Roberto Motta
A partir do momento em que o Brasil abandonou sua Constituição original (de 1824) e a substituiu por outra (em 1891) quebrou-se o cálice. Foi aberto um precedente. Todas as constituições brasileiras serão sempre temporárias. Elas sempre poderão ser – e inevitavelmente serão – substituídas por outra Constituição.
Como as constituições brasileiras são escritas segundo a paixão do momento e obedecendo às pressões das forças temporariamente dominantes, elas se mostram inadequadas assim que mudam as paixões e a política. As constituições brasileiras têm prazo de validade curto.
Não sei como será a próxima Constituição do Brasil, e nem quando ela será escrita. Mas não tenho dúvida de que haverá uma próxima Constituição – sempre haverá uma próxima. Também não tenho dúvida de que a próxima Constituição brasileira será ainda mais extensa, detalhada e tão inadequada quanto a Constituição atual.
Por que tenho certeza disso? Ora, porque as próximas constituições brasileiras serão escritas pelos políticos brasileiros. Não há nenhuma razão para supor que esses políticos mudarão sua forma de pensar ou de agir. Mesmo as melhores constituições – como a Constituição Americana de 1789, a única que aquela nação teve até hoje – são tão boas quanto a capacidade que políticos, juristas e cidadãos têm de respeitar o espírito que as criou. Essa é a grande diferença dos Estados Unidos para outros países como o Brasil.
Há dois aspectos a serem considerados. O primeiro é a qualidade do texto constitucional. A Constituição Americana de 1789 incorpora o pensamento das mentes mais brilhantes de sua época. A Constituição Brasileira de 1988 incorpora a ignorância e o preconceito de uma ideologia que ruiria no ano seguinte junto com o Muro de Berlim. Roberto Campos descreveu a Constituição Brasileira como “uma mistura de um dicionário de utopias com a regulamentação minuciosa do efêmero”. A Constituição dos Estados Unidos foi escrita em quatro páginas de pergaminho. Ela usa 4.500 palavras para descrever 7 artigos e 27 emendas. A Constituição Brasileira tem mais de 250 páginas e precisa de 64.000 palavras para seus 250 artigos e mais de 130 emendas.
O segundo aspecto a ser considerado é a capacidade – ou a vontade – dos juristas estatais de interpretar corretamente o texto constitucional. A Constituição é uma espécie de partitura. Ela comporta algumas interpretações diferentes, mas com limites. Não se trata de uma música que pode ser tocada como samba, como rock ou como jazz ao gosto do freguês. Mas é isso que propõe o neoconstitucionalismo. Magistrados modernos abandonam o texto constitucional em nome da realização da justiça social. É essa a visão que predomina por aqui. Esquece o texto constitucional e faz o que seu coração – ou bolso – mandar.
Apesar do grande número de constituições e do fato de que, na maior parte do tempo, os preceitos constitucionais significaram muito pouco, o Brasil tem fetiche pela Constituição. É mais ou menos como um homem que já teve muitas esposas e amantes ser defensor intransigente da santidade do matrimônio.
O Brasil tem excesso de políticos e juristas que enchem a boca para louvar a Constituição, ao mesmo tempo em que a ignoram ou produzem interpretações absurdas para justificar ilegalidades ou arbitrariedades. Olhando o Brasil de hoje é inevitável a conclusão: quem já teve muitas Constituições não tem nenhuma.