ROQUE NUNES – AI, QUE PREGUIÇA!

Clarimundo Luciano foi um desses seres abençoados que nasceu para trazer sabedoria para o mundo. Filho de uma família abastada estudou nas melhores escolas, teve os melhores preceptores e uma educação que em nada deixava a dever. Teve contato, desde cedo, com os clássicos: Homero, Virgílio, Petrarca, Dante, Camões, Machado, e por aí vai. Teve, inclusive, aulas com o professor Aldrovando Cantagalo, tornando-se exímio esgrimista da Língua Pátria.

Mas, como todo bom brasileiro, o doutor Clarimundo – seguindo os passos do pai, formou-se em Direito – cedo pegou os cacoetes e vícios de esculhambar a “Inculta e Bela” usando vocábulos eruditos que fariam com que Rui Barbosa corasse e tivesse que correr ao “Aurélio” para saber seu significado. Não usava a palavra carro, ou veículo. Era sempre viatura. Futebol era ludopélio, piquenique convescote. Argumento, arrazoado. Quando, por qualquer motivo se via contrariado, aí benedito…. a coisa desandava:

– Sacripanta sicofanta, calaceiro, trampolineiro, estróina, biltre, valdevino, azêmola.

O alvo dos impropérios ficava na dúvida se era elogio, ou não, o que o doutor Clarimundo estava fazendo. É pra mim agradecer, seu Clarimundo? Aí ele ia ao delírio. Rua, capadócio!!!! E lá ia o sujeito, ainda em dúvida se era para ficar ofendido, ou agradecido.

Casou-se! E, dona Celeste – santa mulher -, vivia mais fora de órbita que satélite brasileiro lançado pela base de Alcântara. Apesar de tudo isso, amava aquele homem esquisito no falar. Afora essa cisma em buscar tornar complexo o que, no dia a dia era simples, Clarimundo era uma pessoa afável e ótima companhia.

Na meia idade aceitou o cargo de Secretário do Interior de um governo do sertão do Brasil. Desses estados em que se colocam os menos capazes e mais incompetentes no cargo de governador, pois lá eles dão menos trabalho e prejudica menos a quem quer trabalhar e produzir. Clarimundo Luciano foi ao delírio. Só não declamou “As armas e os barões assinalados” de orelhada, porque era entortador do vernáculo e não acaciano.

Secretaria assumida, com os elogios de praxe ao governador, à mulher do governador. Só não elogiou o cachorro do governador, porque esse gostava mais de cavalos, e não ficava bem. Até pensou em fazer o elogio, mas o discurso em que pontuava “agradecimento à nobre figura da cavalgadura do governador” pareceu-lhe não cair bem. Então cortou.

Sentado na cadeira da secretaria do estado de… ops…. quase… um Estado qualquer do sertão do Brasil, ficou sabendo que algumas das cidades sob sua gestão sofriam com constantes tremores de terra. Nada a se preocupar, mas achou por bem mandar uma circular aos prefeitos das cidades. Mensagem, sim, pois esta situação se deu lá atrás, no período de antanho.

– Informo vossas excelências a passagem de sismo moderado por vossa urbe. Solicito informações imediatas, tão logo passagem efeméride telúrica.

Ah, Barnabé…. armou-se a confusão. O prefeito de Cristalinho de Mato Dentro do Norte, sim, porque o do Sul estava bem tranquilo, mandou pronta resposta.

“Informo senhor secretário que logo que o Sismo chegou aqui botemo ele na cadeia, desarmemo o mode da urbe, o coroné da puliça já ponhô um IPM nessa feméria e botemo o telúrio pra correr. Só não informemo antes porcausdiquê um puta terremoto quase que acaba com nossa cidade”.

9 pensou em “O ENTORTADOR DO VERNÁCULO

  1. hahahahahahaha!!! Bom demais!!! Roque, mais vernáculos para que eu possa achincalhar a camarilha que quer a todo custo, ver esse país na putrefação total. Voismicê possui toda forma de arrumação intracromossomial específica para escrever um texto assim!!! Essa foi absolutamente fantástica!!!

  2. Nesse conversa vernaculosa como dizia Odorico Paraguaçu “não me importa se cladique onagera, o que me apraz é acicatar”. Se ele não disse, deveria ter dito.

    • Eu ainda vou “ponhá” aqui, meu caro Assuero um texticulo chamado “Mariluce”… de minha lavra também, mas que vai deixar muito “verdinho” prostituto da vida.

  3. Roque Paraguassu deixa a preguiça de lado e tasca texto no gente fubânica…

    Este é daqueles textos que se saboreia até o ponto final. Ah, esses fubãnicos geniais e seus textos tão aprazíveis…
    Que no próximo o colunista venha com a sobremesa, pois o prato principal, servido em doses generosas, foi um manjar dos deuses.

    Para o caso de alguma extre-terrestre gostosona tentar contato: Sancho Pança – Rudge Ramos – SBC -SP – Brasil – Planeta Terra, Sistema Solar, Via Láctea, Laniakea

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