CÍCERO TAVARES - CRÔNICA E COMENTÁRIOS

“Mas cá entre nós, eu acho que depois de morrermos não há nada. Tal como antes de nascermos. Nada.” Ramón Sampedro – personagem do ator Javier Bardem, no filme.

MAR ADENTRO (2004), narra a história do marinheiro, escritor e ativista espanhol, Ramón Sampedro, interpretado magistralmente no cinema pelo ator hispânico Javier Bardem, tendo Ramón ficado tetraplégico após um mergulho numa área rasa do amar e ter batido com a cabeça numa pedra. O filme mostra a luta incessante de Sampedro perante os Tribunais locais pelo direito de cometer suicídio assistido, contando com a ajuda dos amigos e da família, além de um advogado, que abraçou a causa gratuitamente.

Por causa da sua incapacidade física de não poder suicidar-se e morrer conforme seus desígnios, Ramón lutou na justiça durante vinte e cinco anos pelo direito de morrer com dignidade sem incriminar os amigos ou a família que viesse a auxiliá-lo no ato de tirar a própria vida, tomando cianeto de potássio.

Ramón Sampedro tornou público seu desejo de morrer no início de 1990, mas só oito anos depois foi que conseguiu um suicídio assistido, através da ajuda de uma amiga, que antes gravou um vídeo de sua morte que foi divulgado nas redes de tevês do país e do mundo e voltou a despertar na sociedade a importância do debate sobre a despenalização da morte assistida.

A associação espanhola “Direito a Morrer Dignamente” considera que, graças à sua luta e às suas reivindicações, Ramón Sampedro contribuiu para que, em 1995, fosse aprovada uma reforma no Código Penal que reduziu as condenações em caso de eutanásia ou de assistência ao suicídio.

Entre os temas mais difíceis que o cinema ou qualquer outra arte pode tentar retratar, a morte, mais especificamente a eutanásia ou a morte assistida, deve figurar entre os principais. A complexidade da questão, aliada à falta de representatividade entre grandes diretores e roteiristas faz com que sejam raras as películas que se dedicam a debater o assunto. Em 2016, a comédia romântica britânica Como Eu Era Antes de Você recebeu uma série de críticas e protestos por ter, na ótica de muitos, glamurizado a eutanásia e reduzido o debate sério a uma comédia leve e adolescente, que se resolvem em meio a piadas, sarcasmos e uma alta dose de humor. A diretora inglesa Thea Sharrock não teve competência para dirigir um tema sensível com catilogência.

Mar Adentro, anterior à comédia britânica, parece entender exatamente as críticas e se antecipar a todas elas. A história retrata a vida de Ramón Sampedro, o espanhol de meia idade que se tornou tetraplégico, deseja, conscientemente, a morte. Ramón, depois de mergulhar e bater a cabeça numa pedra no fundo do mar, vive numa cama na humilde residência em que mora com o pai, seu irmão José, a cunhada Manuela e o sobrinho Javier. A eutanásia na Espanha era proibida e Ramón precisa contar com a ajuda da advogada Júlia, que simpatiza com sua história, para tentar convencer a Corte espanhola a alterar a lei e atender ao seu pedido.

Todo o drama é escrito de maneira muito sóbria e humana. Não existe qualquer tentativa de se romantizar a questão ou criar heróis e vilões dentro da trama. Um ponto bem claro para evidenciar a preocupação do roteiro é o pouco tempo dedicado ao debate legal sobre a morte assistida em si. As cenas de tribunal são mínimas e os termos jurídicos, inexistentes.

O centro da trama é realmente o sentimento de Ramón e sua relação com a vida e as pessoas à sua volta. Nesse sentido, conforme as relações evoluem, entendemos melhor os dramas de Júlia e Rosa e porque elas se conectam tanto com o protagonista. Júlia sofre de uma doença degenerativa que coloca ela numa cadeira de rodas e a aterroriza quanto ao seu futuro. Ela se apega à Ramón e eles criam uma conexão forte e sensível. Já Rosa, tão machucada em relacionamentos amorosos, projeta em nele um homem ideal e que a dá forças para viver. Quando ela entende que para ele a maior demonstração de amor é ajudá-lo a morrer, ela se entrega e deixa de lutar contra a vontade dele, trazendo à história um final sensível e melancólico, mas nada romântico ou glamourizado.

Toda essa sensibilidade é positivamente ressaltada pelas ótimas atuações e pelo design de produção da obra. A preocupação de Amenábar em balancear a quantidade de tomadas internas e externas dá um alívio ao espectador e evita uma sensação claustrofóbica de acompanhar toda a história dentro do quarto onde Ramón vive. A composição de personagem por parte do ator Javier Bardem também merece destaque, desde as expressões faciais, a postura enrijecida, a respiração e a fala acelerada trazem verdade ao personagem, que através da maquiagem indicada ao Oscar daquele ano o transforma completamente.

