era tão forte que causava um choque no organismo. Causava uma tempestade inflamatória que prejudicava os pulmões e levava à piora do quadro.
É importante lembrar que em 1918 não existiam antibióticos para tratar as infecções oportunistas e o mundo se encontrava no caos da guerra. Trincheiras e aglomerações da guerra contribuíram para a escalada da tragédia. Os soldados carregavam o vírus do campo de batalha para seus países de origem, combinando com a escassez de suprimentos e uma população debilitada, tudo estava a favor do H1N1.
Existem algumas hipóteses para o fim abrupto da pandemia em 1919, entre elas a possibilidade de grande parte dos sobreviventes terem criado anticorpos, dificultando a disseminação do vírus. Também se especula que uma possível mutação tenha tornado o patógeno mais ameno e incapaz de causar danos graves nos pulmões, tornando-se uma enfermidade com sintomas mais leves.
Hoje em dia, um século depois, temos muito mais condições de localizar, diagnosticar e conter uma epidemia. Temos vacinas renovadas anualmente para nos defender das novas cepas de Influenza. Mesmo assim, a natureza nos testa novamente com a COVID-19. Que novas lições aprenderemos desta vez? Nós, humanos, temos uma tendência a esquecer os flagelos da história.
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A Gripe Espanhola de 1918 | Nerdologia
Faltava um biólogo nesta escrota gazeta. Já o temos. Importante relembrar certo editor-chefe de prestigiadíssimo jornal que diz sempre: Quando eu digo que no JBF se acha de tudo e mais alguma coisa, tem neguinho que não acredita.
E Sancho pega carona com a Patrícia Berto, que tascou certa feita: “Papai, o Senhor e a Besta em vôos cada vez mais altos”.
Que Luis Antonio Tavares Portela saia da coluna do pai e alce vôo solo em coluna própria nesta escrotíssima “gazeta coração de mãe”: sempre cabe mais um, desde que seja genial.
Caríssimo Cícero.
Concordo cem por cento com a sugestão do egrégio colunista
e ótimo comentarista Sancho de los cocos Pansa , de que este Jornal não pode
perder esta oportunidade de agregar mais um admirável colunista, e prescindir da colaboração deste jovem brilhante com uma coluna sobre medicina, pois não temos
atualmente nada assim tão específico, com ressalva de alguns ótimos artigos
eventualmente já publicados por por articulistas ilustres e altamente qualificados no assunto, mas nada assim tão específico e altamente didático.
Infelizmente, não entendo nada de medicina e não tenho capacidade de avaliar
com justiça o grau de qualificação do seu artigo em pauta.
Mas reconheço, quando leio um trabalho bem feito e bem explanado,
o grau de qualidade do escritor.
Ciço, meu caro, parabéns para você e também para o seu genial
filho que deve encher de orgulho a prestigiosa família Tavares.
PS. E então Berto ? Vai deixar passar essa oportunidade de nos brindar com
mais um gênio fubânico ?