DALINHA CATUNDA - EU ACHO É POUCO!

Capa de Roberto Braga

Eu vou contar uma história
Daquelas de antigamente
Que ouvi quando criança
E guardei na minha mente
Foi Tia Isa quem contou
E eu agora aqui estou
Passando a história a frente.

Sempre à boquinha da noite
Com cadeiras na calçada
Sentava-se minha tia
No meio da criançada
Que ouvia com atenção
Detalhes da contação
De cada história narrada.

Foi assim que me criei
E abraço essa tradição
Um ponto vou aumentando
No transcorrer da oração
Sem esquecer a magia
Das histórias de titia
Nas calçadas do sertão.

Pra não quebrar a magia
Desse jeito de contar
Vou imitar minha tia
No modo de iniciar
Descrever como ela fez
Repetindo: ERA UMA VEZ
Para a história começar.

Era uma vez uma mãe
Que bem moça enviuvou
Tinha somente um filhinho
Dele muito bem cuidou
Era a razão da sua vida
Para a criança querida
Carinho nunca faltou.

Um bom menino ele era
Sempre muito obediente
Auxiliava sua mãe
Não fugia do batente
Viviam em harmonia
Um do outro companhia
O que a deixava contente.

O tempo foi se passando
O bom menino cresceu
Seu mundo ficou maior
A mãe logo percebeu
E assim viviam em paz
Pois tornou-se um bom rapaz
O filho que Deus lhe deu.

Quando o filho já rapaz
Começou a namorar
Tirou da mãe o sossego
Por ela não aceitar
Mais uma mulher na vida
Da criança tão querida
Do seu menino exemplar.

E cada vez que o mancebo
Um namoro iniciava
A velha toda manhosa
Uma doença inventava
Ele muito preocupado
Não saía do seu lado
E sem namorar ficava.

Era um moço inteligente
Mas tinha uma mãe sagaz
Uma mulher egoísta
Que de tudo era capaz
Para o filho não perder
De tudo iria fazer
E roubou do moço a paz.

Para não aborrecer
Nem a mãe contrariar
Só namorava escondido
Coisa séria nem pensar
Mas quando chega a paixão
Quem fala é o coração
E ninguém pode empatar.

Com o filho da viúva
Foi isso que aconteceu
Um dia numa quermesse
Uma jovem conheceu
Passaram a namorar
A mãe quis atrapalhar
Mas resultado não deu.

Era moça bem-criada,
Donzela muito bonita
E tinha nome de Santa
Essa meiga senhorita
Foi batizada e crismada
Pelo pai foi registrada
A bela Maria Rita.

A viúva a contragosto
A donzela recebia
Porém não se conformava
Com tudo que acontecia
E até fez um juramento
Acabo esse casamento
Não vai demorar dizia.

Tratava a futura nora
Com desdém, com insolência
Maria Rita humilhada
Fez promessa e penitência
O casório aconteceu
Maria Rita venceu
Usando de paciência.

A velha engoliu o choro
Porém a vingança armava
Na sua cabeça insana
Dia a dia arquitetava
Um plano muito cruel
Com gosto amargo de fel
Com sua astúcia contava

O filho mesmo casado
Perto da mãe foi morar
Apesar dos contratempos
Não iria abandonar
A sua mãe tão querida
Mulher que lhe deu a vida
E que não deixou de amar.

O seu trabalho era ingrato
Viajava o tempo inteiro
Pois comprava e revendia
Couro pra fazer dinheiro
Deixava a mulher sozinha
Tendo a mãe como vizinha
Sempre ficava cabreiro.

Sempre que a sogra podia
Da nora falava mal.
Mas o marido dizia:
– Meu amor é especial!
– Pode ser que sim ou não,
Vamos ver quem tem razão.
Quem está certo afinal.

– Minha mulher é honesta
E tem um bom coração.
– Você acredita nisso?
– Porém eu não creio, não!
– E se você não me aprova
– Faça com ela uma prova
Vai ver que tenho razão.

– Arquitete uma viagem
– Porém volte do caminho
– De noite você vai ver
– O que sucede em seu ninho.
O rapaz mudou de cor
Seu olhar era de dor
Não queria ser mesquinho.

Entretanto resolveu
Fazer o que a mãe queria
Pois viver cheio de dúvidas
Ele não conseguiria
O ciúme lhe encharcava
Mas ao mesmo tempo achava
Que a mulher não merecia.

Arrumou a sua viagem
Como em outras vezes fez
E beijou a sua amada
Meio sem jeito, na tez
Pediu pra nossa Senhora
Proteção naquela hora
Pra não se perder de vez.

Com o coração partido
Ele deixava seu lar
Sem saber o que seria
Dele quando regressar
Pela fresta da janela
A sua mãe de sentinela
Confiante a vigiar.

A viúva nem pensou
Que Deus é onipotente,
Se o cão, atenta d’um lado,
Deus do outro está presente
Vestiu-se para sair
E seu plano concluir
De maneira inconsequente.

Não demorou muito tempo
Um homem apareceu
De terno e usando chapéu
E em sua porta bateu
O moço ficou gelado
Completamente abalado
E a tragédia aconteceu.

Correu pra cima do homem
Com uma arma na mão
Descarregou a pistola
Tinha perdido a razão
O homem caiu de bruços
Gritava o moço em soluços
Não aceito traição.

Irado arrombou a porta
E a mulher puxou sem tino
Arrastou pelos cabelos
Em completo desatino
Venha ver o seu amante
Que eu matei nesse instante
Você me fez assassino.

A mulher sem entender
Apavorada gritava:
– Eu nunca tive um amante!
Mas ele não escutava
E seguia enlouquecido
Pra porta onde o falecido
Ensanguentado estava.

Quando chegaram a porta
Ele soltou a consorte
Desvirou o traidor
Que não escapou da morte
De susto ele desmaiou
Porque não acreditou
Na sua falta de sorte.

Pois naquela cena atroz
O corpo inerte no chão
De terno e com um chapéu
Lhe causava comoção
Era sua mãe querida
Mulher que lhe deu a vida
Caiu na própria armação

A pobre Maria Rita
Resolveu naquela hora
Abandonar o marido
Que o seu perdão implora
Mas ela com os seus ais
Voltou pra casa dos pais
Para sempre foi embora.

2 pensou em “O CASTIGO DA SOGRA MALVADA

    • Olá Flávio Feronato, boa tarde!
      Fui menina do interior ouvindo histórias, versos e adivinhações em alpendres e calçadas na boquinha da noite. Ainda sinto saudades das cadeiras nas calçadas e da passagem do Aracati, vento que chegava para nos refrescar.
      Quanto a história, eu briguei muito comigo, querendo um final feliz para concluir o cordel, mas acabei sendo fiel ao velho e trágico conto, relíquia da oralidade.
      Obrigada pelo comentário.

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