Mestre Berto,
Sou muito grato pela sua valiosíssima participação no “Balcão da Poesia”.
Acredito que essa sua vivência com o seu amigo Orlando Tejo, autor de “Zé Limeira – Poeta do Absurdo” mereça ser compartilhada com os leitores fubânicos.
Por esta razão envio-lhe o vídeo a seguir, (com o coração eternamente agradecido, e ancho!):
E para os leitores que quiserem acessar o link de inscrição no meu canal é só clicar aqui
Obrigado, muita saúde, um forte abraço a todos e até a próxima.
R. Meu caro, disponha sempre deste seu amigo.
Estou às ordens quando você quiser para participar do Balcão da Poesia.
Ainda mais pra falar de uma figura fantástica como o meu saudoso e querido amigo Orlando Tejo.
Tejo foi um marco, um ícone da literatura nordestina.
Neste vídeo aí de cima eu falei de um texto que Tejo escreveu sobre o meu livro A Prisão de São Benedito e outras histórias.
Pois bem.
Como sou muito inxirido, vou aproveitar a oportunidade pra me amostrar um pouquinho.
Vou fechar a postagem transcrevendo o texto de Orlando Tejo para os estimados leitores desta gazeta escrota.
Abraços e uma excelente terça-feira pra todos vocês!!!
* * *
ASCENSO, PALMARES, LUIZ BERTO – Orlando Tejo
No silêncio misterioso das ruas de São José, os passos de Ascenso. As madrugadas, ali, cheiravam a eternidade. Uma paisagem imutável: ruas estreitas e tortas, paralelepípedos em desnível, o casario encardido, aquele ranço de história antiga nas calçadas sinuosas.
A poesia das esquinas mal-assombradas, a magia da noite, o rumor da noite, das noites eternas de São José, noites de Ascenso e minhas também. Lá iam cento e sessenta quilos pisando contra a Rua do Rangel, e ecoando no Beco do Porão, na Rua do Muniz, no Pátio do Livramento, no mercado de São José.
O chapéu branco, branquíssimo, de grandes abas, era o realce único no cenário tenebroso do bairro. A brasa do charuto Cezário Pai lembrava um farol ambulante desorientado, uma tocha solitária entre as sombras fantasmagóricas do desalinhado urbano.
De quando em vez, trovejava no meio do tempo, acordando o bairro. E trovejava mais forte, porque as gargalhadas de Ascenso eram mal-educadas e intempestivas. Ria-se das histórias que ele mesmo me ia contando, sempre, e sempre sobre o bulício de sua infância em Palmares, “uma esculhambação organizada” que teria percorrido alguns milênios. Àquela época (1956), eu não me apercebia deste privilégio: era o único jovem de vinte e um anos amigo íntimo de Ascenso Ferreira. Eu trocara Campina Grande por Recife e aí desembarcara com um único documento: uma carta de Raymundo Asfora me apresentando ao Poeta. Ao encontrá-lo no meio da noite numa roda de chope d’O Pigale, após meia hora de chope e alguns sonetos, entreguei-lhe a carta de apresentação. Ele recusou-se a lê-la: “Diga a Asfora que crie vergonha!”. Mas o seu olhar, o seu sorriso e um grande abraço intimaram-me a ser seu irmão siamês.
Pela mão de Mauro Mota, logo entrei para o Diario de Pernambuco, onde Ascenso passou a ir apanhar-me invariavelmente a uma hora da manhã. Para nós, era a boquinha da noite. E entre histórias de Palmares, bicadas de cachaça e mijadas em troncos de velhas árvores, surpreendíamos a aurora (no curso da madrugada Ascenso não podia ver uma árvore, assim como um cão não pode ver um poste).
O sol nos encontrava sentados num banco defronte à estátua de Sacadura Cabral, ao lado do Grande Hotel, já no Cais de Santa Rita. Era tempo de continuar a história (sempre interrompida) de como as polacas conseguiram depravar o baixo meretrício do Bairro do Recife, nos primeiros quartéis do século. Mas a garrafa de cachaça ia acabar e a conversa voltava fatalmente para os Palmares.
O Poeta emaranhava suas peripécias de menino com os feitos de Zumbi. Minha cabeça transbordava de Quilombo. Esses elementos interligavam-se aos Palmares da meninice de Ascensão e a cidade passava a ser a mais importante de Pernambuco. Para mim, era Palmares o ponto inicial das importâncias de Pernambuco e adjacências.
