VIOLANTE PIMENTEL - CENAS DO CAMINHO

Em Nova-Cruz (RN), onde nasci e me criei, durante a minha infância e juventude, não havia água encanada nem luz elétrica.

No dia-a-dia, a carne consumida nas refeições era a carne-de sol, na época, chamada de “carne-seca.” Somente às sextas-feiras, no açougue, havia carne verde (gado recém abatido). O preço da carne era um só, inclusive o filé, excetuando-se apenas a carne com osso, que era a mais barata. Não se dava valor a filé. Era uma carne como outra qualquer. Tanto fazia filé, como chã de dentro, chã de fora, alcatra, picanha, patinho etc.

Particularmente, Dona Lia, minha saudosa Mãe, não gostava de filé, por considerá-lo uma carne sem consistência. Sempre preferiu chã de dentro, alcatra ou patinho.

Dona Lia tinha predileção por macarrão. Ela mesma fazia a massa, manualmente, usando farinha de trigo, ovos, e água para unir. Deixava-a descansar um pouco e depois a abria, com um rolo de madeira, sobre um quadrado de mármore, salpicado de farinha de trigo.

Aberta a massa, ela a cortava, com o auxílio de uma faca, em tiras largas, e as colocava para secar, sobre um pano de prato estirado sobre a mesa, também salpicado de farinha de trigo. Depois de seco, o macarrão era posto para cozinhar em água fervendo, com um pouco de sal, por uns vinte minutos, e depois escorrido.

Nessas alturas, a molha (se chamava molha, mesmo) do macarrão já estava no fogo. Era feita com manteiga, massa de tomate e um pouco da graxa do lombo de chã de dentro, por ela preparado, com esmero, e que já estava pronto, na panela. Posto o macarrão numa travessa, era colocada sobre ele a suculenta molha, queijo parmesão ralado em casa e rodelas de ovos cozidos. Em outra travessa, era colocado o lombo, regado com a sua própria graxa, e enfeitado com batatinha cozida, chamada, na época, de “batata inglesa.”

Movida pela saudade, hoje acordei com vontade de almoçar macarrão com lombo, do jeito que Dona Lia fazia. Mãos à obra.

Preparei o lombo de chá de dentro, da forma que eu, muitas vezes, a vi preparar, usando os temperos tradicionais (sal, pimenta do reino, alho, vinagre, tomate, pimentão, cebola e um pouquinho de colorau). Nada de modismos. Coloquei um pacote de macarrão para cozinhar, largo e de boa marca, mas que não chegava nem perto do que ela fazia. Entretanto, com a molha (ou molho), queijo parmesão ralado e rodelas de ovos cozidos, deu para disfarçar.

O queijo parmesão, que agora se compra ralado, já não tem o mesmo gosto do de antigamente, ralado em casa.

O macarrão e o lombo ficaram apetitosos.

Mas, faltava o principal: O toque de Dona Lia, que tinha as mãos de fada e cozinhava divinamente.

Quis comer com gosto, imaginando-a à mesa, ao nosso lado, mas a realidade falou mais alto e a saudade tomou conta do ambiente. Não parou de chover nos meus olhos.

E a falta que ela me faz doeu, ainda mais forte, dentro de mim.

10 pensou em “MACARRÃO COM LOMBO

  1. Minha cara e Divina Violante, ainda são 8 horas e pouco aqui, acabei de tomar café tem pouco pais de meia hora, mas já estou com água na boca de imaginar seu macarrão.

    Minha querida avó, minha madrinha também fazia macarrão feito em casa para almoço de família nos domingos quando reunia seus 12 filhos e quase 40 netos debaixo de uma área da casa onde haviam pés de jabuticaba, numa imensa sombra.

    Tempos muito bons, eu era criança ainda, mas me lembro como se fosse hoje.

    Beijos minha amiga.

    • Obrigada pelo comentário gentil, prezado João Francisco!

      Fiquei lisonjeada com suas palavras, e em saber que a descrição do macarrão que minha mãe fazia lhe deu água na boca… Como sua querida avó, sua madrinha, ela também fazia macarrão todos os domingos, religiosamente.
      Essas tempos felizes, a gente nunca esquece. A saudade é grande…

      Beijos para você, também, querido amigo.

