Nestas últimas semanas passadas estive acompanhando os acontecimentos de Pindorama, suas ações, discursos, avanços, discursos irracionais e anticivilizatório, fazendo arder com mais força a fogueira da barbárie que nos move a um futuro incerto, a um porvir tenebroso, cheguei a um dilema que, se não filosófico, ao menos comportamental: a ideia de liberdade como direito inerente da pessoa humana e sua dinâmica no Brasil.
Como caeté que ainda anda pelado, carregando uma borduna, com um belo canitar de penas de arara no calcanhar, pintado com tinta de urucum, que me deito todo dia em uma rede de imbira, meu maior prazer é coçar a carcundinha de meus cachorros, catar os carrapatos nas orelhas deles enquanto fico cuidando o braseiro onde asso a pancetta do honorável bispo português, não sou de dar bola às conversas fiadas que os arariboias de BrasILHA dizem a respeito de nossas liberdades.
Um povo que troca seu voto por uma promessa de picanha assada e cerveja gelada prometida por um ser mentiroso, cujas falsidades estavam patentes, não somente nos olhos, mas até no modo como falava não merece liberdade. Merece ser escravo sempre, como dizia Machiavelli.
Um povo que troca seu voto por uma centena de tijolos, dez telhas de fibrocimento, um par de chinelos, uma dentadura, um tapinha nas costas, uma visita de quatro em quatro anos, com direito a beber café em um copo de extrato de tomate, e recebe os políticos como se estivessem recebendo o Divino Pai Eterno, e não o seu servidor, não merece ser livre.
Um povo que, quando vai ser contratado para um serviço, a primeira coisa que pergunta é sobre seus direitos e benefícios que a empresa pode dar, que fica com olhos cúpidos no calendário civil buscando as datas em que cairão os feriados, a fim de poder espichar a folga semanal, e não se preocupa com sua produtividade, compromisso, ação positiva no seu local de trabalho, não merece liberdade.
Um povo que faz uma fila de dobrar quarteirão, que passa um fim de semana em uma fila de Centro de Apoio Social para receber seu “bolsa esmola estatal”, mas não tem paciência de ficar 10 minutos em uma fila de emprego, ou mesmo em uma fila de votação no dia de uma eleição, não merece liberdade.
Um povo que se diz isento em questões políticas, que não toma lado em uma discussão que definirá o futuro de sua nação, que se omite em discussões que busca traçar as linhas futuras da educação de sua nação, que prefere ligar a televisão, ver um jogo de futebol bebendo uma cerveja e pouco está se lixando para o que seus filhos aprendem na escola, não merece liberdade.
Um povo que terceiriza a educação de seus filhos, transfere para a escola a função de educar sua prole, e em casa deixa essa função para a internet, que não acompanha o que seus filhos estão aprendendo nas salas de aula, que aceita passivamente todo o entulho ideológico que as escolas de hoje transmitem a seus filhos, não merece liberdade.
Um povo que aceita que as leis que regem seu país sejam violadas por aqueles que, em tese deveriam ser ultimo bastião dessas leis, que aceita que juízes criem leis, façam prejulgamentos sobre assuntos que irão julgar, que aceita que ministros da mais alta corte do país mintam, usem de um vocabulário que fica mais adaptada na boca de meliantes, que aceita que funcionários públicos se acumulem de privilégios, de auxílios, de recomposições salariais, ou de gratificações para fazerem aquilo que são regiamente pagos para fazer, não merece liberdade.
Um povo que acredita que praia e carnaval são o ápice de sua evolução, que acredita que equidade social se dá na base de cotas, de reservas de vagas, de tribunais raciais, que acredita que o mérito, o esforço individual, que o intelecto, que o “nerd” é uma aberração, enquanto o jeitinho, o troco para a cerveja, o agrado para o guarda de trânsito é uma característica do brasileiro, não merece liberdade.
