MAURÍCIO ASSUERO - PARE, OLHE E ESCUTE

Língua Ferina era a coluna escrita por Adônis Oliveira no Jornal da Besta Fubana. Quando Cheguei ao JBF como colunista, Adônis já protestava de foram veemente contra as mazelas desse país criticando, desde a corrupção desacerbada à leniência do sistema judiciário. Sua opinião, sobre os temas que abordava, eram extremamente contundentes e, quando incomodado com algum texto publicado por outro colunista, Adônis não se fazia de rogado e contra argumentava, quase sempre, de forma ácida. Seu estilo ganhou trocas de “amabilidades” com dois colunistas: Altamir Pinheiro e Fernando Gonçalves, sendo este caso bem mais leve.

O debate com Altamir foi publicado na íntegra, sem cortes e sem censura como é o estilo do JBF. De certa forma, a gente se divertiu com aquilo. Eu digo a gente que estava fora da discussão, mas cada um atribuía à mãe do outro o exercício natural da prostituição. Tudo isso porque Adônis discordou de um texto de Altamir. Com Fernando, foi bem mais leve, mesmo porque Fernando não entrou no debate. Trago estes episódios ressalvando meu profundo respeito ao Altamir, de quem guardo profunda admiração e tenho a pretensão de visitá-lo em Garanhuns, e também a Fernando. Meu objetivo, aqui, é apenas externar o jeito natural de ser de Adônis Oliveira.

Aos domingos, a leitura da coluna Língua Ferina era algo obrigatório porque a lucidez, o conhecimento de Adônis sobre o que escrevia era notório. Um cara absolutamente plural que, com o rigor da formação acadêmica em engenharia mecânica, gostava de demonstrar suas teses, as quais eram baseadas em pesquisas. Poderiam acha-lo arrogante? Sim! Mas, na minha opinião, era apenas um cara realista.

Há pouco mais de seis meses, entrei no JBF para atualizar-me (faço aqui outra ressalva: o JBF, atualmente, é o único meio de divulgação que pinta os quadros com cores reais) e não encontrei a coluna de Adônis. Lógico que fiquei sem entender, mas seguindo as diretrizes democráticas do JBF, não busquei saber o que tinha acontecido, até mesmo porque Adônis continuava como participante do grupo de zap Cabaré do Berto. Confesso que não pensei se tratar de qualquer divergência com Chupicleide. Entendi que se tratava de um momento próprio no qual ele pretendia dar uma pausa. Já aconteceu isso com outros colunistas.

É bom dizer que o JBF é tem uma característica ímpar: tem um Papa, um cardeal e tem um Jesus e no Cabaré do Berto tem uma santa, Tereza. Eis que o Jesus serve de ponte para unir Adônis e santa Tereza numa nítida tentativa de “catequizar” aquela pedra bruta e foi através da santa Tereza que nós que participamos do Cabaré do Berto tomamos conhecimento que Adônis, o mestre, estava acometido de ELA – Esclerose Lateral Amiotrófica. Essa doença, conhecida como doença de Lou Gehrig. Lou foi um jogador de beisebol americano nascido em 1903 e falecido em 1941. O físico inglês Stephen Hawking foi um dos casos mais conhecidos em datas recentes.

Essa doença é degenerativa. Ela quebra, progressivamente, as células nervosas. Dados da literatura médica indicam que 50% dos pacientes morrem em até 3 anos após os sintomas; 20% tem sobrevida de 5 anos; 10% sobrevivem por 10 anos e poucos, pouquíssimas pessoas chegam a viver por 30 anos. No fundo é uma condenação à morte lenta e sofrível.

Isto posto, cabe dizer que soubemos de tudo isso graças a Terezinha, a santa deu a Adônis a oportunidade de viver bem por 4 meses. Infelizmente, esse cuidado não se estendeu por mais tempo porque Terezinha acabou sofrendo um AVC no final de outubro passado e não teve mais condições de cuidar de Adônis. De volta ao Recife, ficou num abrigo localizado no bairro de Candeias e no dia primeiro desse mês, eu eu Marcos André fomos visitá-lo.

Foi bom ver Adônis. Ver a pessoa de Adônis. Assim que entramos, vinho e tábua de frios à mão, ele olhou pra gente e nos saudou: “Professor….vocês aqui? Vocês são foda mesmo!” Claro que fiquei incomodado em ver aquela inteligência limitada pela doença. Conversamos, tomamos vinho, falamos dos quatros meses ao lado de Terezinha e colocamos Neto Feitosa na reunião através de uma ligação. Ao vê-lo, Adônis ergue a taça e disse “se fui pobre, não me lembro!”. Neto disse que faria um esforço para visitá-lo em janeiro e ele respondeu: “Traga o vinho!”

