A expressão que usei como título é de Machado de Assis; também é dele a explicação: O dia da morte de uma liberdade sempre é a véspera da morte de outra liberdade. Me parece uma boa expressão para definir o que vêm acontecendo com nossos direitos fundamentais: fomos perdendo-os, pouco a pouco, o fim de cada um prenunciando o fim do próximo.
A segunda metade do século 19 foi uma época de liberdade e de progresso. De um mundo escuro e pobre, onde todo o esforço era feito pelo homem ou por animais, passamos a um mundo com eletricidade, motores a vapor, trens, telefone, máquinas para trabalhar o ferro e a madeira. O ferro foi transformado em aço, a pedra foi substituída pelo concreto. Nos países desenvolvidos, as cidades deixaram de ser amontoados de casas onde a urina das pessoas e a dos cavalos se misturava pelas ruas. As cidades passaram a ter ruas e avenidas planejadas, água encanada, esgotos, luz elétrica, bondes. Havia indústria e comércio, e navios cruzavam os oceanos transportando mercadorias. Uma pessoa transportada de 2020 para 1880 estranharia muito o pequeno tamanho dos governos, os poucos impostos e a quantidade de coisas que podiam ser feitas sem a necessidade de autorizações, carimbos e taxas.
O primeiro golpe dos governos no século 20 foi uma guerra inútil que na época foi chamada “A Grande Guerra”, e mais tarde rebatizada de “Primeira Guerra Mundial”. Pode-se dizer que sua causa foi simplesmente a vontade dos governantes da época de brigar uns com os outros, mas de um modo que custasse a vida de terceiros, não as suas próprias. Durante quatro anos, sessenta milhões de pessoas foram transformadas à força em soldados e amontoados em trincheiras, enquanto os soberanos e os marechais se reuniam em seus seguros e confortáveis palácios, discutindo estratégias para obter o maior ganho possível da morte de seu próprio povo. A guerra também marcou o fim do livre comércio e criou o conceito de “pedir autorização ao governo” para tudo.
Uma década depois da guerra, os presidentes Hoover e Roosevelt criaram a Grande Depressão. A partir dali, o povo foi informado que o governo podia cobrar quantos impostos quisesse, podia controlar o que quisesse, podia regulamentar tudo o que desse vontade. Ah, era tudo “pelo bem do povo”, claro. Afinal, não podemos deixar o João vender para o José e o José comprar do João sem o governo carimbando e autorizando (e tributando, naturalmente) cada passo que o José e o João dão.
A lambança da Primeira Guerra trouxe uma Segunda, que foi o momento do “planejamento científico”. Nessa época, foi informado ao povo que ele devia obedecer cegamente ao que o goveno mandava, porque o governo era formado por milhares de “especialistas” que sabiam as respostas certas para tudo.
Em 1972 o presidente Nixon chutou o balde de vez: admitiu para o mundo que o dinheiro era deles, dos governos, e que eles faziam o que queriam com o coitado. O povo descobriu que não podia mais guardar seu suado dinheirinho em casa, como uma reserva para o futuro: se fizesse isso, a inflação produzida pelo governo faria o dinheiro derreter. Havia a opção de guardar o dinheiro no banco, em algum investimento. Como um efeito colateral altamente desejável, o banco informava ao governo todos os detalhes sobre as economias de cada um, e até fazia a gentileza de separar a parte que o governo queria para ele.
Em 2001 o mundo ocidental descobriu o que acontece quando fanáticos religiosos ficam milionários: eles usam o dinheiro para matar quem não concorda com eles. Com o susto do 11 de setembro, o governo nos avisou que para nossa segurança ele passaria a monitorar nosso telefone, nossa internet e nossos cartões de crédito, instalaria câmaras nas ruas para nos vigiar, e para entrar em qualquer lugar precisa passar por detector de metais e raio X.
Agora, em 2020, o governo nos avisou que quando eles sentirem vontade de brincar de ditador, é só gritar a palavra mágica “pandemia!” e todas as leis vão para o lixo. Prefeito pode mandar prender, governador pode mandar fechar e/ou saquear empresas, pode-se gastar dinheiro à vontade, que depois a gente aumenta os impostos e tudo bem. Mas é tudo para nosso bem, e o povo acredita tanto nisso que até ajuda a xingar quem tiver a ousadia de usar o próprio cérebro, ao invés de apenas repetir o que o governo manda.
Das poucas liberdades que ainda temos, qual será a próxima a morrer?
Perfeito. Parabéns!
Caro Marcelo, você falou do progresso e da morte da liberdade desde o século XIX, passando pelo século XX até a nossa situação atual do século XXI.
Do modo como está dito eu entendi que a seu ver, com explicações simplistas, que o capitalismo não coaduna com liberdade.
E o comunismo, como fica nesta história?
João, capitalismo (no meu entender) é um sistema econômico, não político. Funciona melhor com liberdade, como aconteceu no século 19.