Um povo que fura o sinal vermelho, que não respeita a placa de “Pare”, que buzina em zona de silêncio, que, ao ver um amigo no início da fila, pede para ele pagar as suas contas, e aquele que aceita também fazer isso, que não respeita a vaga para o idoso nos bancos de ônibus, ou na fila de um banco. Um povo que arruma uma criança de colo para passar à frente dos outros em uma fila qualquer, não merece liberdade.
Um povo que, ao ver um caminhão tombado na estrada, corre, não para ajudar o acidentado, ou desobstruir a pista para dar segurança aos demais motoristas, mas corre de maneira ávida para saquear a carga tombada, não merece liberdade.
Um povo que, quando um prefeito faz um bolo gigante para comemorar qualquer data desimportante, com o intuito de humilhar o cidadão e revelar o seu caráter incivilizado, se submete a essa humilhação e participa de maneira alegre dessa injúria, não merece liberdade.
Um povo que rejeita a cultura, que torce o nariz para o Belo, mas aplaude ninfetas seminuas, cantoras que exaltam o que Mikhail Bakthin chamou de “baixo material corporal”, ou seja, a bunda e suas adjacências, que conhece mais sobre letras sexualizadas, mas não conhece uma estrofe inteira de seu próprio hino nacional, não merece liberdade.
Liberdade é uma conquista de todos. Liberdade dada não é liberdade, é graça. Graça não é dom do homem, mas divino. Liberdade é uma conquista. Liberdade é fruto da percepção individual de que o seu estado natural é de injustiça, pobreza e acomodação, e luta, em conjunto, como um só homem, para garantir que, nas diferenças individuais, a busca de uma equidade para todos é o fim máximo de uma sociedade.
Liberdade é dizer não ao arbítrio, mesmo para aquele com quem se tem discordância irreconciliáveis, mas luta para que esse outro tenha o direito total de dizê-las onde quer, quando quer, como quer, sem que sofra sanção por causa disso. Liberdade é a conquista máxima do homem e que nunca deve ser negociada, pois é princípio e fundamento de todas os demais direitos que advém com ela. Um povo que não tem esse princípio em mente merece ser escravo. A liberdade é algo estranho para quem não tem em sua alma a consciência de que enquanto não apagarmos a fogueira irracional caeté que arde em cada um, continuaremos sendo escravos e merecemos essa escravidão.
Roque, meu querido caeté de estimação: se tivéssemos meia dúzia de valentes homens públicos como você no comando dos órgãos da nação, isso aqui seria o maior e melhor paraíso do mundo. Valeu muito mais que a “Oração aos Moços” de Rui Barbosa.
Grande abraço,
Magnovaldo
Magnovaldo. Como sempre você sendo mais indulgente do que mereço, mas esse texto fiz na “reiva” como diz o cuiabano. Tô ficando cansado deste país…
Também fico cansado, Roque Nunes, quando vejo o canalhismo de Fafá de Belém explodir no palco, e ficar impotente sem puder fazer nada!
Como ele, todos os artistas canalhas de Pindorama mamando na Teta da União (via Lei Lei Rouanet).
Cícero, quero voltar para a mata. Não deu certo, não dará certo.
Caro Roque mais uma vez um raio X perfeito dos nossos dias atuais em seu primoroso texto, o brasileiro só pensa em futebol, que hoje só se vê pernas de paus e carnaval, falta um mínimo de inteligência na grande maioria de nossos caros eleitores..
Fantástico artigo, Roque Nunes!!
Comentar o quê? Se tudo comentado fica redundante!
Estive analisando os últimos movimentos político/sociais no Brasil e no mundo e sabe como podemos começar a melhorar as coisas? Com educação e na paz? Não! Vai ter que ser na porrada. Volta o Trump. Milei, Bukele, Bolsonaro e outros casca grossas. Se aquela parcela da população que tem sangue reagir, dá pra começar a tombar essa zorra.
Tô achando que o melhor mesmo é devolver o Brasil a Portugal ou alugar como dizia Raul Seixas. Pode acrescentar ai uma reca de “como pode” … como pode ministros do srf ter posicionamento partidário? e tem outros