Neste último domingo estava lendo a história da gloriosa Campo Grande/MS, pelos olhos e penas do abalizado Abílio Leite de Barros, que já encantou-se e deixou uma baita saudade. Professor universitário, advogado, memorialista e historiador diletante, as histórias que ele contou sobre a “Cidade Morena”, no já distante centenário da capital me deixou com a pulga atrás da orelha. Pulga não… um cágado atrás das zureias. Nessa história pude ver como no longínquo 1872 José Antônio Pereira chegou aqui, fez acero, acendeu fogo, plantou uma roça, foi embora e três anos depois voltou com a família toda e assentou arraial nestas bandas.
Como Campo Grande, ou melhor, Santo Antônio de Campo Grande vivia muito longe da capital da província – Cuiabá -, no então Mato Grosso unificado, os cidadãos aqui resolveram, de por si, organizar a municipalidade. José Rodrigues Benfica, gauchão que ia trabalhar de bombacha e chapéu tapeado, foi escolhido professor, e como seu salário era pouco, os próprios cidadãos deram-lhe um aumento. Construíram escola, escolheram médico, delegado e seguranças. Coisas desimportantes em um núcleo formado só por família e agregados. Quando a vila se tornou município no distante 26 de agosto de 1899 a cidade ainda comemorava o aniversário do Imperador Pedro II. Mas, no início do século XX Cuiabá ainda era preguiçosa em responder às demandas da cidade.
Até o recolhimento do lixo e dos defuntos que teimavam em amanhecer nas calçadas das casas de tolerâncias não era preocupação do Poder Público, então, um libanês chamado Naim Dibo, que chegara em 1900, com cerca de dois reais no bolso, em valores atuais, procurou seus patrícios, alugou uma carroça e uma mula e passou a fazer o serviço de coleta de lixo e carreto de boneco para o cemitério municipal que tinha sido demarcado pela própria população. A capital do Estado nem ficou sabendo disso. Quando Naim Dibo faleceu na década de 1980 era um dos homens mais ricos do Centro Oeste brasileiro, não devendo um centavo para o Poder Público. Era justo o seu contrário, pois virou banqueiro, empresário imobiliário, dono de concessionárias, além de mais de 45 fazendas no estado.
Mas todo esse preâmbulo é para demonstrar como nós, brasileiros, viramos o que eu chamo de “estatodependentes”, ou mendigos estatais. Vivemos das migalhas do Estado. E, migalhas amargas e mal feitas. Aquela prontidão para fazer, para buscar, para tomar conta de nós mesmos parece que se apagou. Na atualidade, qualquer coisa a ser feita, esperamos que o Estado venha colocar a sua mão para organizar, legislar, determinar, estruturar, arrumar. Ficamos apenas observando. O resultado é algo mal feito, mal acabado, ruim, de baixa qualidade. Então fiquei pensando… por que isso ocorre?
Em 2022 teremos um ano político, e ao que parece será muito interessante. Mais uma vez veremos candidaitos irem para a frente das câmeras e soltar o bordão: meu compromisso é com a saúde, educação e segurança! Ora, esse é o tripé do poder estatal, e, por incrível que pareça, é o tripé mais esculhambado, mais avacalhado e o mais negligenciado pela república brasileira. Mas, qual seria o motivo disso? Vendo campanhas políticas na Europa e nos Estados Unidos e Canadá havia proposta pontuais em torno desses temas, mas não vi nenhum político soltar esse bordão de… meu compromisso é….!! Mesmo porque nesses países, saúde, educação e segurança pública são de excelentes qualidades, e os impostos pagos são revertidos para esses serviços.
Melhore-se esses serviços e será tirado dos políticos o chavão “meu compromisso é”. O que mais me admira nesses sujeitos é que eles falam isso, mas não têm a mínima ideia do que seja educação, saúde, ou mesmo segurança pública. Nem frase de efeito isso é mais. Nem mantra, virou apenas um ressoar de sino. Apenas o eco de algo distante que nada diz, nada propõe e nada resolve. Eu labuto há trinta anos na Educação Pública. Posso dizer que, quando comecei no dia 16 de agosto de 1991 – coincidentemente também é o dia de meu aniversário -, vi muitas campanhas políticas, muitas frases de efeito. Houve melhoras significativas na educação pública do Mato Grosso do Sul – só posso falar por ele, pois faço parte do sistema público dele -? Mas não pelas mãos de políticos que deitavam esse bordão a cada campanha política. Na maioria das vezes foi com pressão nas ruas, greves, cassetete da PM no lombo – eu mesmo apanhei umas três vezes e levei gás de pimenta nas fuças -, mas avançamos.
Hoje eu vejo que restou apenas um cacoete, um palíndromo utilizando “meu compromisso é com a saúde, educação e segurança”. Eu sempre pergunto a políticos, quando dão o azar de cair aqui na taba onde moro: que compromisso? Cite para mim pelo menos o nome de duas escolas públicas, ou de uma unidade básica de saúde? Onde fica o posto policial do bairro? Sempre recebo um silêncio ensurdecedor como resposta e um inimigo a mais a cultivar. Faço isso também com professores universitários.
