JESUS DE RITINHA DE MIÚDO

Artigo escrito por este colunista em 2008 para um trabalho da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, da disciplina Geografia Aplicada ao Turismo, cumprida como complementar do Curso de Administração. A foto que ilustra a postagem foi doada por Francisco de Hilda- Facso.

Em 1909, no governo de Nilo Peçanha (14/06/1909 – 15/11/1910) foi criado o IFOCS (Inspetoria Federal de Obras contra as Secas), tendo como subordinada a “Comissão de Açudes e Irrigação”. Depois O IFOCS foi transformado em DNOCS (Departamento Nacional de Obras Contra as Secas), subordinado ao Ministério da Viação e Obras Públicas, que tinha à sua frente o Ministro Miguel Calmon du Pin e Almeida, cuja pasta já havia ocupado no governo anterior de Afonso Pena.

Alguns acarienses apelavam com insistência junto aos órgãos estaduais e federais para a construção de um reservatório de água em nossa terra. Entre outros, podemos encontrar nomes como o do Coronel Silvino Bezerra de Araújo Galvão e seu irmão Coronel Cypriano Bezerra Galvão de Santa Rosa, mais Joaquim Servita Pereira de Brito, Antônio Basílio de Araújo e do Padre Francisco Coelho de Albuquerque.

Os primeiros estudos foram feitos para a construção da barragem, e no mesmo ano de 1909 a primeira planta topográfica do Gargalheira, assinada pelo Engenheiro Ignácio Ayres de Souza, e visada pelo Engenheiro Benjamim Piquet Carneiro, então chefe de seção da referida comissão, foi apresentada. Mostrava como principal finalidade o fechamento do boqueirão, a fim de acumular as águas. Na época foi consignada uma verba de 900.000$.000 (Novecentos contos de réis), do Orçamento da União, para o trabalho de construção do açude.

Em 1913, já no governo de Hermes da Fonseca (15/11/1910-15/11/1914), as obras começaram, a cargo da firma Saboia de Albuquerque, que concluiu em 1914 uma pequena barragem de alvenaria de pedra, cuja argamassa era composta de cal e óleo de baleia. Então, nada mais foi realizado até 1921. Esta primeira barragem, acabou sendo demolida em 1955, para que pudesse ser feita a construção definitiva.

Em 1922, ano do Centenário da Independência do Brasil, já no governo de Epitácio Pessoa (28/07/1919-15/11/1922), tendo como Ministro da Viação e Obras o Sr. José Pires do Rio, foi dado o maior impulso à construção do Gargalheira, quando as obras foram entregues à firma inglesa Wangler Walker, e já no final de 1923, por ocasião da visita ao local do governador do Rio Grande do Norte, Dr. José Augusto Bezerra de Medeiros, foram observadas a construção de grandes instalações, acampamentos, oficinas, residências para servidores, casa de hóspedes (chamada outrora de Casa do Major e onde atualmente se encontra o Hotel Pousada do Gargalheira), pavilhões administrativos, etc. De construções técnicas propriamente ditas, infelizmente nada ou quase nada havia sido feito. O chefe das obras nesta época era o Sr. Manuel Ubaldo da Silva (seu Neto).

Em 01/03/1926 é eleito o Sr. Washington Luiz à presidência da república (15/11/1926-24/10/1930). Na condição de presidente eleito, em 08/08/1926, Washington Luiz visitou as instalações do Gargalheira, encontrando-as abandonadas, tendo os ingleses se retirado, com um quadro evidente de muita festa feita pelos ingleses antes da partida. Conta-se que o presidente olhou tudo de forma sistemática, demorando-se em cada lugar e fazendo muitas perguntas, não escondendo a sua tristeza num lamento: “Os ingleses foram-se levando o ouro e deixando a ferrugem”. Em seguida deixou o lugar e foi visitar a Estação Experimental de Bulhões, projeto de 1922 do então deputado federal José Augusto Bezerra de Medeiros, agora governador do estado, cuja aprovação se dera pela portaria do Ministro da Agricultura, Indústria e Comércio, Sr. Miguel Calmon du Pin e Almeida, já no governo de Arthur Bernades, em 14/04/1924, passando a funcionar em 24/01/1925, tendo como seu primeiro agrônomo o jovem acariense Otávio Lamartine de Faria, que depois foi prefeito de Acari.

