VIOLANTE PIMENTEL - CENAS DO CAMINHO

O Brasil é um dos raros paraísos terrestres. Não tem vulcões, que sepultem os homens em lama fervente, nem invernos rigorosos, que congelem as crianças nas ruas.

As nossas “revoluções” são rápidas e os “revolucionários” não guardam rancor. É verdade que, no correr da luta, as torturas se multiplicam e há pessoas que desaparecem do nada e para sempre. Porém, restabelecida a suposta paz, os mortos são esquecidos e os que sobreviverem, anos depois estarão, novamente, agitando a vida pública do País.

O povo se contenta com pão e circo. E o nosso circo é imenso. Entretanto, a coleção de bichos que o nosso circo possui não é a mais rica do mundo. Pelo contrário, fica muito a dever à Arca de Noé. Não temos girafa nem leão. O nosso pavilhão verde-amarelo é rico em florestas e minério. Mas as florestas não possuem sortimento de animais.

Nem todos compreendem o que quer dizer um rapaz magro, escaveirado e maltrapilho, quando diz ter passado a semana inteira a “cercar o cavalo e o touro, ao mesmo tempo, pelos quatro lados”. Também quem é de fora não entende o que significa um caboclo descalço dizer que seria capaz de “matar o bicho com duzentos reis.”

Isso se refere ao jogo do bicho, já incorporado à cultura popular, com seus causos hilários.

Ainda há o caso do “bicho de pé”, causado por um parasita denominado “tunga penetrans”, oriundo do hábito de se andar descalço. E há o caso do rapaz de pés tortos, decorrente da infestação de “bichos de pé”.

O Brasil, portanto, é também a terra do bicho. Tem bicho de toda espécie. Mas os nossos “bichos” são genuinamente brasileiros. Não vieram da África, como os bichos dos grandes circos estrangeiros. As nossas florestas são pobres. Aqui, por muito favor, se conseguirá encontrar onça, jacaré, macaco e tamanduá. Os dois últimos, no momento, são protegidos pelas imunidades parlamentares.

O nosso macaco é de pequeno porte, mas muito hábil. Para trabalhar no trapézio do circo, não há bicho melhor. Pula de galho em galho, com uma facilidade admirável.

Quanto ao tamanduá, é um bicho inteligente e ardiloso. Quando vê o caçador, põe-se de pé, escancara os braços, tal qual político em época.de campanha, e marcha para ele como se fosse o mais leal dos amigos. Assim que o cinge mete-lhe as unhas nas costas, e não abandona o caçador, até que ele morra.

O tamanduá, por excelência, é considerado o animal político da nossa fauna. Seu comportamento traiçoeiro e falso é típico dos políticos profissionais. E ainda há caçadores que confiam nele!…

Nós temos, também, por aqui, um bicho muito agradável. É a Guariba, espécie de macaco “bugio”, lembrada na música Sebastiana, de Jackson do pandeiro.

O macaco Guariba é o orador parlamentar da floresta. Ronca que é uma beleza, mas não diz nada. De longe, amedronta o homem. De perto, faz rir quem o vê, na sua tribuna, trepado num pau.

Com exceção desses bichos citados, não se encontram em nosso País, outros animais interessantes, que enriqueçam a nossa fauna. Saguis, preás, mocós, quatis, cotias e tatus não fazem nada de engraçado e bonito. Trocar um tigre por um cachorro do mato, não interessa a ninguém. Trocar uma foca por uma Ariranha, também não interessa. Muito menos, trocar um hipopótamo por um macaco-prego.

Dizem que tem bom coração, aquele que protege os animais. E os animais, quando bem tratados, criam verdadeira veneração religiosa pelo dono.

Conta-se que um dono de circo internacional percorreu durante vinte anos os continentes, levando com ele dois patos vivos, que recebera de presente para comer. Os patos morreram de velhos. Dotado de bons sentimentos, esse homem terminou morando no Brasil.

A Guariba tem corpo forte e cauda longa. Sua característica mais marcante é o som emitido pelos machos, que pode ser escutado a longas distâncias.

A vocalização destes animais varia, conforme a informação que deseja ser passada. O filhote emite sons curtos e prolongados, enquanto os sons emitidos pelos jovens e fêmeas são entrecortados e graves. Podem indicar que está na hora de andar, alimentar-se, ficar em alerta ou chamar a fêmea para o acasalamento. Os sons emitidos podem se assemelhar a gritos, latidos e rugidos.

Relembrando Jackson do Pandeiro:

Convidei a comadre Sebastiana
Pra dançar e xaxar na Paraíba
Ela veio com uma dança diferente
E pulava que só uma guariba
Ela veio com uma dança diferente
E pulava que só uma guariba
E gritava: A, E, I, O, U, ipsilone”

3 pensou em “NOSSOS BICHOS

  1. Violante,

    Parabéns pela excelente crônica bem-humorada. Veio a minha lembrança uma literatura de cordel, que trata do reino animal, do poeta Antônio Francisco. Compartilho-a com a prezada amiga:

    OS ANIMAIS TÊM RAZÃO
    1
    Quem já passou no sertão
    E viu o solo rachado,
    A caatinga cor de cinza,
    Duvido não ter parado
    Pra ficar olhando o verde
    Do juazeiro copado.
    2
    E sair dali pensando:
    Como pode a natureza
    Num clima tão quente e seco,
    Numa terra indefesa
    Com tanta adversidade
    Criar tamanha beleza.
    3
    O juazeiro, seu moço,
    É pra nós a resistência,
    A força, a garra e a saga,
    O grito de independência
    Do sertanejo que luta
    Na frente da emergência.
    4
    Nos seus galhos se agasalham
    Do periquito ao cancão.
    É hotel do retirante
    Que anda de pé no chão,
    O general da caatinga
    E o vigia do sertão.
    5
    E foi debaixo de um deles
    Que eu vi um porco falando,
    Um cachorro e uma cobra
    E um burro reclamando,
    Um rato e um morcego
    E uma vaca escutando.
    6
    Isso já faz tanto tempo
    Que eu nem me lembro mais
    Se foi pra lá de Fortim,
    Se foi pra cá de Cristais,
    Eu só me lembro direito
    Do que disse os animais.
    7
    Eu vinha de Canindé
    Com sono e muito cansado,
    Quando vi perto da estrada
    Um juazeiro copado.
    Subi, armei minha rede
    E fiquei ali deitado.
    8
    Como a noite estava linda,
    Procurei ver o cruzeiro,
    Mas, cansado como estava,
    Peguei no sono ligeiro.
    Só acordei com uns gritos
    Debaixo do juazeiro.
    9
    Quando eu olhei para baixo
    Eu vi um porco falando,
    Um cachorro e uma cobra
    E um burro reclamando,
    Um rato e um morcego
    E uma vaca escutando.
    10
    O porco dizia assim:
    – “Pelas barbas do capeta!
    Se nós ficarmos parados
    A coisa vai ficar preta…
    Do jeito que o homem vai,
    Vai acabar o planeta.
    11
    Já sujaram os sete mares
    Do Atlântico ao mar Egeu,
    As florestas estão capengas,
    Os rios da cor de breu
    E ainda por cima dizem
    Que o seboso sou eu.
    12
    Os bichos bateram palmas,
    O porco deu com a mão,
    O rato se levantou
    E disse: – “Prestem atenção,
    Eu também já não suporto
    Ser chamado de ladrão.
    13
    O homem, sim, mente e rouba,
    Vende a honra, compra o nome.
    Nós só pegamos a sobra
    Daquilo que ele come
    E somente o necessário
    Pra saciar nossa fome.”
    14
    Palmas, gritos e assovios
    Ecoaram na floresta,
    A vaca se levantou
    E disse franzindo a testa:
    – “Eu convivo com o homem,
    Mas sei que ele não presta.
    15
    É um mal-agradecido,
    Orgulhoso, inconsciente.
    É doido e se faz de cego,
    Não sente o que a gente sente,
    E quando nasce e tomando
    A pulso o leite da gente.
    16
    Entre aplausos e gritos,
    A cobra se levantou,
    Ficou na ponta do rabo
    E disse: – “Também eu sou
    Perseguida pelo homem
    Pra todo canto que vou.
    17
    Pra vocês o homem é ruim,
    Mas pra nós ele é cruel.
    Mata a cobra, tira o couro,
    Come a carne, estoura o fel,
    Descarrega todo o ódio
    Em cima da cascavel.
    18
    É certo, eu tenho veneno,
    Mas nunca fiz um canhão.
    E entre mim e o homem,