Mar Adentro consegue emocionar e ao mesmo tempo trazer reflexões pertinentes, duas características que infelizmente nem sempre andam juntas. O filme é mais um ótimo trabalho do direto Alejandro Amenábar e do cinema espanhol que, merecido, levou o Oscar de Melhor Filme Estrangeiro de volta à Espanha, que havia vencido pela última vez com Tudo Sobre Minha Mãe (1999), do espalhafatoso, mas competente, Pedro Almodóvar.

a) Filme | Mar Adentro

b) Cinema penal: “Mar Adentro” (Espanha, 2004)

17 pensou em “MAR ADENTRO (2004) – REFLEXÃO SOBRE A MORTE ASSISTIDA

  1. Realmente é um filme fantástico .
    Na mesma época , Clint Eastwood dirige o filme Million Dollar Baby , que tem pano de fundo o mesmo tema .

    • Bom dia, estimado Airton!

      O filme realmente é fantástico, O diretor Alejandro sabe conduzi-lo com a sensibilidade de um vou de colibri!

      E olhe que ele trata de um dos temas mais sensíveis e caro à humanidade: a morte assistida!

      Só quem sabe o sofrimento é que com ele convive e é vítima!!

      Abraçaço, amigo comentarista!

      Desculpe-me o atraso do comentário.

  2. Uma boa opção para ver. mais tarde,aqui no friozinho da chuva, meu jovem Cícero. Segue, aqui, uma dica para os amantes de um bom faroeste: Uma série nova sobre a vida de Billy the Kid, desde a sua infância. O título é Billy the Kid mesmo.

    • Beni Tavares, meu estimado amigo do coração!

      Você é 10 aqui no JBF!

      Ah! se todos fossem participativos iguais a você!!!!

      Vou mandar meu filho Luiz Antonio Tavares Portella baixar Billy the Kid, a séie para eu assisti. Com certeza é um tema de faroeste clássico como se abordavam o tema no século XX, Leone, Ford, Stranges e outros gênios…

      Obraçaço, amigo, pela participação! O JBF é uma porteira aberta ao debate libertário!

  3. O tema é bastante complexo e polemico. Suscita muito amadurecimento. Sempre vale dar um mergulho nos conceitos, concepções e…convicções. Daí tem e vem o peso da cultura, religião (dogmas), estrutura emocional, social, etc.

    Quantos ponderamentos haverão nos argumentos de uma “morte digna”: eutanásia/morte assistida???

    Seria a eutanásia uma Morte digna à luz do Biodireito???

    Sou da corrente contraria, mas é uma visão totalmente pessoal.

    Parabéns, mestre Cícero!!!

    • Estimadíssimo Marcos André M. Cavalcanti,

      Obrigado por tecer comentário enriquecedor sobre o tema eutanásia ou morte assistida.

      Não é fácil a discussão, mesmo salutar para ambas as partes. Mais uma vez eu repito: não tenho um juízo formado contra ou a favor.

      Mais ficaria com a opção de Rosa, que relutou bastante, mas acabou por atender o pedido do moribundo.

      Abraçaço, estimado amigo.

  4. Também sou da corrente contrária. Não adiante você antecipar a su
    passagem para o mundo Astral, sem completar a sua tarefa que lhe foi confiada.
    Podes crer, você voltará e vai fazer tudinho de novo, sem fugir um segundo de tudo
    que foi traçado como sua tarefa neste plano material.
    Gostaria de aconselhar a quem interessar possa, que essa nossa passagem
    por este plano material, também é ilusória, pois este plano é apenas uma
    ilusão dos nossos sentidos.
    Tudo aqui é ilusão, a matéria não existe de fato, pois a pretensa matéria é apenas um agregado de átomos que por sua vez é um movlmento elétrico de pura
    energia que não dura um milionésimo de segundo.

    Portanto, que adianta fugir ? Cumpra a sua tarefa que lhe foi determinada,
    agradeça a Deus pela oportunidade que lhe foi dada para que possa evoluir
    espiritualmente, pois materialmente é tudo ilusão.

    Nós somos seres espirituais, não devemos confundir como verdadeiro essa roupa que vestimos. Nós não somos o que aparentamos. Com o passar dos tempos e quando a nossa tarefa for cumprida, nós Desvestimos essa roupa carnal que após
    cumprir a sua tarefa será transformada em átomos ilusórios e como todos os
    átomos, são perecíveis e perdem toda a sua energia. O que resta então ?
    Resta apenas o espírito, o real e verdadeiro espírito que sobrevive neste mundo de Deus a milhões de anos, em diversos universos, pois para Deus nada termina,
    tudo se transforma
    O universo não tem inicio nem tem fim, ele está dentro de nós, ou nós somos uma partícula do universo criado por Deus. Na verdade, a única coisa que existe é a divindade que criou os seres humanos ou não, que evoluem em milhões de
    unidades planetárias, aprendendo a viver a verdadeira vida espiritual e para
    tanto precisa passar por uma ou milhares de experiência, para aprender
    a conviver com outras almas, algumas mais evoluidas e outras em período de
    aprendizagem.
    Essa filosofia é transmitida por serem viventes, no oriente, que cientes da
    realidade verdadeira , não têm ilusões materiais.

