CORRESPONDÊNCIA RECEBIDA

Caro Berto,

noticias ruins para um recém operado de câncer, mas a vida segue…

Quando eu morrer quero ser cremado.

Quando eu morrer
Não aprisionem meus restos
Em uma sepultura
Que pouco será visitada
E, com o tempo esquecida

Prefiro ser cremado
Para que minhas cinzas
Voem ao vento
Como minha alma, ou espirito
Ao sabor dos desígnios do Criador

Talvez sirvam de adubo
Para uma arvore que plantei
Ajude a recuperar um solo infértil
Mas, com certeza terá
Um destino mais nobre

Melhor aproveitamento
Que ficar encerrado para consumo
Dos vermes, ocupando espaço
Inútil, como são todos os cemitérios
Solitários, lúgubres, tristes

Qual a bobagem
De se guardar ossos
Esquecidos em uma tumba
Onde jamais serão visitadas

Espero que deem ao meu fim
Um destino mais produtivo
Menos oneroso e, útil
Com certeza um uso
Fecundo para todos

Bobagem restringir a sepultura
Conotação de passado
Pois nada volta, todos seguem em frente
E pouco a pouco restará nada
Do que um dia fomos, até nas memórias

Não precisarão chorar
A beira de um tumulo
Que nada representa
A não ser um lugar
Onde se presume que lá estarei

As lembranças ficarão na mente
De com quem convivi
Nos objetos, livros que li
Nas fotos e filmes caseiros
Enfim, naquilo que toquei ou produzi

Sei que amei sem saber
Fui amado sem saber por quem
Felicidades tive muitas
Compensando tristezas
Afinal a vida é uma eterna mudança

Conquistas tive, mais que as merecia
Afinal, pouco queria
Mas, dentro do objetivo
Posso dizer que as tive
Foi melhor que imaginei, num passado distante

Joguem ao vento minhas cinzas
Deixem que elas encontrem
Lugar para ficar
Representa o que o mundo espera
De nós, por não sabermos onde nos colocar

Fixar meus ossos em um único ponto
Apenas denota insensibilidade
Ao meu desejo, se posso exprimir algum
Deixem meu corpo se perder
Em inúmeras partículas

Elas flutuarão no espaço
E, saberão chegar onde quiserem
Sem um sepulcro perpetuo
Onde apenas se aprisionam ossos
Sem sentido ou destino

Jazigos serem para emoldurar
Posses, mesmo no infinito
Cinzas representam renascimento
Não delas, mas de quem delas precisam
E, por que não, voltaremos renascidos

Renascer em plantas
Que servirão para ornamentar,
Flores que serão admiradas
Ou, em alimento para necessitados
Matando a fome de desprovidos

Assim, não será preciso
Deslocamento, quase impossível
Para recordar quem fui
Apenas saudade, para aqueles
Que assim possam sentir

Basta me lembrar
Num cantinho de sua memória
E, lá estarei, sem ocupar muito
O espaço que já serão de tantos

2 pensou em “JOSÉ ALVES FERREIRA – SÃO PAULO-SP

  1. JOSÉ ALVES FERREIRA,

    Para minha carcaça desejo o mesmo destino que a sua: cremação, e as cinzas serem poeiras das estrelas, seguindo os passos do genial Carl Sagan.
    Não desejo ser túmulo no cemitério.
    Não desejo choro, nem vela, nem caixão.
    Só alegria para o que eu fiz de bom.

    Se magoei alguém um dia, ou fiz merda inconscientemente, que me perdoe as bobagens.

    Faz parte da vida.

    E a morte, um dia a vida vai levá-la. Não para o Céu, porque o Céu não existe,
    mas a bondade, que deveria ser o norte de toda a gente.

    Fui!

  2. Não quero nem imaginar quando esse dia chegar… Mas quando chegar pode ter certeza que lembrarei do avô incrível que o senhor foi. Uma das pessoas mais íntegras que conheci na minha vida, de caráter e boa índole, batalhador e trabalhador, que inclusive foi assunto hoje, enquanto minha mãe atendia uma cliente. Quando esse dia chegar, o senhor será lembrado, a cada foto que eu tirar o senhor estará lá, aliás, foi o senhor quem plantou essa sementinha no meu coração, na literatura, na arte e cultura, você estava lá pra me ensinar.
    Te amo imensamente, sofrerei demais quando chegar a hora do adeus.

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