Luís Ernesto Lacombe
MC Poze do Rodo, preso por envolvimento com o Comando Vermelho e solto dias depois
Há muitas décadas, nossos escritores, dramaturgos, cineastas, artistas, jornalistas, nossos intelectuais têm produzido uma “cultura de idealização da malandragem, do vício, do crime”, que Olavo de Carvalho teve a coragem de denunciar. Com o tempo, os papéis acabaram invertidos: ladrões, estupradores, traficantes e assassinos se tornaram “essencialmente bons ou pelo menos neutros”. As forças de segurança e “as classes superiores a que elas teoricamente serviriam viraram essencialmente más”. Os criminosos deixaram de ser apresentados como “homens piores do que os outros, sob qualquer aspecto que seja”. Humanizaram o delinquente, que virou uma vítima, um “injustiçado social”. Os policiais foram empurrados para definições grotescas, selvagens. Passaram a ser os maus. Tudo respaldado, como apontou Olavo de Carvalho, por “um exército de sociólogos, psicólogos e cientistas políticos, que dá discretamente, na retaguarda, um simulacro de respaldo ‘científico’”.
A trágica comemoração pela libertação do MC Poze do Rodo, que passou alguns dias preso em Bangu 3, na zona oeste do Rio de Janeiro, mostra que alguma coisa não mudou. Ele declarou, ao entrar no presídio, que é ligado ao Comando Vermelho. As “letras” das suas “músicas” exaltam os traficantes da facção, o consumo de drogas e pregam a eliminação de policiais. Quando foi solto, o moço, em “português castiço”, disse: “Se meus filho vê polícia, meus filho chora”… Ele jura que é só um cantor, que ganha a vida honestamente, mas está sendo investigado por lavar pelo menos R$ 250 milhões do Comando Vermelho, num esquema que envolve seus shows, sua mulher e até um terrorista da Al-Qaeda… E Poze do Rodo tem o apoio do trapper Oruam, que jura que seu pai, Marcinho VP, um dos chefes do Comando Vermelho, o ensinou a seguir o “caminho certo”… Oruam se orgulha de ter uma tatuagem em homenagem a Elias Maluco, outro traficante, seu “tio de coração”, que mandou matar brutalmente o jornalista Tim Lopes. Também não importa o que ele “canta”, se exalta em suas “letras” o crime e os criminosos, Oruam, assim como Poze do Rodo, está vencendo todas as “injustiças da sociedade”.
As forças de segurança, em sua grande maioria, fazem o que podem. Vivem sendo esculhambadas por uma imprensa imunda, que não reconhece o sacrifício diário dos policiais, que não se comove quando eles são feridos em serviço, quando são mortos pelos “coitadinhos” dos bandidos. Há sempre uma enxurrada de expressões maldosas contra aqueles que ainda tentam combater a criminalidade… Falam em “violência policial”, como se não houvesse a violência necessária, justificável. Falam em “letalidade policial”, quando as estatísticas sobre os agentes de segurança que tombam em serviço já não importam mais. Há jornalistas com olhos cheios d’água quando ouvem os moradores de favelas, oprimidos na realidade por traficantes, dizerem que “têm mais medo da polícia do que dos bandidos”, como os filhos do Marlon Brandon, nome verdadeiro do MC Poze do Rodo. Se a inspiração dos pais do “cantor” quando o batizaram foi o ator americano, o filho certamente tem mais identificação com o personagem que Marlon Brando interpretou em O Poderoso Chefão.
O que temos, então, é uma inversão de papéis: bandidos talvez sejam mocinhos; policiais são certamente bandidos. Só que algo mudou, e não foi para melhor. Agora temos também inocentes reais que a turma no poder tenta transformar em criminosos, e para os quais não deve haver “perdão”. E a lista é grande, tem jornalistas, tem juíza, empresários, idosos, autista, morador de rua, vendedor de algodão doce, cabeleireira… Tem militares, políticos. Quase todos são acusados de abraçar o maior mal contemporâneo: “a moral conservadora”, ou o simples respeito às leis e à ordem, a defesa da liberdade. Então, os bandidos de verdade já não são bandidos, e há novos “criminosos”, os mais perigosos da história… O comediante Léo Lins acaba de entrar para esse grupo. Tivesse se entregado ao tráfico de drogas, ou a desviar dinheiro de velhinhos do INSS, provavelmente estaria livre, leve e solto, mas foi inventar de fazer piada…
Por sua vez, a juíza que o condenou, seguidora fiel de Alexandre de Moraes, ocupa com louvor o novo grupo dos mocinhos que se entregaram a práticas altamente condenáveis. São ministros do STF, o procurador-geral da República, procuradores do Ministério Público, o advogado-geral da União, o diretor-geral e agentes da Polícia Federal, integrantes do governo federal… São a “força progressista” de agora… Com a consciência mais limpa deste mundo, eles podem culpar “forças reacionárias”, “fascistas”, “nazistas”, o capitalismo, o liberalismo por todo tipo de problema, todo. O “lixo da história” agora, para aqueles que desistiram de ser os mocinhos, mas, canastrões, tentam não se desfazer do papel, são todos os que desconfiam da salvação e proteção que o Estado gigantesco, tirânico promete. Até aqui, vinham sempre tentando transformar bandidos de verdade em vítimas, injustiçados e, eventualmente, até em mocinhos. Agora, jogam entre os criminosos uma infinidade de inocentes, e esses devem ser caçados impiedosamente. Os bandidos de verdade mal travestidos de mocinhos inventaram um pântano de abusos, arbítrios e ilegalidades que eles e seus seguidores tratam como o paraíso. Infelizmente, são esses “novos mocinhos” que estão no comando… E o Brasil do avesso deve ser combatido com todas as nossas forças.
Enquanto isso o Cangaço, que deveria ser uma página apenas histórica para o Nordeste pelo mal moral que representa, vai outra vez ser elevado ao patamar do romance e do heroísmo numa nova novela.
O mesmo Cangaço que foi o ambiente para a prática de atrocidades morais e físicas contra mulheres e homens desprotegidos.
Eu como nordestino me recuso em reconhecer nos elementos do Cangaço os ícones e símbolos do meu Nordeste; e quando vejo um turista comprando algo que evidencie o Cangaço, peço licença e desculpas para lhe dizer “compre não. Leve qualquer outra coisa.”
Tanta coisa boa o Nordeste nos deu, e ainda nos dá, e fizeram de uma das piores páginas da nossa história o balaio tétrico de onde se tira a representação da nossa terra.