Na esperança de que a comissão julgadora me perdoe o atraso, mesmo porque meus dias de faculdade já estão distantes no passado, apresento minha dissertação sobre o tema “democratização do acesso ao cinema no Brasil”.
De início, o tema já se mostra contraditório. Democracia é uma forma de governo, ou regime político (demos=povo, kratos=governo). Cinema é uma expressão artística, e a arte não deve ter governo ou se submeter a regime político.
Provavelmente os responsáveis pelo tema usaram a palavra democracia na sua acepção politiqueira, de elogio vazio: tudo que é “democrático” é bom, mesmo que a expressão não signifique nada. Aliás, é costume das ditaduras usar a palavra (“República Democrática da Alemanha” era um país comunista que construía muros para impedir sua população de fugir). Quando alguém está elaborando uma maracutaia, especialmente se há dinheiro público envolvido, a palavra “democrático” sempre aparece para dar a impressão de algo correto e limpinho.
No que se refere ao cinema, a realidade é que nosso país é contra o acesso democrático ao cinema. Segundo nossas leis, o povo não pode, e não deve, escolher o que assistir; é um grupo de políticos e burocratas que, do alto de sua sabedoria (e de seus confortáveis cargos públicos) tentam determinar o que deve ou não ser exibido nos cinemas, através de restrições e cotas, e também escolhem o que os cineastas devem ou não produzir, através da distribuição de dinheiro público mediante aprovação prévia pelos “órgãos reguladores”.
Sim, dinheiro público, apesar dos contorcionismos retóricos dos seus defensores, que dizem se tratar de “incentivos” ou “isenções” e que o dinheiro é de empresas privadas. Em primeiro lugar, a grande maioria das empresas que “patrocinam” (na verdade servem de fachada) as produções de cinema são estatais ou vivem à sombra do estado. Em segundo lugar, se o governo toma o dinheiro de João e dá a Pedro, ou se o governo diz a João “aquele dinheiro que era para mim, entregue ao Pedro”, a diferença é apenas semântica. A quantia que o governo deixou de receber vai ser compensada por todos os outros contribuintes.
Se os nobres políticos pensam na “democratização” no sentido de permitir o acesso dos mais pobres, começam errando ao criar cotas para filmes que ninguém quer ver (e antes que me acusem de preconceito, estou apenas usando a lógica: um filme que o público quer ver não precisa de cota). Cinemas são empresas que têm contas a pagar. Obrigá-los a exibir filmes para poltronas vazias certamente não contribui para reduzir seus custos, e por consequência seus preços. Por outro lado, o fato de que em uma empresa existe uma relação entre receita e despesa provavelmente está além da compreensão dos burocratas do setor.
Fica óbvio, então, que as medidas necessárias para “democratizar o acesso ao cinema” são simples, e aliás idênticas às necessárias em muitos outros setores: que o governo deixe de tratar os brasileiros como crianças que não sabem escolher e devem ser tuteladas e regulamentadas. Chega de conselhos, agências, cotas, normas, regulamentos (aliás, acabar com a lei Rouanet e a Ancine foi uma promessa de campanha do atual presidente, que ainda não foi cumprida – não que seja novidade presidentes eleitos esquecerem as promessas que fizeram). Para ajudar mais ainda, reduzir impostos, burocracias, fiscais disso e daquilo que só atormentam quem quer empreender. Deixem os cinemas em paz e eles se esforçarão para agradar seu público; afinal é disso que eles vivem.
Mas o mais importante, mais grave, mais inadiável, é acabar com a estatização da produção de filmes. Acabar com o uso de dinheiro público para financiar projetos selecionados pelo governo. Ter cineastas trabalhando para o governo é algo terrível para qualquer país. Hitler fez isso. Stálin fez isso. Mussolini fez isso. É típico das piores ditaduras controlar a produção artística e literária como forma de reescrever a história e apossar-se da identidade do povo – porque uma nação se reconhece como nação, fundamentalmente, através de sua cultura.