Jean Marques Regina
“Deus deixou o sertão sem água porque sabia que eu seria presidente da República”. A frase não saiu de um pregador exaltado em praça pública, tampouco de algum personagem bíblico tomado por visão profética. Saiu da boca do presidente da República — e deveria preocupar mais do que divertir.
O que se ouviu naquele palanque foi mais do que um exagero retórico. Foi uma insinuação teológica de que o sofrimento histórico do povo sertanejo teria servido de palco providencial para a ascensão de um líder político. Como se a seca — realidade dura e milenar — tivesse sido escrita nos céus em função de um projeto de poder terreno. A metáfora, neste caso, não embeleza. Expõe.
E expõe porque escancara o velho vício do messianismo político, disfarçado de humildade. Não é a primeira vez que governantes tentam vestir o manto da providência divina para legitimar sua trajetória. Mas há algo de particularmente inquietante quando esse gesto vem justamente de quem, por anos, acusou seus adversários de fazer o mesmo.
A esquerda brasileira, especialmente em tempos recentes, fez da crítica à retórica religiosa de Jair Bolsonaro quase um princípio. Rejeitou com vigor qualquer invocação pública do nome de Deus por parte do então presidente. Acusou, com frequência, o uso indevido da fé como mecanismo de dominação simbólica. Mas o que dizer agora, quando a narrativa divina volta à cena, sob nova roupagem?
A incoerência salta aos olhos. Não porque falar de Deus na política seja, por si só, ilegítimo — não é. Mas porque o critério de julgamento parece mudar conforme a conveniência ideológica. Quando um adversário cita a Bíblia, é teocracia. Quando um aliado se diz resultado de uma providência divina, é sensibilidade popular.
Sob a ótica do Direito Religioso, a questão não é apenas moral ou estética. É institucional. A Constituição brasileira estabelece um modelo de laicidade colaborativa: o Estado não se confunde com nenhuma fé, mas reconhece a relevância da religião na vida coletiva e na sociedade, estabelecendo um diálogo com as confissões religiosas em benefício do bem comum. A laicidade brasileira não é militante, nem hostil, nem agnóstica. Ela é aberta, dialógica e respeitosa — mas impõe limites. Especialmente quando o discurso religioso deixa de ser testemunho de fé e se torna alegoria de campanha.
E é justamente esse o alerta: estamos diante de um reposicionamento estratégico do campo político que historicamente rejeitou qualquer aproximação com o universo evangélico. Nos últimos dias, vimos a Advocacia-Geral da União ser usada como peça de campanha institucional em temas de valores — com seu chefe, Jorge Messias, sendo apresentado como evangélico em propaganda oficial sobre o mês da família. Também, o PT vai lançar a iniciativa Fé e Democracia, um programa de formação voltado à base cristã a partir da ótica de teólogos alinhados com a visão progressista, uma iniciativa voltada a “reconectar” o partido com o eleitorado religioso que perdeu nos últimos anos.
Nada disso seria problema se fosse feito com honestidade intelectual, reconhecimento de erros passados e real disposição ao diálogo. Mas há algo de pragmático nessa reaproximação súbita — uma tentativa de capturar a linguagem da fé sem internalizá-la. Como se bastasse adotar o vocabulário evangélico para resgatar votos perdidos. Mas a linguagem da fé não é apenas estética. Ela tem raiz, doutrina, coerência. É tradição, não expediente.
A liberdade religiosa possui duas funções que se complementam: a subjetiva, que garante a cada pessoa o direito de crer, não crer ou mudar de crença; e a objetiva, que assegura às confissões religiosas o exercício público, institucional e comunitário de sua fé. Ambas são pilares indispensáveis da dignidade humana, mas também oferecem um contributo essencial à própria ordem pública. Ao reconhecer a legitimidade da religião na formação moral, na coesão social e na mediação de conflitos, o Estado não apenas protege a consciência de cada um, mas fortalece o tecido democrático, promovendo um ambiente de pluralismo estável, onde o dissenso não degenera em hostilidade.
Há, por fim, um risco mais profundo. Quando a religião é transformada em código político, em veículo de comoção eleitoral, ela deixa de ser um bem público e passa a ser instrumentalizada como ferramenta de influência. E isso vale tanto para a esquerda quanto para a direita. A fé não deve servir a nenhum projeto de poder — deve ser respeitada, compreendida e protegida como expressão da liberdade mais íntima do indivíduo e da identidade mais profunda de uma coletividade.
A fala de Lula não foi apenas infeliz. Ela foi sintomática. Mostra que, nas eleições de 2026, o campo religioso será novamente palco de disputa — e não por seus valores, mas por sua capacidade de gerar afeto e fidelidade. Transformar Deus em cabo eleitoral é o atalho retórico mais perigoso de uma democracia que se pretende plural.
A seca do sertão, tão real quanto injusta, nunca precisou de culpados sobrenaturais nem de salvadores autoproclamados. Ela precisa de água, de dignidade e de políticas públicas eficazes. Deus, por sua vez, segue soberano — e não se presta a slogans.
O texto aborda com precisão o lado legítimo da fé do povo e as intenções escusas ao explorá-la politicamente. Lamentável. Porém, o que pode-se esperar de um presidente que já esgotou todas as insanidades em seus discursos?
NÃO PASSA DE UM CÍNICO NOJENTO. UM MALDITO FILHO DA PUTA QUE SE APROVEITA DA IGNORÂNCIA DOS POBRES E IGNORANTES.
NÃO PASSA DE UM CÍNICO NOJENTO. UM MALDITO FILHO DA PUTA QUE SE APROVEITA DOS IGNORANTES.
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