Pedro Victor dirigindo em Petrolândia
Antes de envelhecer de vez e me tornar inútil tenho procurado rever e registrar memórias das épocas em que nossas cidades eram quase províncias, os hábitos bem diferentes e as dificuldades maiores.
Na década de 1940, meu pai, por ser Propagandista-viajante, se ausentava de casa durante 25 dias de cada mês. Isto me levava à inquietação, por ter que ficar tanto tempo sem aquela garantia que ele representava para a família.
Longos anos vivemos quando ele desempenhou a função de Representante Comercial de produtos farmacêuticos. Viajava pelo interior de vários estados, utilizando trens, ônibus e até caminhões.
Levava malas cheias de amostras de produtos farmacêuticos, a fim de distribui-las ao visitar médicos e farmácias, para divulgar seus produtos. Naqueles tempos de 1950, um trabalho difícil!
Mamãe tinha pulso, mas a imagem de meu velho era a garantia máxima de todos nós. Daqueles anos até hoje ainda sinto tristeza do tempo perdido; com os momentos que deixei de usufruir com ele.
Felizmente compensei-me, muitos anos depois, com meu neto, Pedro Victor, hoje médico, quando, aos domingos, íamos ao Parque da Jaqueira e ele se esbaldava nos brinquedos. Em outro momento, já adulto, me lembro da emoção expressada em seus olhos, quando o coloquei, pela primeira vez, sozinho, ao volante de um automóvel, numa fazenda em Petrolândia.
Recuperei, naqueles instantes, o tempo que não pude contar com a presença de meu velho. Os anos de minha primeira infância foram marcados por essas ausências. E eu culpava os remédios.
Ainda hoje, quase velhote, sou obrigado – por prevenção – a ir com certa regularidade a consultórios médicos. Percebo rapazes e moças – Propagandistas – esperando, com suas malas modernas e bem menores, dotadas de rodinhas, cheias de amostras de remédios. Nessas horas surge a memória daquele difícil trabalho de meu pai.
Ainda hoje, de remédios quero distância! Mas, felizmente, outro dia, melhorei esse conceito, quando ocorreu uma cena singular. Conversando com um amigo escritor, o médico Garibaldi Bastos Quirino, durante almoço em sua residência, observei que ele abriu uma caixinha de plástico que estava na mesa, onde havia comprimidos que teria que ingerir após cada refeição.
E diante de minha história de vida, temporariamente sem meu pai, ele me alertou que os remédios eram nossos melhores amigos. Saí convencido pela autoridade de ser ele, um médico. Mas nunca esqueci de que, por conta dos medicamentos, fiquei com u’a marca psicológica inapagável, porque eles me roubaram, por muito tempo, o pai que era meu melhor amigo.
Por isso confirmo que as memórias permanecem.