    • Adorei o comentário, D,Matt. O mestre sintetiza o bom viver espiritual com a alegria do bem viver.

      Viver é está em paz consigo e com os outros. Nós fazemos parte denna comunidade espiritual.

      Abraçaço

  5. Om dia, e beijos para você, mulher de coração de Anjo, que choro como eu quando assiste MAR ADENTRO!

    Xêros beijos!

  6. Caro amigo Ciço.

    Eu confesso que também aprendi muito com você e com todos os demais colegas comentaristas.
    Isto porque acredito que não podemos ficar trancados, com portas fechadas ( fechadas pela nossa própria ignorância )
    e não darmos liberdade aos nossos pensamentos e as nossas visões além da matéria pesada e ilusória. Quanto mais somos apegados a matéria, mais pesada ela fica e nos
    esquecemos que ela é apenas ilusória e sem nenhum
    peso de qualidade, algo que iremos compreender após passarmos para o mundo espiritual e tomarmos ciência de
    o quanto fomos iludidos pelos nossos sentidos e pensamentos.
    Como estudioso do espiritualismo ( não sou macumbeiro)
    e não acredito nem tenho o menor receio ou presunção
    de que poderes nebulosos possam alterar a minha passagem e meu destino ,programado pelo senhor dos
    destinos, pois creio que recebemos uma tarefa e um programa à ser cumprido aqui nesta orbe terrena.

    Não acredito no acaso, pois como estudioso do espiritualismo. e pesquisador e analista do mundo
    pós matéria, sei o que está por vir ou o que vou encontrar,
    em termos gerais, sei também que terei de prestar contas
    do que fiz e do que deixei de fazer, não por preguiça ou
    desobediencia, mas sim por falta de maior visão do mundo
    do além.
    Não foi por ignorância de minha parte, pois fui muito
    doutrinado por guias espirituais e digo, não por vaidade, mas por esclarecimentos, que sempre, mesmo antes de nascer,
    estive presente em rituais de alta espiritualidade e
    nasci dentro de um templo , o que me proporcionou
    grandes ensinamentos da doutrina espiritual e regras
    de conduta de alta qualidade e que não podemos confundir
    com rituais menos elevados e muitas vezes um tanto sombrio.
    Quanto mais conhecimentos fui absorvendo, ficou mais
    claro para mim que deveria me aplicar cada vez mais na doutrina Kardequiana, pois os ensinamento do nosso
    mestre Allan Kardec estáva e está ainda hoje acima
    dos ensinamentos espirituais contemporâneos.
    Nós sempre aprendemos com os n ossos semelhantes,
    e das vitórias e derrotas desse nosso aprendizado, nos dá
    a oportunidade de selecionar o que é certo do errado e
    assim evoluir para um futuro mais realista e sob o comando
    de Deus.

    Abraços

  7. Parabéns pela perfeição do texto, querido colunista Ciço ou Cícero Tavares!

    O filme “Mar Adentro” é chocante demais. .
    Como cristã, sou contra a Eutanásia,

    Se dificuldades, sofrimentos, desacertos e atribulações nos agridem a estrada, são eles criações nossas, repercussões de nossos próprios atos de agora ou do passado.

    Os desígnios de Deus são insondáveis e a ciência humana por demais precária para poder decidir a respeito de problemas transcendentes das necessidades do Espírito.

    Somente Deus é Senhor do Tempo. Há o tempo de nascer e o tempo de morrer. E a morte é um novo nascimento, agora para a vida eterna…

    Cada minuto, em qualquer vida, é muito precioso para o Espírito em resgate abençoado!

    Grande abraço!

    .

  8. Querido Ciço ou Cícero Tavares:

    Obrigada por citar também o meu nome, no comentário acima (VOCÊ NÃO IMAGINA O QUANTO APRENDI COM VOCÊ, D.MATTT, SANCHO, VIOLANTE PIMENTEL, LUIZ BERTO e outros mais!!!!)

    Já assisti esse filme na TV, há alguns anos. Confesso que fiquei impressionada..

    O filme propicia uma importante reflexão a respeito do direito (ou não) de uma pessoa com uma doença terminal ou de caráter incapacitante, poder tirar sua própria vida., pela chamada Eutanásia, de modo a ter uma morte com dignidade.

    Um dos momentos mais fortes do filme é justamente no momento do diálogo entre Ramón, que advoga o direito a praticar a eutanásia, e um padre que também está numa condição incapacitante e que é contra o direito devido ao fato de que para ele a vida pertence somente a Deus.
    O caso real de Ramón Sampedro nos leva a refletir se é justo ou não que pessoas com determinadas doenças incuráveis ou condições incapacitantes – e que, por causa disto, estejam passando por uma situação de grande sofrimento, poderiam legalmente dar fim à própria vida.

    Repito que sou contra a Eutanásia. Somente Deus pode tirar a nossa vida.

    Abraços!

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