    • Obrigada pelas gratificantes palavras, prezado Rômulo Simões Angélica !
      A emoção, também, tomou conta de mim….

      Grande abraço!

  2. Violante,

    Parabéns pela deliciosa crônica sobre o macarrão com lombo. Muito bom a descrição da receita caseira, pois o leitor fubânico pode utilizar seus dotes culinários ou pedir a uma pessoa com talento no preparo de massas para preparar essa delícia. A origem do macarrão é incerta, mas o que se pode afirmar é que vem da antiguidade. Uma das primeiras referências sobre uma pasta cozida à base de cereais e água remete aos povos da Assíria e da Babilônia, em 2.500 a.C.
    O macarrão veio na bagagem de italianos imigrantes no início do século XIX. A novidade estimulou a cultura do trigo, a construção de moinhos e a criação das primeiras fábricas de massas, contribuindo na economia e também na distribuição dos alimentos. Gosto demais da conta de uma macarronado, então pesquisei a origem e como o macarrão chegou ao Brasil.

    Desejo um final de semana pleno de paz, saúde e alegria

    Aristeu

  3. Reminiscências…
    Ah, essas idas à infância, essas maravilhosas cenas do caminho que nossa musa maior nos oferta a cada sexta…
    Com água na boca… Interessante o quanto nossas infâncias são repletas de viver, de brincar, de ser feliz, enquanto os jovens de agora ficam presos às telas de computadores e celulares,confinados em casas ou apartamentos, cercados onde vão por diversos perigos (drogas, violência, desamor).

    Brigaduuuuuuuuuuuuuuu, Violante!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!

    • Sancho querido, você me emocionou com sua palavras. Obrigada pelo carinho!

      As lembranças felizes jamais sairão da nossa memória.

      Sinto pena, quando vejo as crianças de hoje, nas horas vagas, com o olhar fixo na tela do computador ou do celular, sem direito a brincar num quintal de pés no chão, subir em fruteiras, jogar bola e andar de bicicleta. Sem falar no desconhecimento da comida caseira, hoje relegada a segundo plano.

      Por imposição da mídia e comodidade de certos pais, as crianças dão preferência aos “mcdonald’s ” da moda, com batatinha frita…rsrs.

      Grande abraço, querido amigo! Bom fim de semana!

  4. Obrigada pela gentileza do comentário, prezado Aristeu!

    Realmente, o macarrão caseiro. feito pela minha saudosa Mãe, era esplêndido!!! Inesquecível. e fácil de preparar. O lombo de chã de dentro, também.
    O tempero principal era o amor com que ela preparava a comida, e a alegria que externava, ao nos ver “comer com gosto”. São tempos inesquecíveis.
    Gostei muito da sua explicação sobre a origem do macarrão. Enriqueceu o meu texto!. Você é um excelente pesquisador!

    Desejo a você, também, um final de semana cheio de paz, saúde e alegria,

    Violante

  5. Lá vem a dama do JBF mexer com nossas lembranças e saudades.

    Que atire a primeira pedra, aquele que não se emocionou com a saudade da matriarca, tal como narrado! Se puder, atire uma segunda pedra, quem não encheu a boca d’água com a receita original do macarrão com lombo.

    Provavelmente, Violante, muitos já encomendaram a iguaria descrita na receita. Ou quem sabe, meteu a mão na massa, literalmente. .

    Mãe, produtos originais e naturais, o cheiro, o sabor, esmero. As boas lembranças mexem com a gente. Haja sentimento…haja coração.

    Por aqui, já vou sugerir a “patroa” uma macarronada com lombo, no capricho, para este domingo.

    Forte abraço..

  6. Obrigada pelo gratificante comentário, prezado Marcos André!

    Impossível afastar da nossa memória os momentos felizes, dos tempos idos e vividos.
    Fiquei lisonjeada em saber que o famoso “macarrão com lombo” , preparado com esmero pela minha saudosa mãe, lhe despertou apetite.
    Tenho certeza de que você e sua família irão saborear “com gosto”.

    Grande abraço e um excelente domingo!.

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