Editorial Gazeta do Povo
O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, que defende a meta de déficit zero, e o presidente Lula
Na reunião encerrada em 1.º de novembro, o Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central (BC) cortou 0,5 ponto porcentual na taxa básica de juros, a Selic, trazendo-a para 12,25% ao ano. A Selic é a taxa de juros incidente sobre os títulos públicos emitidos pelo Tesouro Nacional. Quando a Selic muda, ela passa a incidir sobre a parte da dívida pública representada por títulos com taxa de juros pós-fixada, ou seja, os títulos emitidos pelo Tesouro Nacional que pagam juros anuais em porcentual igual à taxa Selic vigente; quando esta é alterada, altera-se a taxa de remuneração dos referidos títulos.
Embora a parte da dívida pública sobre a qual o governo paga a taxa Selic pós-fixada represente pouco mais de um terço da dívida pública total, a dívida pública interna e externa é grande o suficiente para influenciar as taxas de juros vigentes nas operações financeiras – principalmente aplicações financeiras e empréstimos bancários –, feitas entre as instituições financeiras, de um lado, e pessoas, empresas e governo, de outro lado. Quando varia a Selic, para mais ou para menos, a expectativa é que em prazo relativamente curto mudem as taxas de juros cobradas pelos bancos nos empréstimos concedidos ao setor privado para investimento, capital de giro das empresas e consumo das pessoas.
Quando a taxa Selic é aumentada em função do descontrole nas contas fiscais do governo e aumento do déficit público, aumenta a tomada de empréstimos pelo governo via venda de títulos públicos para cobrir suas necessidades. Como o volume de recursos financeiros existentes no sistema bancário é limitado ao tamanho da economia nacional, ao direcionar mais crédito para financiar o governo, diminuem os fundos disponíveis nos bancos para empréstimos ao setor privado; logo, a taxa de juros nas operações de empréstimos para pessoas e empresas aumenta, induzida por duas causas: a redução dos recursos disponíveis ao setor privado e a elevação da Selic.
Por óbvio, a estratégia dos bancos é direcionar seus empréstimos para as operações que pagam taxas de juros mais altas e apresentem menor risco. Assim, os déficits públicos e o crescimento da dívida pública para financiar tais déficits afetam de forma direta as pessoas físicas e todas as pessoas jurídicas que fazem operações de empréstimos. O prejuízo causado à sociedade privada inteira por conta de déficits do governo, do aumento da dívida e do aumento da taxa de juros vem de duas formas: uma, por reduzir os fundos de crédito disponíveis ao setor privado; outra, pelo aumento da taxa de juros nos empréstimos a esse mesmo setor privado.
Desde a campanha eleitoral, Lula repetia declarações contra qualquer teto de gastos públicos – tanto que o governo propôs e conseguiu a revogação da lei que limitava quanto o governo podia gastar. Agora, Lula volta à cena dizendo que o governo não vai nem se esforçar para cumprir a meta fiscal prevista para 2024, com o velho e errado argumento de que não faz sentido o governo reduzir gastos enquanto houver pobres no país, como também não faz sentido o governo reduzir investimento para cumprir a meta fiscal. O fato é que substancial parte da elevação dos gastos vem da quase duplicação do número de ministérios com suas estruturas de pessoal, infraestrutura física e gastos administrativos; do inchaço da máquina estatal; da criação e manutenção de programas que nem de longe favorecem a classe pobre; e da velha e conhecida nomeação de milhares de assessores e funcionários.
Segundo Lula, o mercado às vezes é “ganancioso” ao querer que o governo cumpra uma meta que ele (o mercado) sabe que não será cumprida. Primeiro, não há sentido em relacionar a expectativa do mercado sobre o cumprimento de uma meta que o próprio governo estabeleceu com a pecha de ganancioso que Lula atribuiu ao mercado. O que talvez Lula ignore é que o mercado – entendendo como tal as pessoas, as empresas, o mundo produtivo e os trabalhadores, todos com suas rendas, receitas, despesas, negócios e as atividades econômicas em geral – depende de fazer contas, calcular custos, elaborar orçamentos, fixar produção e preços, e administrar com austeridade e eficiência; sem isso, surgem os déficits e o fracasso. E, para fazer tudo isso, o mercado precisa conhecer custos, juros, inflação, salários, impostos e, principalmente, as oscilações da economia e das leis.
A segunda questão é que talvez Lula não tenha se informado a respeito das alterações no mercado e nas variáveis citadas: quando o governo faz déficits, aumenta sua dívida e cobra mais impostos. Basta mencionar os efeitos do aumento dos juros – que ocorre quando o governo não cumpre nem mesmo suas próprias metas – sobre os custos e resultados dos agentes de mercado, o que inclui trabalhadores, empresas e organizações em geral. A rigor não é necessária nenhuma elaboração complexa para entender que descontrole fiscal, aumento de déficit público e aumento de dívida terminam sempre em aumento dos juros, e que isso é suficiente para prejudicar a todos, inclusive aqueles que o governo diz que o déficit público ajuda a favorecer.
Por fim, não satisfeito em provocar elevação da taxa de juros em função de sua sanha deficitária, o governo adiciona outro ônus prejudicial à sociedade e ao “mercado”: as declarações constantes do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, seguidas de várias medidas praticadas no sentido de aumentar impostos. Em um país cuja carga tributária nominal supera os 43% do Produto Interno Bruto (PIB) e a carga efetivamente arrecadada gira em torno de 34% do PIB, falar em não cumprir metas fiscais e aumentar tributos é jogar a economia para baixo, provocar fuga de capitais e desestimular investimentos e negócios. E, quando isso acontecer, os causadores da retração econômica serão os mesmos que voltarão a culpar o mercado, as empresas e os homens de negócios.
E quando for atingida a gente dobra a meta!