Pois é. Adônis não suportou e socorrida para uma unidade hospitalar, deu entrada na UTI, ficou entubado, respirando por aparelhos e, seguindo sua vontade … não era assim que ele queria viver. Se essa era a única alternativa, então que se desligassem os aparelhos e assim foi feito. Adônis partiu e, do meu ponto de vista, foi melhor assim. Não tem graça entrar nas estatísticas que falei acima apenas para prorrogar a batida de um coração.

Diante do que vi, não corro risco em dizer que Terezinha salvou Adônis de uma morte solitária. Não fosse por ela – parece até trocadilho – Adônis poderia morrer engasgado no seu apartamento e só ser descoberto o óbito dias depois. Foi uma relação curta, mas cheia de significados. Adônis precisava de alguém para socorrê-lo. Terezinha precisava demonstrar sua dedicação por causas humanas.

9 pensou em “LÍNGUA FERINA

  1. Caro Assuero, já há algum tempo tenho pensado no Mestre Adônis, especialmente quando corro as colunas do nosso JBF nos domingos.

    Sentia falta da coluna Língua Ferina, onde aprendia muito. Também sentia falta dos “debates” entre o Adônis e o Altamir, recheados de palavras pouco construtivas, mas muito divertidas.

    Hoje não estava diferente. Quando me deparei com sua coluna com o Título dado à coluna do Adônis, minha curiosidade aguçou.

    Fui lendo e uma boa recordação me vinha. Fiquei triste no final com a notícia da perda do que era, na minha opinião, o mais culto, mais corajoso, mais ácido e mais direto colunista que eu vi nesta Gazeta Escrota.

    É o destino a que todos chegaremos e a cada dia que passa nos aproximamos mais.

    Para mim Adônis deixou um bom legado.

    Abraço

  2. Vai deixar saudades …
    Um grande colunista que utilizava sua verve inteligente para criticar com fundamento tudo aquilo que incomodava a sociedade . O argumento exato e não histeria infundada .
    Um salve para vc , Therezinha e Jesus ,bem como para o Papa Berto que permitiu conhecer esse grande Homem .

  3. No último domingo nós tivemos a oportunidade, você e eu, Assuero, de um aperto de mãos.
    À mesa nos separando testemunhou nossa conversa já recheada de saudade do “mestre da língua ferina”, embora ele ainda não tivesse partido. Isso só se daria de fato na quinta-feira quando seu coração descansou de vez.
    Eu lhe disse naquela oportunidade que “a vida às vezes se atrasa”, referindo-me ao encontro, à paixão e ao amor que viveram Terezinha e Adônis.
    Eu, vetor dessa união, há seis meses recebia os planos bem orientados de Adônis sobre uma viagem à Europa.
    Tudo minuciosamente explicado: compra de passagens, roupas necessárias, hospedagem, aluguel de carro, passeios, lugares, refeições etc. O homem era organizado ao extremo.
    Por aqueles dias dos tais planos ele recebeu a notícia da doença.
    Sonho desfeito? “Não! Adiado.” Respondeu-me Adônis em sua voz de besouro, pausadamente já forçada pelo barque na notícia. “Vá depois. E se eu não for, leve Tereza por mim.”
    A vida às vezes se atrasa.
    Já imaginei tanto que perdi as contas: e se esses dois tivessem se encontrado há dez, quinze anos?
    O choro de Terezinha ao celular quando lhe liguei em sentimento de solidariedade pela passagem de Adônis ecoa em minha mente.
    Viveram, sim, um grande amor. Amor puro, genuíno, de alma e espírito. A companhia um do outro lhes bastava.
    A vida às vezes se atrasa.
    E a morte tantas vezes se adianta. Infelizmente.

  4. Depois de um grande hiato do JBF, volto e fico a par dessa notícia tão desoladora. Prestando meus respeitos e condolências ao nobre touro indomável na publicação referente ao seu falecimento datada no último dia 13, aqui volto meu foco a questão da coluna Língua Ferina.
    Pergunto: há algum meio de resgatarmos esse espaço? Pois não consigo aceitar a ideia de que um acervo tão ímpar tenha se perdido em mera energia térmica. As colunas do Sr. Adônis são parte preciosa do patrimônio literário do JBF e merecem virar um livro com estrutura similar a “O Mínimo Que Você Precisa Saber para Não Ser um Idiota”, de Olavo de Carvalho, através da compilação de seus escritos.
    O JBF foi seu espaço por muito tempo, mas agora seria o momento de projetarmos o nosso touro indomável para um palco maior e o árido mundo literário brasileiro sofrer outro abalo sísmico desde Olavo de Carvalho. Definitivamente, Sr. Adônis merece uma homenagem e reconhecimento desse calibre.

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