Caríssimo amigo Berto, boa noite. É sempre um prazer imenso poder interagir nesse ambiente sagrado do JBF.
Gostaria que o caro amigo fosse o portador meu mais caloroso abraço aos fubânicos e fubânicas de todo o Brasil.
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UMA ODE À HIPOCRISIA
Entre os dias 29 de junho e 02 de julho de 2023, o centro-sul do continente americano voltou a ser assombrado por mais uma edição do Foro de São Paulo. A vigésima sexta. Novamente, pessoas sem muito o que fazer, ou com pouca vontade de trabalhar, reuniram-se em Brasília para deliberarem sobre a pauta de sempre: amaldiçoar o capitalismo, chamar “us estadunidense” pra porrada, exercitar as mais exóticas manifestações de democracia e lamber as botas da mais fina casta de líderes dedicados à tarefa de eternizar por estas bandas a miséria e o atraso.
Sobre o subdesenvolvimento, a sanha persecutória e a corrupção que devastam a América Latina e escravizam – e matam -, os latinos-americanos, condenaram apenas o governo de El Salvador, identificado por eles como de direita.
A respeito do rastro de sangue e perseguição deixado por Cuba ao longo de mais de meio século e Venezuela e Nicarágua mais recentemente, reinou o mais sepulcral, cúmplice e vergonhoso silêncio. Em seus cérebros atrofiados pela ideologia, governos como os dessas três nações são exemplos de democracia. O mais aterrador é saber que nesse coletivo desvairado, há até os que cultuam essa heresia como absoluta e irrevogável!
Cada vez que o foro de São Paulo se reúne, a democracia sangra e a jornada ao centro do autoritarismo prospera!
Creio que estimulado pelo evento que durante quatro dias tornou a atmosfera política dos brasilienses mais poluída do que costumeiramente é, viajei no tempo e me vieram à lembrança flashes de um texto que escrevi, já se vão quase doze anos, sobre os dias 3 e 4 de dezembro de 2011, datas contempladas por episódios envolvendo universos distintos, mas intimamente ligados pelas causas e efeitos que os revestiam. Um pelo viés insólito. Outro pela dramaticidade implícita.
No dia 3, um sábado, recepcionada por Hugo Chavéz, sob o patrocínio da Comunidade dos Estados Latino-Americanos e Caribenhos, a CELAC, mais nova sigla criada para aterrorizar o centro-sul do continente americano, reuniu-se em Caracas a nata da democracia imposta à América Latina e ao Caribe. Desfilaram sob os holofotes da imprensa capitalista a ser calada – e foi -, democratas da estirpe dos Castros, dos Maduros, dos Morales, dos Correas, dos Ortegas, dos Kirschners, das Rousseffs entre outros não menos perversos.
Aquele ajuntamento de tiranetes, cada um deles sonhando com um país particular só para si, com uma imprensa companheira, com a população submetida ao circo e a oposição à bala, vetou por unanimidade o ingresso dos Estados Unidos e do Canadá na entidade. Decididos a garantir que a injustiça não prosperasse no continente, negaram-se a macular a castidade democrática da CELAC e, por extensão, do Foro, com a presença de representantes dos regimes autoritários que sempre afligiu aquelas duas nações do norte. Não posso afirmar se foi essa a decisão mais importante da reunião, mas, considerando-se o histórico dos envolvidos, não seria desonesto presumir que foi a mais comemorada.
Em nome de alguns brasileiros, Dilma Rousseff assinou o documento que oficializou aquela empulhação cujo texto ridicularizou nossa inteligência e desdenhou da fome que sempre castigou os povos do Centro, do Sul e do Caribe. Representando uma das “democracias” mais sólidas e evoluídas do planeta, ninguém menos que Raul Castro, o presidente cubano de então, foi um dos primeiros a chancelar a farsa.
No dia 4, domingo, arrebatada pela emoção dos indignados, uma massa representativa de brasileiros acompanhou um drama que se desenrolou em algum lugar do Maranhão, protagonizado pelo apresentador de televisão Gugu Liberato e por uma família de oito pessoas que sobrevivia em condições sub-humanas. O grupo de brasileiras era representado por Maria, a mãe, precocemente envelhecida pela miséria e por Raimunda, a filha, uma adolescente de olhos tristes que não ousava encarar o interlocutor famoso. A vergonha, que não deveria ser sua, a impedia.
Morando com as sete filhas num casebre de pau-a-pique que corria o risco de desmoronar a qualquer momento, aquela brasileira corajosa sobrevivia com o auxílio-doença de uma de suas meninas. Já não aguentava quebrar coco para prover o sustento da família. Sem acesso à rede de esgoto e com a fossa séptica saturada, usavam a mata no fundo do quintal como privada e tinham no poço imundo ao lado da palhoça a única possibilidade de saciar a sede. Nunca se soube se a água era própria para consumo humano.
Apesar do cotidiano cruel, milhares de Marias e Raimundas que sobrevivem agarradas à esperança de que algum dia haverá de surgir um outro gugu para redimi-las, teimam em resistir a essa realidade devastadora esparramada desde sempre por esse brasilzão de meu Deus. Valentes por natureza, amparam-se na dignidade nativa que lhes permite enfrentar o flagelo cotidiano que as martitiza e é ignorado pelo socialismo pos-moderno ovacionado por militantes profissionais em foros e reuniões e praticado, com todas as suas consequências, via de regra humilhantes e dolorosas, por governos predadores e corruptos que têm na fome, que alicia e mata, e no subdesenvolvimento, que escraviza e degenera, a certeza da perpetuação da supremacia hegemônica.
Na verdade, de diferente entre a reunião da CELAC celebrada em Caracas em 2011 e o 26.º Foro de São Paulo realizado em Brasília em 2023, restaram apenas as ausências de Hugo Chaves e Fidel Castro, ambas pelo mesmo motivo. No mais, a mesmice vã e cansativa da arenga socialista torna cada vez mais difícil acreditar que algum dia suas lideranças vão deixar de lado o sonho do poder absoluto que os move e dispensar um pouco, por menor que seja, de atenção e respeito à agonia lenta e dolorosa das marias e raimundas, pouco importando se brasileiras, bolivianas, cubanas, venezuelanas, argentinas. Todas são produtos de um subcontinente macabro, subtraído por megaditadores e vilipendiado por subpresidentes.
Continuo a não chorar por ti, América Latina. E chorarei menos ainda depois de mais uma reunião, agora em Brasília, na qual embusteiros vocacionados para a hipocrisia recitaram versos em louvor à democracia que desprezam. Não serás digna de uma única lágrima minha enquanto deres guarida a caudilhos e tiranos.
Se não o teu povo, quem será por ti alatrinada América?
Texto brilhante.
Abordou de forma categórica a realidade em que vive a América Latina, com governos obcecados e obliterados por ideologias espúrias, mantendo permanentemente o povo na mais completa miséria.
Tristes tropicos!
Eita porra! Gostei.