Um fato curioso: os ingleses iniciaram a construção de uma fábrica de cervejas, logo abaixo da casa de hóspedes, mas não chegaram a concluí-la. Segundo o saudoso Coronel Ary de Pinho, seria uma fábrica de gelos para refrigerar a água que seria utilizada no concreto.

Em 1950, já no governo de Eurico Gaspar Dutra (31/01/1946-31/01/1951), é feita nova tentativa, a pedido do deputado estadual, o acariense José Gonçalves Pires de Medeiros, que se deslocou para o Rio de Janeiro, então sede do Governo Federal, para pleitear várias obras para o seu amado Rio Grande do Norte.

Desta feita, sob a responsabilidade do Departamento Nacional de Obras Contra as Secas (ex-IFOCS), foram feitos vários reparos em parte das instalações, casa de hóspedes, construção de estradas, etc. Inicialmente, o Chefe da Residência (como era chamado o chefe geral das obras), subordinado ao 5º Distrito de Obras de Natal, foi o Engenheiro Leonardo Coutinho, sucedido pelo Engenheiro Geraldo Wamslay e Engenheiro Clóvis Gonçalves dos Santos, que não puderam muito realizar, em virtude da pouca verba destinada ao empreendimento principal, ou seja, a construção da barragem. O nosso saudoso Deputado José Gonçalves, ao ver os seus pedidos atendidos, propôs perante a Assembléia Legislativa do Rio Grande do Norte, que o nome oficial do Açude Gargalheira passasse a ser Açude Marechal Dutra, o que obteve aprovação unânime dos colegas parlamentares.

Em 1954 o presidente Café Filho (24/08/1954-09/11/1955, criou os Grupamentos de Engenharia. O Coronel Rodrigo Otávio Jordão Ramos, então Ministro da Viação e Obras Públicas, criou os Batalhões de Construção, um deles em Caicó – RN. Esses batalhões tinham a missão de realizar os trabalhos previstos para serem executados pelo DNER, DNEF e DNOCS. Também foi criado o 1º Batalhão Rodoviário, depois denominado 1º Batalhão de Engenharia e Construção, inicialmente com sede em Campina Grande – PB e depois transferido para João Pessoa, capital daquele estado. Foi esse batalhão que recebeu a incumbência de concluir Gargalheira. Isso só foi possível graças ao convênio firmado entra o 1º Grupamento de Engenharia e o DNOCS.

Em abril de 1955 o capitão Saint’Clair Abel Fontoura Leite chegou a Gargalheira. Seu primeiro ato foi derrubar as casas feitas de palha na entrada da área do açude, e as construir em alvenaria. No mesmo ano, no mês de agosto, chegou em Acari o Major Ary de Pinho, atendendo o convite feito pelo Coronel Rodrigo Otávio, à época comandante do 1º Grupamento de Engenharia. Com a chegada do Major Ary de Pinho, os trabalhos foram intensificados, inicialmente com a destruição da antiga barragem feita em 1914, e depois os esforços foram focalizados na construção da nova barragem, bem como nas obras que lhe dariam suporte, por exemplo: a vila operária, a escola, o hospital, o posto médico e dentário, o barracão, o açougue, o clube recreativo, o cinema a capela religiosa, etc. A capela que tem como padroeira N. S. De Lourdes, foi inaugurada em 16/07/1957, e foi o celebrante da primeira missa o Bispo D. José Adelino Dantas.

Em 29/10/1956 foi iniciada a concretagem da parede e no dia 20/10/1958 a obra foi dada como concluída. Neste dia a prefeitura de Acari ofereceu um almoço (churrasco) aos funcionários da obra e naquela ocasião o prefeito de Acari, o saudoso Dr. Paulo Gonçalves de Medeiros, irmão do Deputado José Gonçalves (que tanto esforços havia desprendido para a construção da obra), se fez representar pelo seu vice-prefeito, o Sr. Manuel José Fernandes (seu Bilé), que proferiu entusiasmado discurso.

No dia 27/04/1959 foi realizada a festa oficial de encerramento, exatamente cinquenta anos depois de feita a primeira planta topográfica. Durante cinquenta anos a natureza esperara que a boa vontade e a mão do homem fizessem a sua parte. Estava ali, de um estreito vale entre serras, o mais belo reservatório d’água do interior do Rio Grande do Norte e um dos principais pontos turísticos para quem percorre as sendas do Seridó: O Gargalheira.

