A infância de qualquer um de nós, seja homem ou mulher, mas que, se não foi embora para Pasárgada, um dia foi menino ou menina. Não havia a idiotice usual dos dias de hoje, de menino ou menina “trans”. Tenha alguém hoje 50, 60, 80 ou mais de 100 anos, com certeza a melhor fase da vida foi entre os 3 e 12 anos.
Eu costumo chamar de a “fase do absolutismo”, que sempre tivemos razão em tudo, ou, no mínimo, nossos pais nos davam. Se os pais não dessem, os avós davam.
E, por que, “fase do absolutismo”?
Porque tudo ou quase tudo é relevado. Perdoado. Entendido e carregado da frase: “coisas de criança”.
É, ou era habitual – pelo menos no Nordeste, ou, particularmente em Fortaleza, o “café da tarde”. Sempre entre as 15 ou 16 horas.
O menino sempre era o encarregado de ir até a bodega comprar o pão. Pão quentinho, que nunca estava quente. Pão d´água (como chamamos no Ceará), que é o mesmo pão francês, que é conhecido no Maranhão como “pão massa grossa”. Se o pão d´água ainda não tivesse chegado na bodega, ou tivesse chegado e tivesse sido todo vendido, podia comprar o “pão sovado” que, no Maranhão é chamado de “pão massa fina”!
Pão d´água ou pão francês ou pão massa grossa
Acompanhava a compra do pão para o café da tarde, “mil réis de manteiga”, de qualquer marca, que o bodegueiro tirava de uma lata grande com uma espátula de madeira, e colocava num pedaço de papel de embrulho – aquilo evitava que o menino demorasse no percurso entre a bodega e a casa. Caso contrário, a manteiga derretia e o puxão de orelha era garantido. E, quem levava o puxão na orelha, nunca ficou “deprimido”, como ficam os “afrescalhados” de hoje.
Pão sovado ou massa fina
Mas, o aparentemente inexplicável sempre acontecia. E acontecia durante o percurso entre a bodega e a casa do menino: o bico do pão era subtraído e comido. Por que o “bico”?
Além da garantia do sermão e do puxão na orelha, a ameaça da mãe, que iria até a bodega reclamar que o bodegueiro estava vendendo pão sem bico. A gente tremia de medo e acabava assumindo que comera o bico. Repito a pergunta: por que o bico?
A lata grande de onde o bodegueiro retirava a manteiga
Minha mãe, sem graduação universitária ou doutorado, dava “quinau” em muitos gênios, principalmente nas atividades domésticas. Além de ser, também, excelente bordadeira, profissão que “empreendia” para aumentar a renda e garantir as despesas da casa.
Pois, na hora de cortar o pão para servir aos filhos, ela nunca cortava na vertical. O corte era feito “atravessado”, de forma que parecesse maior cada pedaço – e, só então, ela mesma passava a manteiga, para garantir que a porção comprada atenderia a todos.
E era aí que aconteciam as reclamações:
– Por que, o pedaço dele é maior que o meu? Perguntava um filho.
– Por que eu quero! Respondia a mãe.
– Pois no pedaço dele, a senhora passou mais manteiga que no meu! Continuava reclamando o mesmo filho que fora comprar o pão na bodega.
Toda tarde eram comprados três pães grandes, hoje chamados de bisnaga. Um pão seria comido no café da tarde e os dois eram servidos no jantar, acompanhando a sopa, invariavelmente de feijão.
Vida de pobre, caminho para jamais subtrair algo de alguém ou virar petista.
A deliciosa bolachinha “Roma”
Quando a casa recebia alguma visita, o café da tarde, além do pão d´água e da manteiga “real”, tinha o acréscimo da sensacional bolachinha “Roma”, uma maravilha nordestina que as atuais gerações não tiveram o prazer de conhecer.
Ô, Zé!
Outra vez me transportando ao passado gostoso de ser lembrado.
Antigamente era o café das 16:00h e, especialmente de vez em quando, às 17:30h, a sopa servida para as amigas de mamãe (do tempo de solteira), as irmãs Desidéria, Maria e Raquel, as irmãs Tavá e Eugênia, mais a professora aposentada D. Raimundinha. Depois que vieram residir na rua, por trás da nossa casa, as irmãs Haydèe e Candoca entraram no clube. Ainda se somava ao grupo a minha Tia Santa. Todas solteironas.
Todas apenas nesse campo santo da minha saudade mais querida. Eu era literalmente babado por elas! Ah, quanta saudade!
Ainda lá “em papai” o café da tarde existe até hoje! Para os de casa e vizinhos mais próximos. É uma tradição em nossa mesa.
Há dias de se contar na sala mais de dez pessoas. Uma festa!
