Existem muitas palavras que foram despidas do seu significado, e transformaram-se em meras exclamações. São como palavras mágicas, que não precisam ser explicadas; basta segurar a varinha com força e enunciar a palavra dramaticamente, e o feitiço acontece. Uma destas palavras de que as pessoas têm medo, mesmo sem entender o que significam de verdade, é “monopólio”.
Todo mundo ouviu na escola que um empresário malvado chamado Rockefeller tinha o monopólio do petróleo, mas o bondoso governo agiu para “proteger o povo” e quebrou o monopólio. Pouca gente se interessa em saber mais do que isso. A verdade, como sempre, é mais complicada.
Nos anos 1860, o óleo de baleia, o produto preferido para alimentar lampiões, estava subindo de preço por causa da super-exploração: as baleias estavam acabando. Isso abriu o mercado para o petróleo que havia sido descoberto na Pensilvânia. Isso, somado a um subsídio do governo, fez com que empresas de petróleo surgissem uma após a outra, muitas sem a menor estrutura técnica e financeira para funcionar.
A maioria das empresas refinava o petróleo para extrair querosene, que era usado nos lampiões, e jogava o restante fora, muitas vezes no rio mais próximo. Rockefeller, ao contrário, buscava a máxima eficiência e procurava mercado para todos os produtos da refinaria: a gasolina era transformada em gás, o piche usado para pavimentar ruas. Rockefeller também buscava eficiência na verticalização, integrando todos as etapas da cadeia produtiva, desde a contrução de oleodutos até a distribuição por ferrovias. No processo, seus custos eram menores e muitos concorrentes não tiveram opção a não ser fechar ou vender suas empresas para Rockefeller.
O povo foi prejudicado? Muito pelo contrário. Em 1870, quando Rockefeller começou a vender querosene, o preço era de 30 centavos o galão. Trinta anos depois, quando sua empresa era a maior do país, o preço havia caído para 6 centavos. Além disso, as suas empresas vendiam mais de cem produtos diferentes obtidos do petróleo – nem uma gota era desperdiçada. Não é de se admirar que os concorrentes reclamassem: eles simplesmente não conseguiam acompanhar os preços da Standard Oil. (se você acha que os consumidores devem ser obrigados a pagar mais caro para proteger os produtores menos eficientes, aí é outra história).
O governo, que costuma decretar monopólio para si mesmo em tudo que faz, não gosta de empresas ricas e bem sucedidas que possam desafiar seu poder. Também não faltaram concorrentes e ex-concorrentes invejosos para articular lobbies contra Rockefeller. Da união dos dois, nasceu uma batalha jurídica que acabou determinando que a corporação de Rockefeller fosse dividida em 34 empresas separadas. Uma aparente vitória para os invejosos da fortuna alheia, mas o que realmente aconteceu foi: Rockefeller continuou sendo o sócio majoritário de todas elas, e sua fortuna aumentou 500% nos dez anos seguintes. Por outro lado, o preço do querosene nunca mais diminuiu para os consumidores da forma como acontecia nos tempos do “malvado monopólio” de Rockefeller.
Um outro caso, mais antigo: Em 1798, o governo estadual de Nova Iorque concedeu o monopólio do transporte fluvial a Robert Livingstone e Robert Fulton. Em 1824 o empresário Cornelius Vanderbilt (que é normalmente citado junto com Rockefeller como exemplo de “capitalista malvado”) conseguiu na justiça a quebra do monopólio. O resultado foi que a passagem Nova Iorque – Albany caiu de sete para três dólares, e a Nova Iorque – Filadélfia caiu de três para um dólar. Quando conseguiu operar navios entre Nova Iorque e a Califórnia, Vanderbilt começou a cobrar 150 dólares, enquanto os concorrentes cobravam 600.
Novamente, Vanderbilt é apresentado como vilão monopolista nos livros de história, enquanto seus concorrentes ineficientes, que cobravam muito mais caro, são mostrados como vítimas que mereciam ser protegidos pelo estado.
O Brasil é um país sem memória, então é difícil encontrar exemplos parecidos aqui; mas eles existem – por exemplo, este excelente trabalho de pesquisa do professor Alexandre Macchione Saes, da UNIFAL. Recomendo a leitura. Basta clicar aqui
Um pequeno resumo: em 1899 uma empresa canadense conhecida como Light obteve a concessão para fornecer eletricidade e iluminação pública na cidade de São Paulo. Cinco anos depois, o empresário Eduardo Guinle, que era dono da concessão do porto de Santos, pediu ao prefeito para também atuar no ramo “no sistema de livre-concorrência”. O prefeito assinou um decreto autorizando, mas isso foi só o início de uma longa guerra travada na câmara de vereadores e na imprensa (um pequeno exemplo, publicado como editorial no jornal A Platéia: “Nunca chegamos a compreender como um serviço público indispensável [..] pudesse ser entregue aos azares da livre-concorrência [..] Pareceu-nos sempre mais conforme a boa razão e conveniente ao interesse público, que fosse esse serviço confiado a uma empresa que o executasse em condições estabelecidas por contratos, com obrigações de todos servir nos termos estipulados.”)
Guinle prometia oferecer os serviços a preços mais baixos. A Light, dona do monopólio, alegava que isso era uma demagogia impossível, e que seus preços eram os mínimos viáveis, em função dos “vultosos investimentos” que o serviço implicava.
Em 1909, a Light anunciou uma redução de preços, o que deu argumentos a Guinle para acusá-la de mentirosa, já que até então ela dizia que os preços não podiam diminuuir. O preço residencial da Light caiu de 800 para 500 réis, mas Guinle prometia cobrar 200. Para empresas, a Light reduziu o preço de 700 para 300 réis, e Guinle prometia cobrar 70.
A batalha durou vários anos, com vereadores discutindo minúcias das leis e decretos para descobrir (ou inventar) a interpretação “correta”. Sem nenhuma surpresa, a maioria dos políticos era favorável à empresa que detinha o monopólio e cobrava mais caro. Quem mora em São Paulo sabe que, de uma forma ou outra, a Light está aí até hoje.
O resumo da história é que somos todos ensinados a ter medo de um bicho-papão. Não existem monopólios sob o livre mercado. Os monopólios que existem, e nos exploram, são concedidos e garantidos pelo estado, esse mesmo que muita gente acredita que é necessário para nos defender deles.
O monopólio representa uma violação mercado competitivo, assim como o monopsônio. O monopólio tem um custo social porque vende uma quantidade menor do que o mercado competitivo por um preço superior ao preço do mercado competividade. Chamam isso de perda bruta. Os relatos, no entanto, trazem uma questão de eficiência. A concessão de uma rodovia, por exemplo, é um monopólio e o benefício para a sociedade é notório. O que falta é bom senso mesmo.
Os defensores do “estado grande” argumentam que o governo pode ser tão eficiente quanto a iniciativa privada. Se fosse verdade, não faria diferença uma rodovia ser gerenciada pelo estado ou concedida a uma empresa privada. Mas a prática mostra que não é bem assim.