Certa vez fui a uma palestra em que um conhecido professor estava espinafrando os professores de Educação Básica, ditando normas como ensinar as crianças. Injuriado com aquilo pedi a palavra e perguntei se alguma vez na vida ele trabalhou um dia sequer em uma escola pública. Respondeu-me que a vida toda dele foi professor de universidade. Disse então que ele não era especialista em educação pública, porcaria nenhuma. Especialista é o professor que está lá na sala de aula e tem que cuidar de 35 a 40 alunos, principalmente crianças e adolescentes, em salas de aula onde a temperatura mínima não desce dos 38 graus Celsius, enfrenta-se criança cagada, mijada, com ranho na cara, sem material escolar, com sintomas de abusos e violência, uso de álcool e drogas, e por aí vai.
Meu compromisso é… todas as vezes que vejo algum candidato a uma teta estatal bostejar isso me dá raiva, ao mesmo tempo que me dá uma revolta… revolta com o cidadão. Ficou tão dependente, tão mendigo do Estado que qualquer migalha para ele basta. Melhore-se a Educação, a Saúde, a Segurança Pública e desaparecerá esse político que usa “meu compromisso é…” Morrerá de inanição e de falta de votos. Pois não poderá usar mais a miséria e a esmola como moeda de troco.
Nossa república estabeleceu-se no formato de um lenocínio – a exploração da prostituição -, temos um gigolô (o Estado) explorando as putas (todos os cidadãos, principalmente os mais pobres), e dando em troca uns caraminguás, prometendo que o “meu compromisso é…” e segue explorando e enganando o povão. Quando penso nisso, sinto falta de algo que não vivi. Aquela braveza cidadã que não esperava o Estado providenciar nada. O cidadão tomava as rédeas de sua própria cidade e colocava as coisas para funcionarem. Essa chama se apagou. Hoje a única chama que vejo acesa é a quantidade de likes e de seguidores que se busca nas páginas virtuais da vida. Enquanto isso a vida passa e o “meu compromisso é…” continua a pleno vapor, condenando toda uma sociedade à mediocridade e à mendicância estatal.
Caro Roque,
Simplesmente SUBLIME!
Continue sempre nos enriquecendo o espírito com artigos desse imenso valor.
Obrigado amigo Adonis… já estava sentindo falta de sua pessoa.
Caro Roque:
Você está prenhe de razão.
Sempre digo que a desculpa de aleijado é a muleta.
O sempre pronunciado chavão tem tanto valor quanto o arroto de um sapo.
Tenha uma excelente semana.
Magno
Meu amigo ai dos Zistados Zunidos.. é sempre um prazer receber uma crítica sua. Abraços.
TODOS nós, brasileiros, viramos o que ROQUE chama de “estatodependentes”, ou mendigos estatais. Vivemos das migalhas do Estado. E, migalhas amargas e mal feitas.
O interessante e aterrador, caríssimo Roque, é que PAGAMOS todas as mordomias da corja política que nos comanda e eles nos devolvem exatamente o que está em sua crônica: migalhas (algo mal feito, mal acabado, ruim, de baixa qualidade).
Viciados em migalhas há aos milhões, espalhados por todos os cantos e recantos desta merda de pátria sobre a qual caminhamos, sem que a grana que possuímos possa nos levar para um país melhor.
Quixotescamente falando, viramos pás de moinho de vento, condenados a girar, girar e ficar no mesmo lugar.
Que suas crônicas continuem a ser um chute em nossos sacos, para que a dor não nos deixe esquecer os bostas que somos.
Abração sanchiano, imenso Roque do Rei.
Quem me dera dar esse roque, caro Escudeiro-Mor…
A verdade dói , mas é verdade . O texto de Roque não enrola , escreve sobre a realidade , que se encalacrou na vida do brasileiro . Mesmo retirando boa parte dos cretinos dos mandatos , ainda há aqueles que lhes dão suporte na base ” do uma mão lava a outra “. E muitos dos que lhes dão suporte se encontram dentro da “Saúde , Educação e Segurança” , atrapalhando quem é honesto e quer trabalhar. Conheci três vereadores que além de políticos eram trabalhadores visíveis. Um já faleceu , outro abandonou a política , outro restante , mesmo depois de eleito continua a prestar serviços nas escolas públicas , limpeza de ruas e praças . Já o vi em um domingo de garoa após as 21:30 regando uma horta escolar que ele e uns amigos fizeram e mantem, já o vi carpindo ruas com sol escaldante junto com colegas ,só não o vi falando de política. E é o que precisamos , mais ações e menos política. É complicado , mas seria bom outro texto de Roque sobre o assunto , principalmente expondo educação e separando o joio do trigo.
sigo o nobre relator… estará no forno essa solicitação.