Nem o Alzheimer de Papai o tira dessa farra.
Jesus, Nordeste é Nordeste e é onde nascer, viver e morrer tem suas vantagens. Os políticos (maus) é empanam o brilho dessa região tão gostosa. As tardes lembradas, jamais serão substituídas nas nossas lembranças e saudades. No máximo, serão acrescentados os beijus, os cuscuz(es) que também não são tão modernos, tampouco sulistas.
Que lembrança maravilhosa, estou sentindo o cheiro do Pão. Zé Ramos sempre trazendo boas lembranças da infância.
Valter, se souberes, explique “por quê, o bico do pão”?! Volte sempre meu caro amigo.
Eu me vi nesse maravilhoso texto, Zé. Uma máquina do tempo me transportou imediatamente para os anos 70 e depois, fiz uma visita aos anos 80. Era exatamente isso o que eu vivi, quando estava de férias, na casa dos meus avós. Obrigado, por essa postagem. Resgatou lembranças há tempos, adormecidas.
Maurino, fico grato e embevecido pela presença e pelo comentário generoso. Relembrar coisas boas, é mais que reviver. É, como dizia minha Avó, aguar a planta dos bons frutos.
Passou um filme de lembranças vividas na minha mente. Boa, Zé Ramos.
Beni, muito obrigado, velho amigo. Deus nos cubra com seu manto e nos permita, sempre, ter saúde para reviver as boas lembranças.
Lembranças boas e sadias, sem os infortúnios petralhas!
Valeram as recordações, Zé! Lembranças de infância é trazer o paipai e a mame ao coração!
E os costumes.
Cícero, melhor ainda, quando são boas lembranças. Deus continue nos abençoando, permitindo que tenhamos saúde para relembrar o que é bom e foi bem vivido.
Zérramos costuma chamar de a “fase do absolutismo”, por sempre ter razão em tudo, ou, no mínimo, os pais dele davam. Se os pais não dessem, os avós davam.
Pois costumo chamar de DURÍSSIMA FASE DO CASCUDISMO, pois meu irmão (5 anos mais velho – e isso faz uma puta diferença entre os pirralhos em quem manda na bagaça ou em quem bate e quem apanha) apoderou-se da razão e os cascudos que me dava isso comprovavam. kkkkkk
Ao caçulinha Sancho restava o direito de não ter direitos e não abusar do direito de ser um sem direitos, por óbvio entre um cascudo e outro. kkkkk
Cansado de não ter direitos (a raiva juvenil se acumulando a cada cascudo um dia iria fazer estragos), um dia acabei com a diferença que me era sempre desfavorável. Um arremesso da tesoura de costura pego na mesa da mãe Catharina que como pombo sem asas,, vou longe e se cravou na perna do maninho. O gesto impensado fez a balança pela primeira vez na vida se equilibrar. Cascudos não mais. Cicatriz na perna é a doce recordação e hoje os dois velhos são amicíssimos
Valeram as recordações, Zé! Um zilhão de arre-éguas pra ti neste domingo ensolarado aqui no Chuveste Brasileiro.
Sancho, quando não tinha mais o pão d´água, era comprado o pão sovado. Como não estamos mais no tempo dos cascudos, uma porrada de tabefes substituía. Reforçado por uma boa surra de cordas de sisal que a Santa Mãe acrescentava ao sermão: vocês são irmãos, suas pestes. Zilhões de zilhão de arre-éguas nesse domingo ensolarado que também chega aqui – e alimenta o coração.
Incomparável José Ramos,
leio todas as suas monumentais recordações as quais me abatem…
de muitas saudades; somos contemporâneos.
Eu tinha esse encargo diário de ir, pelas 15 horas, comprar ‘o pão’.
Eram dois, e no percurso da padaria para casa sumiam 4 bicos…
invariavelmente.
Que o Senhor, nosso Boníssimo Deus, o abençoe para continuar
derramando para nós tão magníficas reminiscências.
A. Luís, agradecido pela contemporaneidade – somos felizes porque continuamos a sê-lo. Me causa espécie, ainda, o “sumiço dos bicos” dos pães! Que segredo é esse?
ZÉ, fugindo do assunto, mas como você ÁRBITRO DE FUTEBOL É, que tal analisar o lance do penal pró FLA, para quem torce o Beni, ontem….
Uma vez Flamengo, sempre VARmengo… A infantilidade do jogador do Criciúma chutando a segunda bola (arremessada para o campo por torcedor do Flamengo) que estava próxima ao lance, interferindo completamente no jogo; era obrigação do assoprador de apitos ter parado muito antes a jogada ou que a retiressem do gramado (ou no mínimo que fosse advertido sobre as duas bolas pela equipe de arbitragem incluído aí VAR presente no estádio).
