JOSÉ RAMOS - ENXUGANDOGELO

O circo “armado” para a estreia

Havia apenas aquela área livre em bom tamanho, no bairro. Foi aproveitado e reconhecido durante anos, como o “campo do Tropical” – e era ali que muitos tinham oportunidade de se iniciarem na prática do futebol amador, a caminho da profissionalização.

O campo do Tropical, era, digamos, a única área física disponível na Bela Vista. E era, também, a maior.

Eventos como, quermesses (que não conseguiam ou não tinham relação com a Igreja do bairro (Matriz de Nossa Senhora da Salete), festas juninas que dependiam de arraiais e outros eventos de maior porte, eram instalados no campo do Tropical.

Os jovens não aprovavam, pois, sua melhor diversão perdia o espaço por tempo indeterminado. Mas, eram obrigados a aceitar, e, em família ou com namoradas acabavam frequentando as diversões, fossem elas quais fossem.

Eis que, uma semana após o clássico futebolístico do bairro, cerca de quatro a cinco caminhões do tipo baú encostaram e estacionaram no campo do Tropical. Os passageiros começaram a descer e “vistoriar” a área, como se ela lhes pertencesse.

De um carro menor, o motorista desceu e falou:

– É aqui!

Em dois dias o Circo Itaguará estava “montado” e apto para os espetáculos circenses. Enquanto isso, os jovens do bairro ficavam privados do seu melhor e mais propício lazer: o futebol.

No primeiro fim de semana – sexta-feira, sábado e domingo – o circo estreou. Animais selvagens (um elefante que parecia mais velho que o próprio continente africano; um leão que demonstrava ser bisavô do “Rei Leão”; alguns macacos e vários trapezistas em evoluções que chamavam a atenção da plateia.

Chegara o momento mais esperado: o palhaço e suas palhaçadas, algumas muito conhecidas, mas que só tinham sido vistas pela plateia nos filmes exibidos nos cinemas.

De repente, o silêncio tomou conta da plateia. As luzes foram apagadas e aquele clima nostálgico se fez presente. Debaixo do único facho de luz que havia sob aquela empanada circense, o palhaço pediu a atenção da plateia para um pronunciamento.

– Senhoras, e, senhores muito boa noite. Peço sua atenção para minha pequena fala.

Chegamos aqui no começo da semana. Trabalhamos com afinco e sacrificamos nosso descanso para que tivéssemos a oportunidade de lhes oferecer a estreia nesta noite de sexta-feira. Conseguimos. Estamos plenamente satisfeitos com o público presente, nosso combustível para a vida e a diversão. Mas, infelizmente, amanhã iniciaremos a desmontagem da nossa vida que pretendia oferecer a todos uma diversão sadia e profissional. Partiremos, provavelmente no domingo. Muito obrigado pelo comparecimento que só nos incentiva e dignifica.

Incrédulo, o público presente se manifestou em uníssono:

– Ooohhhhh!

O palhaço triste com a partida

O palhaço, agradecido, voltou a falar: “mas, hoje, o espetáculo continua. Procuraremos fazer o nosso melhor para retribuir a atenção que nos foi dada”.

As luzes foram acesas, o elefante velho voltou ao picadeiro e fez as maiores e melhores estripulias que um animal domesticado poderia fazer. Parecia ter ouvido e sido atingido pelo discurso de despedida do palhaço.

Trapezistas evoluíram. Macacos divertiam. Aquilo não parecia uma despedida. Mas, infelizmente, era.

Fim do espetáculo.

O público entristecido deixava as cadeiras e as arquibancadas. No portão que fora entrada, e agora saída, um palhaço-mirim em lágrimas, entregava uma rosa a cada espectador, ao tempo que murmurava:

– Muito obrigado!

Palhaço-mirim

Na tarde daquele domingo da mesma semana, o campo do Tropical virava local de diversão para o clássico Tropical x Avante.

Foi quando o jogador “Acarape”, com voz e sentimento filosofal, garantia:

– “Aqui, a alegria só acaba quando termina”.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *