CORRESPONDÊNCIA RECEBIDA

O FUTEBOL – ARTE DE VOLTA AO BRASIL?

Sou do tempo em que os craques de futebol no Brasil jogavam com o ouro em pó da arte faiscando no bico das chuteiras. Os jogos alcançavam um nível de refinamento tão impressionante que a imprensa costumava dizer que o futebol do Brasil era de outro planeta.

Na Copa de1982, apesar da desclasificação para a Itália, o Brasil, mais uma vez, encantou o mundo.

Depois de mais uma exibição de gala de nossa Seleção, um jornal do exterior deu a seguinte manchete: “O Brasil joga sem despentear o cabelo”.

Esse requinte começa com a “Seleção de Ouro” de 1958, quando nos sagramos campeões do mundo pela primeira vez. O ataque do Brasil era demolidor: Garrincha, Didi, Vavá, Pelé e Zagalo. Lá atrás, o destaque ficava por conta de Djalma Santos, Zito e Nilton Santos. Sem esquecer os méritos do goleiraço Gilmar e dos eficientes zagueiros Orlando e Belini.

Na Copa de 1962 o Brasil repetiu a brilhante campanha de 58, conquistando o bicampeonato. O time era quase o mesmo. Houve apenas três alterações. Belini cedeu o lugar para Mauro,

Zózimo entrou na vaga de Orlando, enquanto Amarildo, de apenas 21 anos, assumiu a grande responsabilidade de substituir Pelé, que sofrera uma grave distensão na virilha, no segundo jogo do Brasil na Copa, contra a então Tchecolosváquia.

O tricampoeonato veio em 1970, com aquela que é considerada a melhor Seleção da história.

A bem da verdade, o futebol do Brasil começou a despertar a atenção do mundo a partir da Copa de 1938, com as jogadas geniais de Leônidas da Silva, tão espetacular quanto Pelé, conforme alguns historiadores.

Após um longo período sem copas, por conta da Guerra, que se estendeu de 1939 a 1945, a Copa foi realizada no Brasil, em 1950.

Zizinho era o grande destaque da Seleção. Ao lado dele, brilhavam Danilo Alvim, Jair da Rosa Pinto e Ademir Menezes, entre outros. Ademir foi o artilheiro da Copa, com 9 gols.

O excesso de preciosismo, a invasão de cartolas e políticos ao recinto privativo dos jogadores, antes da partida final, contribuíram para a nossa derrota. Perdemos de 2 a 1 para o Uruguai em pleno Maracanã. Com um simples empate o Brasil teria sido campeão.

A essa altura o prestígio do Brasil já era evidente.

O respeito e a admiração pelo nosso futebol-arte se consolidaram com a espetacular conquista da taça em 1958.

As apresentações de grandes times do Brasil no exterior, principalmente o Santos de Pelé e companhia, fortaleceram mais ainda o prestígio do nosso futebol.

Durante os intervalos dos jogos os reservas entravam em campo para fazer embaixadinhas e outras firulas. A cada “trivela”, a cada drible desconcertante, a cada “matada” de bola no peito, a plateia ia ao delírio!

Quem duvidar que o futebol do Brasil era algo do outro mundo é porque nunca viu Garrincha aplicar uma série de diabólicos dribles em seus apavorados marcadores, os famosos “joões”, que desabavam no chão, literalmente tontos.

Ou então nunca teve a casta volúpia de contemplar em ação o fantástico Pelé arrancando em direção ao gol a driblar e meter a bola entre as pernas, a humilhante “caneta”, de espantados zagueiros, e em seguida fazer um gol de placa.

Nem adoçou a alma ao perceber o Dr. Sócrates dando um passe de calcanhar com a magia de um deus olímpico. Nem jamais sentiu no peito a emoção de poder gritar bem alto, em pleno Maracanã, um gol marcado com a maestria de Zico. Nem teve o prazer de se deleitar com o toque de “trivela” de Rivelino, depois de um “elástico”, aplicado de forma mirabolante pelo “Garoto do Parque”.

Ora, passaria um ano inteiro escrevendo sobre o assunto e ainda assim não daria conta de mostrar todos os lances mágicos que marcaram a carreira de craques fora da curva, como se diz hoje, a exemplo de Leônidas, Zizinho – O mestre Ziza,– Canhoteiro, Didi, Nilton Santos, Rivelino, Paulo Cézar Caju, Ademir da Guia, Gérson, Tostão, Jairzinho, Zico, Sócrates, Falcão, Romário, e outros tantos, cujos nomes davam para encher uma enciclopédia.

Tenho falado para meus filhos e netos, e também para alguns amigos, o que penso sobre a iminente morte do futebol brasileiro, se é que ele ainda está vivo.

A tese que explica o desmanche total do nosso outrora futebol-arte passa, necessariamente, pelas desastradas gestões na CBF — Confederação Brasileira de Futebol.

O dinheiro ali entra puxado a rodo. E onde há muito dinheiro, já se sabe, os olhos de cifrão, irrequietos, começam a saltar das órbitas.

Ao perceber que a poderosa Fifa começava a botar o futebol na vitrine do mundo, chamando a atenção do planeta para monumentais espetáculos, com patrocínios bilionários e o “Padrão Fifa” de sobremesa, a também poderosa Europa cresceu os olhos e arquitetou um ambicioso plano destinado a destruir o futebol-arte do Brasil, seu velho e temido adversário nos gramados. Pentacampeão do mundo, o Brasil de Pelé, Garrincha, Ronaldo Fenômeno, Ronaldinho Gaúcho, Rivaldo, Romário, e outros gênios, não poderia continuar reinando de forma absoluta, mandando nos quatro cantos do Globo.

O futebol mágico do Brasil, com toneladas de arrecadações para os cofres da CBF, estava incomodando demais o Velho Continente.

A Europa sempre fora soberana em tudo, diziam eles. Nas artes, pariu gênios com a dimensão de um Cervantes, de um Goethe, de um Kafka, de um Mozart, de um Dostoiésvki, de um Camões, de um Dante, Balzac, Michelângelo, Shakespeare…

Por que, então, não poderiam brilhar nos gramados do mundo tanto quanto esses “metidinhos”, gerados em terras tupininquins?

Mas caíram na real: o diabo é que a gente tem a cintura grossa, somos desajeitados e pesadões como os desegonçados rinocerontes.

A bola em nossos pés parece queimar como fogo.

O brasileiro é diferente. São leves e ágeis, iguais àqueles leopardos africanos.

O futebol deles é magia pura. Praticam um futebol de outro planeta. Eles têm “ginga”, malícia, “catimba”. Carregam nas veias o DNA da arte.

Jogador de futebol lá no Brasil brota do nada, aos montes.

Na reunião, discutiram, à exaustão, uma maneira de barrar o jeito único e bonito do Brasil jogar.

Falaram sobre as qualidades individuais de nossos atletas. Lembraram até daquele antológico “lençol” que Pelé lançou sobre a cabeça de um grandalhão da Suécia, enfiando, em seguida, para espanto do mundo, a bola nas redes.

A Suécia acabou perdendo para o Brasil de 5 a 2. Era a final da Copa de 1958. A partir daí, Pelé virou “Rei do Futebol” e o Brasil perdeu, definitivamente, o “complexo de “vira-lata”, como dizia Nélson Rodrigues.

Não esqueceram também de comentar a respeito das divinas arrancadas rumo ao gol de um certo Garrincha, cujas pernas tortas e talento assombraram o mundo.

Discorreram igualmente sobre a magia da “trivela”, da “caneta”, do “drible da vaca”, da “folha seca”, criada por Didi, e da saudosa “bicicleta”, inventada por Leônidas na Copa de 1938.

No encontro, chegaram à conclusão de que só haveria um jeito de barrar o belo futebol-arte do Brasil: arrastar para a Europa os “diferenciados” do nosso futebol, inclusive crianças que ainda estavam nas fraldas.

Uma vez integrados à realidade europeia, os brasileiros eram (são) obrigados a aprender tática.

Muita tática. Tática pela manhã, tática pela tarde, tática durante a noite.

Com o correr do tempo os craques do Brasil começaram, e ainda continuam no mesmo ritmo, a perder o brilho do ouro, a velha habilidade com a bola.

O encantamento do jogo bonito virou pó.

A coisa mudou de tal forma que, ao contrário do que ocorria no passado, quando a “amarelinha” provocava medo ao adversário, hoje o brasileiro é quem “treme” diante de um time estrangeiro, notadamente se for um daqueles gigantes da Europa.

Pelé partiu outro dia para o andar de cima, consciente de que o nosso futebol agonizava.

Agora foi a vez do velho Mário Jorge Lobo Zagallo.

A “amarelinha” que ele tanto amou e levou para o túmulo já não era a velha e respeitada camiseta que tantas honras e alegrias trouxera para o nosso futebol.

A gloriosa camisa amarela que o velho Lobo levou com ele para a eternidade, estava com as cores desbotadas. Desbotadas pelos repetidos fracassos que a Seleção vem sofrendo nos últimos tempos.

Esperamos que a nova comissão técnica da CBF, agora sob o comando de Ednaldo Rodrigues, e o novo treinador Dorival Júnior, encontre um jeito de devolver à Seleção Brasileira a dignidade do velho e bonito futebol-arte que encantava o planeta.

4 pensou em “NONATO FREITAS – BRASÍLIA-DF

  1. Nonato Freitas, o mestre é um craque na arte de escrever futebolisticamente. A Pátria de Chuteira, como a chamava a Seleção Brasileira o genial Nelson Rodrigues, fica lhe devendo essa.

    E eu fico com um gostinho de quero ler mais crônicas desse quilate.

    Parabéns pelo artigo.

  2. Escrita com maestria, com arte, com a natural fluidez do futebol em destaque, Nonato traz em sua crônica, além de preciosas informações para os joviais entusiastas do futebol, um subtendido panorama social de nosso povo que, invariavelmente, perde a essência do que possui de melhor. Nonato, parabéns!!

  3. Creio que o Nelson Rodrigues teceria loas a este primoroso texto do Nonato Freitas e o Samuel Wainer o convidaria para integrar sua equipe de cronistas. Parabéns, grande escriba!

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