Porta pantográfica
Esses pequeninos que vivem entre nós, sempre estão dispostos a nos dar lições. Parecem já haver nascidos sabendo das coisas.
As crianças de hoje já nascem com os olhos abertos, como se anunciassem: “Cheguei para mostrar que temos inteligência bem desenvolvida!”.
Numa época em que morávamos nas proximidades do aeroporto, onde víamos passar bem baixinho, os gigantes dos ares, um dos meus pequeninos filhos, certo dia, me disse:
– Papai, eu quero voar num avião!
E eu respondi:
– Vai voar, sim, meu filho! Quando você crescer mais um pouco, viajará.
Anos à frente, viajamos de férias ao Rio de Janeiro e ele ficou na residência de minhas tias. Mas questionou:
– Porque eu não posso ir viajar?
Argumentamos que nos aviões não havia berços, as crianças ficavam sem poder sair das cadeiras por muito tempo, eram amarradas por um cinto de segurança e ao dormir você não poderiam usar a chupetinha; e “carimbei” outros argumentos. Ademais, você precisa virar homem! Vai se hospedar num hotel. Foi convencido.
Não fez muita questão, sobretudo porque com minhas tias se davam muito bem. Era paparicado, por ser o caçula dos sobrinhos-netos. Mas lhe prometi que quando fosse possível ele viajaria, mas sem a chupetinha.
Anos depois, precisando ir ao Rio, resolvi ir com ele, porque a demora seria coisa de dois dias. Fui comprar as passagens, deixando ele na companhia da mãe. Quando voltei ao carro, fiz-lhe a surpresa: entreguei o Bilhete de Passagem, sob espanto:
– Pra que é isso, papai?
– É pra você entrar num avião e viajar para o Rio de Janeiro comigo. Mas, me disseram que só podem viajar crianças que não usam chupetas.
Ao preparar sua mala, a esposa colocou a chupeta bem escondidinha, para atender a algum caso extraordinário.
A partir do aeroporto fui lhe explicando coisas, a partir da apresentação dos bilhetes de passagem, entrega da bagagem, a ligação dos motores do avião, a inclinação para subir, as nuvens, os dois pousos e decolagens que se realizariam em Salvador, o lanche servido, etc.
O pequenino experimentaria um avião Constellation, da Panair do Brasil.
Reservei um daqueles antigos hoteis econômicos do Rio, cuja porta do elevador era pantográfica. Como os antigos sabem, se trata de um modelo com estrutura de grades, cujo fechamento articulado permite que fique completamente aberta ou totalmente fechada. Além do mais com ampla ventilação.
Logo que chegamos ao Itajubá Hotel e nos credenciamos, fomos para o velho elevador Otis, que estava de portas pantográficas abertas. Ao entrar e ver o cabineiro acionar a porta externa e a interna, ele aplicou:
– Ele vai trancar a gente aqui?
Como chegamos à tardinha, não dava mais para passear, logo após uma jantinha leve, retornamos. Na hora de dormir, metí-lhe o pijama, as meias, liguei o ventilador e notei que ele estava um pouco inquieto. E indaguei:
– Tá faltando alguma coisa meu filho?
– Sim, papai, esqueci minha chupetinha!
– Não, meu filho, sua mãe mandou que eu guardasse na minha mala. Tá aqui. Tome!
Ele olhou para a chupeta, me encarou, talvez sabendo que havia quebrado uma jura: não usar a danada para ter o direito de viajar. E saiu com mais uma, depois de instantes de reflexão:
Levantou-se, perguntou onde era a lixeirinha do quarto e lá jogou o “vício”, afirmando, feito gente, cheio de orgulho:
– Não uso mais chupeta, papai! Já sou homem, viajei de avião e conheci um hotel!
Hoje fico imaginando: como são vivas e inteligentes aquelas crianças da década de 60! A cada momento nos davam mostra de que eram portadores de muita vivacidade. Os olhinhos viam, gravavam e ouviam tudo. De fato, não poderei negar que recebi muitas lições dos pequeninos!