JOSÉ RAMOS - ENXUGANDOGELO

Minha Avó muito querida e reverenciada

Quando escrevo este texto, estamos na sexta-feira, 30. Fim de tarde.

Hoje, domingo, 1, primeiro dia do Ano Novo, tomara o sol esteja brilhando para todos, e encontre os passageiros habitantes da Terra em gozo de saúde e felicidade. Auguro ao Criador, único que tem poderes e bondade suficientes para perdoar os que precisam ser perdoados, “que releve os momentos de adoração ao Bezerro de Ouro”.

Claro que, hoje, domingo, eu sei o que aconteceu ontem e o que está acontecendo hoje.

Assim, não sei se o texto pertence ao 2022, quando foi escrito; ou se pertence ao 2023, quando está publicado.

Pois, esperando que este 2023 seja maravilhoso para todos e aproveitando para agradecer à Deus pelo milagre da vida – de todos, claro! – me transporto para o ano de 1950, criança de apenas 7 anos, mas tendo o discernimento para compreender que, além de Deus, minha Avó era a minha Estrela Dalva, possuidora de uma luminosidade que quase nenhum doutor ou doutora demonstrou ter em todo esse périplo do caminhar da vida na procura dos moinhos de vento ou do portão de Pasárgada.

Perdão se aborreço a quem imagino estar lendo essas bobagens que para mim são luzes que tilintam formando uma cantata natalina – provavelmente, minha Avó foi, sem que eu percebesse, meu primeiro e único amor edipiano.

Mas, o que Ela teria feito de extraordinário?

Acredite, você que está lendo: poucas vezes minha Avó saía de casa. Corrijo. Saía sim. Andava uns 25 metros da cozinha da casa para o chiqueiro das cabras, todos os dias, tão logo o galo cantava – ia fazer a ordenha e colher o leite caprino para o café da manhã.

E, nesse “andar tão pouco e em poucas vezes”, quando Ela se transformava na Estrela Dalva e me aconselhava, mostrando todos os caminhos da vida e apontando os melhores para caminhar, era como se Ela tivesse conhecido cada um.

Angelicalmente falando!

Suas mãos, sem rugas, venciam o tempo. Como prêmio, nunca teve um “panariço” em qualquer dos dedos. As linhas das palmas das duas mãos, vívidas, limpas e abertas para qualquer situação. As mãos, sempre abertas para doar e para receber as graças divinas em respostas às orações.

O beija flor tinha um dialeto especial com minha Avó

Na parte matinal de todos os dias, Vovó viveu anos a fio, da cozinha para o chiqueiro, e do chiqueiro para a cozinha. Cuidava do “dicumê”, atiçando o fogo a lenha e, vez por outra, com a concha feita de quenga de coco, mexia e provava a comida. Enquanto a panela cozinhava ela varria o quintal com vassourinha. Quando terminava a varrição voltava para o estranho “diálogo”.

Quem não a conhecia e flagrava aquela conversa, certamente deduzia que Vovó era doida varrida. Muitas vezes meu Avô a surpreendia e ralhava:

– Tá ficano doida muié! Tá falando sozinha?!

Mostrando a felicidade nos gestos delicados, ela respondia:

– Beeesta, hômi! Tá conversando com meu bichim!

E era aquilo, realmente. Poucos conseguiam entender o que falavam. Provavelmente o inocente linguajar da felicidade, cheio de poesia e entendimento entre os seres de Deus.

Nós somos pessoas de Deus. Por que duvidar que as aves, mesmo as minúsculas como o beija-flor, não o são?!

A interação milagrosa se concretizava:

Beija-flor livre mas comendo na mão

Todo domingo meu Avô ia à missa. Caminhava algumas léguas, vestia a melhor roupa lavada com anil ou com melão São Caetano. Sabe-se lá o que Ele pedia à Deus. Mas sempre soubemos que, qualquer oração em qualquer quantidade e Fé, seria pouca para pagar o que sempre recebíamos do Criador.

Terminada a missa, Vovô se dirigia para a bodega do Seu Zé, onde comprava querosene, fumo em rolo do melhor que existisse e fosse apropriado para o cachimbo e para fazer rapé. Não esquecia jamais o açúcar cristal.

O açúcar cristal tinha um único destino: Vovó o dissolvia n´água e colocava na “cova” da mão para servir ao beija-flor!

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