Mas isso é pauta para “especialistas” e o Sancho é apenas um ‘mané’ torcedor do Vasco, o que, como o lance envolve o Xerim, me tira a imparcialidade necessária para análise isenta do lance (no mínimo muito polêmico).
Abração, Zé!!!!!
Sancho, atendo sua curiosidade de torcedor. Sem VAR, quando era “estava Árbitro” e em campo, sempre obedeci à regra. Aconteceu sim, a primeira penalidade, se o lance não tivesse tido a anormalidade das duas bolas no campo. Com uma única bola, seria pênalti, sim. Mas, com as duas bolas, a primeira providência do Árbitro deveria ter sido “parar o jogo”. Como deveria ter agido, se por acaso o torcedor tivesse invadido o campo e atrapalhado a jogada. A bola não é elemento estranho ao jogo. Mas, duas bolas não jogam. Só uma. A regra manda que, em qualquer anormalidade que provoque dúvida, a decisão deve ser em benefício de “quem se defende” – no caso, a defesa do Criciúma. Agora, no campo da maldade das providências, como o goleiro do Criciúma defendeu a primeira penalidade, lógico que, com o jogo se aproximando do fim (e o placar desfavorável – o empate seria desfavorável ao VARmengo), algo tinha que ser feito. E foi! E, incrivelmente, aos 49 minutos, com 4 de acréscimos. E os babacas dizem que John Textor tem que ser banido. É, no mínimo, a mesma coisa que aconteceu com Sérgio Moro e com Deltan Dalagnol.
E os babacas dizem que John Textor tem que ser banido. É, no mínimo, a mesma coisa que aconteceu com…
Melhor é impossível: melhor análise do lance não li em lugar algum e ainda na base do MELHOR É IMPOSSÍVEL, sempre acontece com aquele que se veste em rubro-negro (por certo mera coincidência)… Ah, se minhas bolas falassem… kkkkkkk
Escreveu quem SABE!!!! Valeu, Zé, boleiro dos bons e apitador entre os ótimos….
Sancho: “Ex”! Que os ventos consigam movimentar os moinhos! Arre-égua!
Neste negócio de duas bolas, eu prefiro ficar de fora, rsrsrs. Mas, realmente, a arbitragem foi desastrosa….. para o Criciuma. Vergonhoso.
Beni, o Árbitro de campo apenas apontou a marca da cal. Quem confirmou a penalidade foi o VAR. E VAR…… me compre tantos bodes quantos quiser.
Parabéns pela belíssima postagem, querido Escritor José Ramos!
No passado, as coisas eram mais verdadeiras. A confiança mútua existia e ninguém se escondia atrás de máscaras.
Hoje, um estranho é um inimigo em potencial. Está provado!
Adorei seu texto. Esse pão francês com manteiga Primor e essa bolachas mexeram comigo.
A saudade do lanche da tarde, na casa da minha avó materna, Dona Júlia, está doendo em mim. Nessa hora, Seu Francisco e Dona Lia, meu porto seguro, ainda estavam na venda. A nossa casa e a dos meus avós paternos eram vizinhas.
Foi a época mais feliz da minha vida. Um tempo em que a maldade “nem tinha nascido.”
São doces lembranças com gosto de café, pão com manteiga e também bolacha.
Um grande abraço
Violante, não tenho repertório gramatical para agradecer como você merece. Angelicalmente. Vamos tomar o café da tarde? Tá passando da hora!
Corrigindo: Dona Júlia, de Nova-Cruz era minha avó paterna.
Grande abraço!
Avó é Avó em qualquer situação Violante. Minha Avó dizia que, “ser Avó é parir duas vezes – a mãe ou o pai e o neto ou a neta.”
Verdade, amigo José Ramos.
Tudo de bom!
Violante, obrigado e bom domingo.
Prezado, não provei da sensacional bolachinha “Roma” mas na infância, em Fortaleza/CE, comi muito a sensacional bolacha Ceci, da Padaria Duas Nações.
Bom também, né não?
Jairo, a Toma era mais famosa e vendia em muitas bodegas. A Ceci, se a Padaria Duas Nações era aquela que ficava na esquina da Avenida Rio Branco com Castro e Silva, quando adulto eu comprava todo dia para levar pra casa. Isso por que trabalhei alguns anos na Western, que ficava a uns 30 metros da padaria. Mas, a Ceci, só era vendida na Padaria Duas Nações.
Sim, a Padaria Duas Nações era aquela que ficava na esquina da Rua Castro e Silva com a Rua Barão do Rio Branco (não era Avenida Rio Branco).
E a bolacha Ceci só era vendida naquela padaria.