O circo “armado” para a estreia
Havia apenas aquela área livre em bom tamanho, no bairro. Foi aproveitado e reconhecido durante anos, como o “campo do Tropical” – e era ali que muitos tinham oportunidade de se iniciarem na prática do futebol amador, a caminho da profissionalização.
O campo do Tropical, era, digamos, a única área física disponível na Bela Vista. E era, também, a maior.
Eventos como, quermesses (que não conseguiam ou não tinham relação com a Igreja do bairro (Matriz de Nossa Senhora da Salete), festas juninas que dependiam de arraiais e outros eventos de maior porte, eram instalados no campo do Tropical.
Os jovens não aprovavam, pois, sua melhor diversão perdia o espaço por tempo indeterminado. Mas, eram obrigados a aceitar, e, em família ou com namoradas acabavam frequentando as diversões, fossem elas quais fossem.
Eis que, uma semana após o clássico futebolístico do bairro, cerca de quatro a cinco caminhões do tipo baú encostaram e estacionaram no campo do Tropical. Os passageiros começaram a descer e “vistoriar” a área, como se ela lhes pertencesse.
De um carro menor, o motorista desceu e falou:
– É aqui!
Em dois dias o Circo Itaguará estava “montado” e apto para os espetáculos circenses. Enquanto isso, os jovens do bairro ficavam privados do seu melhor e mais propício lazer: o futebol.
No primeiro fim de semana – sexta-feira, sábado e domingo – o circo estreou. Animais selvagens (um elefante que parecia mais velho que o próprio continente africano; um leão que demonstrava ser bisavô do “Rei Leão”; alguns macacos e vários trapezistas em evoluções que chamavam a atenção da plateia.
Chegara o momento mais esperado: o palhaço e suas palhaçadas, algumas muito conhecidas, mas que só tinham sido vistas pela plateia nos filmes exibidos nos cinemas.
De repente, o silêncio tomou conta da plateia. As luzes foram apagadas e aquele clima nostálgico se fez presente. Debaixo do único facho de luz que havia sob aquela empanada circense, o palhaço pediu a atenção da plateia para um pronunciamento.
– Senhoras, e, senhores muito boa noite. Peço sua atenção para minha pequena fala.
Chegamos aqui no começo da semana. Trabalhamos com afinco e sacrificamos nosso descanso para que tivéssemos a oportunidade de lhes oferecer a estreia nesta noite de sexta-feira. Conseguimos. Estamos plenamente satisfeitos com o público presente, nosso combustível para a vida e a diversão. Mas, infelizmente, amanhã iniciaremos a desmontagem da nossa vida que pretendia oferecer a todos uma diversão sadia e profissional. Partiremos, provavelmente no domingo. Muito obrigado pelo comparecimento que só nos incentiva e dignifica.
Incrédulo, o público presente se manifestou em uníssono:
– Ooohhhhh!
O palhaço triste com a partida
O palhaço, agradecido, voltou a falar: “mas, hoje, o espetáculo continua. Procuraremos fazer o nosso melhor para retribuir a atenção que nos foi dada”.
As luzes foram acesas, o elefante velho voltou ao picadeiro e fez as maiores e melhores estripulias que um animal domesticado poderia fazer. Parecia ter ouvido e sido atingido pelo discurso de despedida do palhaço.
Trapezistas evoluíram. Macacos divertiam. Aquilo não parecia uma despedida. Mas, infelizmente, era.
Fim do espetáculo.
O público entristecido deixava as cadeiras e as arquibancadas. No portão que fora entrada, e agora saída, um palhaço-mirim em lágrimas, entregava uma rosa a cada espectador, ao tempo que murmurava:
– Muito obrigado!
Palhaço-mirim
Na tarde daquele domingo da mesma semana, o campo do Tropical virava local de diversão para o clássico Tropical x Avante.
Foi quando o jogador “Acarape”, com voz e sentimento filosofal, garantia:
– “Aqui, a alegria só acaba quando termina”.