MAURÍCIO ASSUERO - PARE, OLHE E ESCUTE

O SS Poseidon era um navio de ficção que numa viagem de final de ano, 29 de dezembro de 1968, virou devido a um maremoto. Vi este filme algumas vezes na TV aberta e, um dia desses, na SKY. De uma porrada de gente que curtia a viagem neste transatlântico, apenas dez passageiros conseguiram sobreviver. Guardadas as devidas proporções, tudo indica que embarcamos no Poseidon brasileiro em 31/10/2022. Não quero ser “profeta do apocalipse”, como diz Raul Seixas, mas a economia vive de sinalização e os sinais emitidos desde aquela data possuem menos alcance que os sinais de fumaça usados pelos índios nos filmes de faroeste.

O ano começou com uma inquietação das empresas fora de qualquer escopo esperado. A impressão que tenho é que estamos naquelas montanhas russas radicais, verticais, com 110 metros de altura que nos faz chegar ao solo com velocidade aproximada de 57 m/s, isto é, 203 km/h. Começamos o ano perdendo empregos formais, com empresas saindo do mercado, ou reduzindo sua participação, e a gente pode apontar algumas razões simples para isso, sendo a primeira delas, a absoluta falta de confiança na economia brasileira em 2023 e o motivo, mais do que claro, é a opção do atual governo em favorecer a distribuição de renda, com dinheiro que não tem, ao invés de fortalecer o sistema produtivo para gerar emprego, renda e dignidade.

Não custa lembrar que tivemos empresas encerrando suas atividades como o caso da Ford, em janeiro de 2022, mas um ano antes ela tinha sinalizado que deixaria o Brasil. Qual o motivo básico? O mesmo motivo que está fazendo a WHB Automotive, localizada no município de Glória do Goitá, aqui em Pernambuco, também encerrar suas atividades após dez anos. O mesmo motivo que fez, no passado, diversas empresas localizadas nos polos industrial de Paulista e do Curado, região metropolitana do Recife, encerrar suas atividades. Estou falando de empresas como Philips, Romi, Tintas Coral, Hering, Pirelli, etc.

As empresas citadas receberam incentivos fiscais para se instalar no Nordeste. Quem é mais velho deve se lembrar da briga de Antônio Carlos Magalhães com o governo gaúcho para instalar a Ford na Bahia. A empresa recebeu isenção de muita coisa, teve terreno doado em consignação, a porra a quatro. Acabou o período de incentivos, os custos de produção ficam no mesmo patamar dos custos de produção da unidade de São Paulo e com um agravante de que o Nordeste fica mais distante do mercado consumidor. Sai do mercado e pronto. O desemprego é responsabilidade do governo e não dela. Os incentivos da WHB eram de dez anos. Coincidência? Não.

O caso mais emblemático desse início de ano, sem dúvidas, é o das Lojas Americanas. Nos primeiros dias do ano, o cara que ia assumir o controle gerencial das Americanas descobre um rombo de R$ 20 bilhões no balanço. Os balanços de uma empresa retratam o passado e como eles são fechados, definitivamente, até março do ano seguinte, o rombo das Americanas vai se ampliar muito. Trata-se de uma fraude, resta saber quando começou porque um rombo de pelo menos R$ 40 bilhões não dá para ser cavado num período de um ano sem que chame a atenção. Não é como prêmio de mega sena acumulada que o cara pode ficar rico num minuto. A ideia era simples: mascara o endividamento bancário na conta de fornecedores porque isso possibilita a obtenção de novos empréstimos bancários para financiamento do capital de giro. Dá-se início ao chamado “efeito Ponzi”, onde se paga uma dívida um banco com dinheiro emprestado por outro. Mesmo a gente voltando para o período da pandemia, alguns dos casos em questão não indicam que tudo começou no ano passado. A DOK que atua no ramo de calçados tem um rombo de R$ 400 milhões. É muito para ser sacado em apenas um ano.

Essas lojas de departamentos possuem uma característica comum: o custo operacional é muito alto. Algumas vezes chega a ser mais de 70% da receita bruta porque eles compram tudo que vendem. Algumas vezes determinado produto não tem o giro necessário para fazer caixa e quase todas elas são lojas âncoras dos grandes shoppings centers, cujo metro quadrado é caro, e elas ocupam um espaço gigantesco. Então, possuem também custos administrativos elevados e isso compromete a margem de lucro (uma empresa bem administrada pode chegar a uma margem de 10%, mas…).

Durante a pandemia as empresas tiveram custos e não tiveram receitas suficientes para cobri-los. De onde vai tirar recursos? Uma opção é retirar das reservas de lucros, mas isso é perigoso porque menos lucro afasta o acionista. Pode vender imobilizado, mas isso também chama a atenção porque seria um indicativo de necessidade de caixa urgente. Pode reconhecer o prejuízo e aumentar o capital social, mas o é melhor é maquiar o balanço que aguenta tudo, até mesmo emitir notas fiscais frias para gerar “recebíveis” e demonstrar pujança financeira. Além do mais, ninguém vai preso. Nem os técnicos de auditoria que atestam a lisura dos dados contábeis. A PwC Auditoria era responsável pelo parecer dos balanços da Petrobras e também das Americanas. Só pelo caso da Petrobras, já deveriam ter o registro cassado pelo conselho.

Uma coisa que está passando despercebida é que o governo estourou o teto dos gastos para pagar R$ 600,00 de Bolsa Família. Não se fala em orçamento para seguro desemprego e com a tendência de alta, alguém precisa explicar com quais recursos essa política será aplicada.

A desconfiança com a economia brasileira ajuda esse cenário nefasto. Um governo sem política econômica, acusando o governo anterior de ter deixado um rombo de R$ 300 bilhões quando isso se trata de renúncia fiscal – e apesar dela, o Brasil aumentou a arrecadação. O presidente já sinalizou que prefere uma taxa de inflação maior e se não fosse a autonomia do banco central, que ele diz ser bobagem, pode crer que o macaco adestrado que estaria na cadeira de presidente faria tudo pra atender. Crescimento Econômico com inflação é coisa de Delfim Neto e o que interessa é o crescimento real, ou seja, aquele descontado da inflação. Precisa ser muito filho da puta pra desejar inflação que afeta mais intensamente quem é pobre ou que está fora da força de trabalho.

Trocou-se os instrumentos afinados de uma orquestra e contrataram músicos que não sabem ler uma partitura, tocam apenas de ouvido, ou como se diz aqui no Nordeste “emprenham pelo ouvido”. Essa orquestra está animando o salão de festas do Poseidon, sem ser uma ficção. Será que irão escapar 50,9% dos passageiros?

7 pensou em “O DESTINO DO POSEIDON

  1. Caro Assuero, sua síntese histórica, perfeita!

    Tracei as notícias, pois algumas desconhecia:

    A WHB Automotive, localizada no município de Glória do Goitá, aqui em Pernambuco, também irá encerrar suas atividades após dez anos?

    Não será o tranbique tipo Sudene?

    E como inventor literário, cria frases:

    “…terreno doado em consignação, “a porra a quatro”.

    E finaliza brilhante, dando significativa catucada no furico do Hadad:

    “Trocou-se os instrumentos afinados de uma orquestra e contrataram músicos que não sabem ler uma partitura.”

    Enquanto isto, injustiçados e tristes, só nos resta suportar com certa dignidade o “governo da vingança”.

    Com desejos de bom domingo, receba o economista, meus cumprimentos.

    Carlos Eduardo

    • Carlos, eu não recordo de nenhuma empresa que tenha recebido incentivos fiscais, via SUDENE, que ainda esteja no mercado. Eram 30 anos de benefícios e vindo esse prazo, todas elas fecharam. Produziam aqui a custo menor e os lucros eram remetidos para as matrizes. Nenhuma parcela do lucro, praticamente, foi reinvestida na região. Obrigado pela visita.

  2. Tomei conhecimento que as FFAA fizeram um acordo com a diretoria das Lojas Americanas para um simpósio com o tema: “Como dar um golpe e sair ileso”.

  3. Meus caros, até os condomínios familiares estão apertando o torniquete por conta do que está por vir. Dispensando empregados, revendo previsão orçamentária, contratos etc. Melhorias nem pensar…Imagina os setores produtivos. Nesse Poseidon consideremos todos ao fundo do mar. “L”.

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