Nos Estados Unidos existe um “causo” e um nome que quase todo mundo conhece, embora os detalhes exatos já tenham sido perdidos no tempo. O nome é Davy Crockett, e o causo aconteceu enquanto ele era deputado. Estava em votação uma lei que concedia uma pensão para uma viúva de um almirante, e já haviam sido feitos vários discursos elogiando o falecido e apoiando o projeto. Então Crockett se levantou e fez um curto pronunciamento declarando-se contrário ao projeto, porque a função do congresso é fazer leis para todos e não conceder favores individuais com o dinheiro alheio. O discurso de Crockett costuma ser resumido na frase “O dinheiro não é de vocês para dar”.
Naturalmente, aqui no Brasil não passaria pela cabeça de ninguém dizer a um político que o dinheiro dos impostos não é dele. Qualquer criança sabe que é. É deles, e eles fazem o que bem entendem com ele. Os pobres simplesmente dão de ombros e seguem com sua vida, enquanto os jovens mais entusiasmados fazem longos discursos sobre a social-democracia, a importância do estado para promover o bem-estar social, a suposta sabedoria do governo em fazer as coisas de forma justa e correta, e por aí adiante. Muitos gostam de afirmar que dar dinheiro para o governo é uma obrigação advinda de um certo Contrato Social, que eu particularmente não lembro de ter lido e muito menos assinado.
Embora todo político goste de afirmar que no regime em que vivemos (chamado “democracia”) o poder “emana do povo”, a verdade é que o povo não costuma ser consultado sobre o destino de seu dinheiro. Os representantes do povo não sentem o mais leve constrangimento ao assinar leis e decretos destinando o dinheiro público para construir uma nova capital, abastecer as despensas e adegas dos palácios oficiais ou criar generosos planos de aposentadoria para eles mesmos. Aliás, a expressão dinheiro público deveria estar entre aspas, porque na verdade trata-se do nosso dinheiro, extorquido pelo que se costuma chamar “máquina de arrecadação”.
No momento, nossos deputados acreditam que o país não tem problemas importantes em segurança, saúde, economia, educação ou infra-estrutura; o problema que está sendo discutido com urgência é a cobrança de imposto sobre os prêmios que nossos atletas medalhados* vão ganhar. É curioso: muitos brasileiros não têm casa para morar. Ao invés de medidas para baratear o acesso a uma, o governo exige um sem-fim de impostos, taxas, certidões e burocracias. Literalmente paga-se imposto ao ganhar dinheiro para comprar uma casa, ao comprar a casa, ao morar na casa e ao vender a casa. Mas quando um atleta ganha uma medalha (e não vai aqui nenhuma dúvida sobre o mérito da conquista) e junto com a medalha vêm um prêmio que soma mais do que um brasileiro salário-mínimo vai ganhar em toda sua vida, subitamente torna-se importante discutir que esse prêmio deve ser isento de imposto.
Sei que muitos me consideram pessimista. Eu também me considero pessimista, principalmente no que diz respeito ao meu país. Quem sabe isso possa mudar se um dia, quando a imprensa anunciar mais alguma travessura dos políticos com nosso dinheiro, algumas pessoas se levantem e digam “Senhores deputados, o dinheiro não é de vocês para dar!”.
* observação: quem faz projetos é projetista e quem faz desenhos é desenhista, então medalhista poderia ser alguém que faz medalhas. Mas quem ganha diploma é diplomado, quem ganha prêmio é premiado e portanto quem ganha medalha é medalhado.