Ao longo do século 20, o sistema econômico capitalista teve que conviver com sistemas políticos cada vez mais opressores. O problema é que não há consenso sobre como chamar isso:
– O pessoal da esquerda gosta de chamar o conjunto todo de capitalismo e alegar que ele não é bom e deveria ser substituído pelo socialismo (que continuaria tendo capital e portanto continuaria capitalista).
– O pessoal da direita chama as intervenções do governo de socialismo ou comunismo, mas só quando não é bom para eles. Quando é, vira “estado forte”.
– Alguns libertários que não são nem esquerda nem direita, como eu, chamam isso de Capitalismo de compadres, mas também poderíamos dizer que no fundo são variações do fascismo, que é justamente a combinação de iniciativa privada empreendendo com governo grande regulando tudo. (por isso fascismo é chamado terceira via: seria um meio-termo entre o livre-mercado, onde a participação do governo na economia é mínima, e o socialismo/comunismo, onde esta participação é máxima)
– Por fim, no mundo dos intelectuais, cada um chama como quer, é só inventar uma expressão moderninha, tipo socialismo democrático, neo-liberalismo, pós-liberalismo, neo-con, e por aí vai.
Fico com W. Churchill:
“A desvantagem do capitalismo é que é desigual na distribuição das riquezas; a vantagem do socialismo é que é igual na distribuição da miséria”
Você conhece Rui Barbosa…
¡Hay cierta gente que no le gusta la verdad!
“O Comunismo não é a fraternidade: é a invasão do ódio entre as classes. Não é a reconciliação dos homens: é a sua exterminação mútua. Não arvora a bandeira do Evangelho: bane Deus das almas e das reivindicações populares. Não dá tréguas à ordem. Não conhece a liberdade cristã. Dissolveria a sociedade. Extinguiria a religião. Desumanaria a humanidade. Everteria, subverteria, inverteria a obra do Criador.” Rui Barbosa
Caro João Francisco,
Os dois, capitalismo e comunismo, são simplesmente as faces da mesma moeda.
Governo é canalha, seja qual for a sua desculpa ideológica. Governo bom é governo morto!
Você tem duas opções de vida: Ou faz um concurso e, a partir da aprovação, relaxa e goza das benesses de fazer parte da casta dominante; ou fica feito eu, com a consciência em paz e fudido, tendo de carregar essa corja de bandidos nas costas.
Adônis tem razão:
Durante esse mais de duzentos anos de vida nunca entrei numa “repartição pública” para não encontrar um “funcionário” faltoso porque está “doente” ou por ter ido “resolver um problema pessoal”, principalmente em TODAS AS PREFEITURAS DO INTERIOR!
A maior explicação que você encontra num sujeito que está se preparando para fazer “concurso público” é o de que, a partir do momento que passar, a estabilidade está garantida e a produtividade vai às cucuias, à puta que o pariu, à merda! Que se dane! Eu quero é o meu no final do mês!
No Brasil, até a função de juiz tem de ser terceirizada, que me desculpe quem pensa diferente, e ser cobrado por produtividade. Caso fique como um parasita, rua! Rua!…
O Capitalismo é uma religião, onde a produtividade gera progresso e riqueza e trabalho e emprego e consumo… No Socialismo, no comunismo, em outros ismos o que há é um parasitismo.
O capitalismo é a exploração do homem pelo homem. O socialismo é o contrário.
Millôr Fernandes
Caro Bertoluci.
Lapidar! Fenomenal!
Você traduziu em poucas palavras o que eu levaria laudas para descrever, ou confirmar aquilo que Ronald Reagan falou a respeito do tema: “O governo não é a solução, ele é o problema”.
E ainda tem neguinho, pardinho, branquinho e amaneirados que acham que governo é a solução para tudo.
Eu, por mim, se manter o governo mais longe de minha vida e do meu bolso, já me dou por satisfeito.
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A bem dizer… em suma, é preciso achar um culpado.
Pensar dói.
Não se perde o que nunca teve (liberdade).
Subalternizando tudo ao lucro financeiro quem é o livre?
Presta-se a atenção necessária ao correto uso dos recursos?
Só se perde aquilo que não se pode conservar.
E conserva-se aquilo que nenhum poder pode tomar.
O governo, o patrão, o diabo a quatro é o culpado, mas nunca a submissão voluntária aos ditames do ego escravo do desejo, do medo e da memória.
O Sânias. O não-ser ou, pelo menos, o não-estar-nem-aqui é evitado ao máximo.
Não-ser significa “morrer” o temor mais básico do ego.
Portanto é preciso mediar, controlar, dispor e revoltar-se contra outros entes imaginários quando a realidade bate a porta e diz: você não é melhor, nem pior, nem diferente de todos os demais e está sujeito a Serena Lei de causalidade que governa o universo.
Se algo no seu modo de vida é injusto nunca terá a paz que necessita.
Coloque preço em tudo e veja se isso dá certo.
Quando os ancap e mise-rentos e outros defensores do indefensável vão entender que a mediação social pelo dinheiro é segregacionista, excludente e ineficiente?
Nunca.
Mas quem disse que A Realidade está preocupada com a opinião de quem quer que seja.
E tome peia.
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