    Há uma contradição
    O meu veneno é na presa,
    O dele no coração.
    19
    Entre os venenos do homem,
    O meu se perde na sobra…
    Numa guerra o homem mata
    Centenas numa manobra,
    Inda tem cego que diz:
    Eu tenho medo de cobra.”
    20
    A cobra inda quis falar,
    Mas, de repente, um esturro.
    É que o rato, pulando,
    Pisou no rabo do burro
    E o burro partiu pra cima
    Do rato pra dar-lhe um murro.
    21
    Mas, o morcego notando
    Que ia acabar a paz,
    Pulou na frente do burro
    E disse: – “Calma, rapaz!…
    Baixe a guarda, abra o casco,
    Não faça o que o homem faz.”
    22
    O burro pediu desculpas
    E disse: – “Muito obrigado,
    Me perdoe se fui grosseiro,
    É que eu ando estressado
    De tanto apanhar do homem
    Sem nunca ter revidado.”
    23
    O rato disse: – “Seu burro,
    Você sofre porque quer.
    Tem força por quatro homens,
    Da carroça é o chofer…
    Sabe dar coice e morder,
    Só apanha se quiser.”
    24
    O burro disse: – “Eu sei
    Que sou melhor do que ele.
    Mas se eu morder o homem
    Ou se eu der um coice nele
    É mesmo que estar trocando
    O meu juízo no dele.
    25
    Os bichos todos gritaram:
    – “Burro, burro… muito bem!”
    O burro disse: – “Obrigado,
    Mas aqui ainda tem
    O cachorro e o morcego
    Que querem falar também.”
    26
    O cachorro disse: – “Amigos,
    Todos vocês têm razão…
    O homem é um quase nada
    Rodando na contramão,
    Um quebra-cabeça humano
    Sem prumo e sem direção.
    27
    Eu nunca vou entender
    Por que o homem é assim:
    Se odeiam, fazem guerra
    E tudo o quanto é ruim
    E a vacina da raiva
    Em vez deles, dão em mim.”
    28
    Os bichos bateram palmas
    E gritaram: – “Vá em frente.”
    Mas o cachorro parou,
    Disse: – “Obrigado, gente,
    Mas falta ainda o morcego
    Dizer o que ele sente.”
    29
    O morcego abriu as asas,
    Deu uma grande risada
    E disse: – “Eu sou o único
    Que não posso dizer nada
    Porque o homem pra nós
    Tem sido até camarada.
    30
    Constrói castelos enormes
    Com torre, sino e altar,
    Põe cerâmica e azulejos
    E dão pra gente morar
    E deixam milhares deles
    Nas ruas, sem ter um lar.”
    31
    O morcego bateu asas,
    Se perdeu na escuridão,
    O rato pediu a vez,
    Mas não ouvi nada, não.
    Peguei no sono e perdi
    O fim da reunião.
    32
    Quando o dia amanheceu,
    Eu desci do meu poleiro.
    Procurei os animais,
    Não vi mais nem o roteiro,
    Vi somente umas pegadas
    Debaixo do juazeiro.
    33
    Eu disse olhando as pegadas:
    Se essa reunião
    Tivesse sido por nós,
    Estava coberto o chão
    De piubas de cigarros,
    Guardanapo e papelão.
    34
    Botei a maca nas costas
    E saí cortando o vento.
    Tirei a viagem toda
    Sem tirar do pensamento
    Os sete bichos zombando
    Do nosso comportamento.
    35
    Hoje, quando vejo na rua
    Um rato morto no chão,
    Um burro mulo piado,
    Um homem com um facão
    Agredindo a natureza,
    Eu tenho plena certeza:
    Os animais têm razão.

    Desejo um final de semana pleno de paz, saúde e felicidade

    Aristeu

  2. Obrigada, prezado Aristeu, pelo gratificante comentário e por compartilhar comigo este lindo Cordel “OS ANIMAIS TÊM RAZÃO”, , do poeta Antônio Francisco.
    Gostei imensamente.
    A natureza é sublime, e o reino animal me encanta!

    Um ótimo final de semana, com muita saúde e Paz!

  3. Pingback: NAS ASAS DO CASACA DE COURO | JORNAL DA BESTA FUBANA

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