A barragem, construída em concreto armado entre as serras do Abreu, da Carnaubinha, Olho d’Água e Gargalheira, tem uma altura que chega aos 25 metros e 250 metros de coroamento, a bacia hidráulica ocupa uma área de 780 hectares e a capacidade máxima de armazenamento chega aos 40 milhões de metros cúbicos.

José Pires Fernandes, (1997, p. 24; 25) dá a seguinte ficha:

“A parede é feita no estilo Arco Gravidade, com blocos de 12 metros de extensão a montante, com juntas horizontais espaçadas de 1,5m; a ligação dos blocos é feita através de superfícies endenteadas, providas de diversos elementos (chapas de cobre, chapas de ferro e furos para a injeção de asfalto), para assegurar a vedação e tratadas posteriormente com injeções de cimento, para assegurar o monolitismo dos blocos.”

Segundo o engenheiro da CHESF, o acariense Willian Ferreira da Silva, em entrevista concedida, a edificação em Arco Gravidade da parede é raramente encontrada, existindo pouquíssimas em nosso continente.

Gargalheira está situado na bacia do Rio Piranhas, sendo um represamento do Rio Acauã, no boqueirão que lhe deu o nome. Com a graça de Deus, Gargalheira sangrou pela primeira vez no dia 20/03/1960. A última sangria começou no dia 18/02/2004 e deixou de transbordar em março do mesmo ano.

A origem do seu nome é explicada do nome gargalho, gargalo+eira, ou seja, garganta, entrada, abertura estreita, desfiladeiro, loca, buraco, passagem estreita entre duas montanhas ou entre duas serras. FERNANDES (1997, p.9) diz que “como na área onde está situada a barragem existem muitas gargalheiras, o povo passou a chamá-las no plural, o que ficará para sempre”.

Entretanto, singular explicação nos deu doutor Paulo Frassinete Bezerra, escritor acariense se assinando como Paulo Balá, através de e-mail enviado particularmente a Jesus de Miúdo:

“Ora, pois, deu de cair em minhas mãos uma revista intitulada “Diálogo Médico”- ano 18 – número 2 – maio/junho/2003, editada por “Produtos Roche Químicos e Farmacêuticos AS”, com a seguinte matéria: “Exposição. NEGRAS MEMÓRIAS. Cerca de 500 objetos, do século 18 aos dias de hoje, fazem parte da exposição Negras memórias, Memórias de negros – O Imaginário Luso-Afro-Brasileiro e a Herança da Escravidão, sob a curadoria de Emanoel Araújo […] A matéria é ilustrada com duas gravuras […] E breve nota explicativa:

“GARGALHEIRA – usada para castigar os escravos”.

Assim, vem daí o nome do lugar com o seu verdadeiro sentido, ou seja: “gargalheira – objeto de tortura usado na escravidão” como fala o texto, conquanto ela – a escravidão – não tenha alcançado, entre nós, o significado que teve na zona canavieira. Aliás, a palavra está assentada em anotações antigas no singular, do mesmo modo como se escuta no linguajar diário até por ser vício de linguagem o de se engolir o plural das palavras.

Receba, pois, caboclo, deste já velho escrevinhador, por todo este mês de Santana que corre, fraternal abraço sertanejo.”

A estrutura deixada pelo DNOCS, no entorno da parede do açude, está sendo aproveitada como atrativo turístico. Mas tudo de forma amadora, ainda sem a preocupação de se oferecer um bom atendimento ao turista.

Faz parte das Sete Maravilhas do Seridó, em eleição realizada através de um respeitado jornal virtual, editado pela jornalista Suerda Medeiros, blog de notícias focando a região do Seridó. Em recente eleição das Sete Maravilhas do Rio Grande do Norte, foi eleito na terceira colocação. Fatos que corroboram a afirmação de Luiz da Câmara Cascudo quando, em conversa com algum amigo acariense, sempre chamava o lugar de “símbolo vivo do Seridó”.

A Serra do Pai Pedro, emprestando a sua base para a construção da parede, é um ótimo lugar para a prática de esportes radicais, tais como a escalada, trekking e rappel.

O antigo estreito, agora transformado em Gargalheira, volta a esperar pela boa vontade e pela mão do homem, para oferecer uma boa estrutura de lazer, aventura e diversão para quem visita aquela região.

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