Por uma consequência natural, tornei-me amigo de Jayme Griz. E a pátria de Zumbi cresceu no meu amor.
Tempos depois, já em 1971, e por circunstâncias de uma profissão que não chegou a ser cometida, fui dar com os costados em Palmares. Chegando à cidade por volta das catorze horas, procurei o juiz da comarca. O meritíssimo estava dormindo. Indaguei pelo promotor público. Também dormia. O tabelião poderia facilitar as coisas, mas também, infelizmente, dormia. Todo o Fórum dormia. Voltei desapontado. Morfeu havia tomado conta da Justiça em Palmares. Tornei a ir lá algumas semanas depois e me espantei, porque a cidade estava acordada demais. De forma que a imagem da urbe continuava a ser, na minha óptica, uma coisa enigmática, nebulosa, desarrumada.
Há alguns meses, porém, A Prisão de São Benedito e outras histórias, o mais opulento livro que já li em seu gênero, possibilitou-me a visão clara e geral do universo palmarense.
Nessa espécie de radiografia sentimental e sociológica de sua terra, Luiz Berto simplesmente despe a cidade aos nossos olhos, e assistimos, extasiados, ao espetáculo da humanidade. A dimensão que o livro confere a cada personagem do seu elenco humano – e esse elenco envolve praticamente o município – dá a Palmares um destaque jamais conquistado por outra cidade.
Em cada página de A Prisão de São Benedito e outras histórias a comunidade agiganta-se na sua própria humildade e tudo é um burburinho de intensa pigmentação social. E tudo se alinha harmonicamente num conjunto de grandiosidades, circunscrevendo cenas bombásticas de misérias, torpezas, felicidade.
Nunca os tipos populares de nenhum lugar mereceram perfis literários mais precisos. Nenhum deles é caricaturado. São todos fotografados com a exatidão da arte que se pode exigir de um mestre. Luiz Berto os faz desfilar em assombrosa passarela universal, cada um deles com seus cacoetes humanos e suas características congênitas, de maneira que o leitor se assenhora, fundo, do riquíssimo cotidiano local que, em verdade, não é diferente do dia a dia de nenhuma outra cidade interiorana. Todas as cidades possuem os mesmos doidos, os mesmos boêmios, os mesmos aleijados, as mesmas prostitutas, as mesmas presepadas; e os bares, o cabaré, a noite, o clima de vida, o folclore, enfim, são clichês. Tipos populares, portanto, não são privilégio de lugar algum. Ocorre, todavia, que somente Palmares deu um Luiz Berto. E isso explica o fenômeno. É o mesmo que pensarmos o que seria a Bahia sem Jorge Amado.
O fato é que Luiz Guarda, Biu do Tacho, Pimpão, o Velho Rabeca, Vaca Braba, Telles Júnior, Veludo do Pife, Mané Peito de Aço, Amaro (“Cotó”), as ruas de Palmares, a Coreia, o Avião de Paulo Afonso, tudo entrou definitivamente para a história pela magia de um talento que se impõe no cenário atual mais nobre da literatura brasileira.
Tomem nota deste depoimento: nunca li, em nenhum escritor pátrio, nada mais tocante nem de tanta grandeza, nenhuma página mais lírica e eterna do que Nós, os meninos de Palmares, com que Luiz Berto inicia A Prisão de São Benedito e outras histórias. Nesse delírio, o autor, na companhia de Romildo Pilica, Adeildo Baé, Antônio Maromba e Fernando Gata, os meninos mais felizes de todo os brasis, voam nas asas da liberdade rumo a Pirangi. Eles vão flutuando na grande tarde ribeirinha e, aconteça o que acontecer, não importa, eles vão a Pirangi. E eles são os únicos meninos do mundo que podem ir a Pirangi amorcegando estrelas vespertinas da ilusão. Lembrem-se: somente eles, os grandes vagabundos pequeninos, vão a Pirangi, unicamente eles, os “guardiães do vento, vigias do barulho das águas, apontadores de estrelas, gáveas ao vento, imagens do cão, arteiros”.
Berto, obrigado por transcrever esse texto!!!
Parabéns pelo brilhantismo, querido Escritor Luiz Berto!
O texto de Orlando Tejo, sobre a sua excelente obra, “A Prisão de São Benedito e outras histórias”, destacando sua página inicial, “Nós, os meninos de Palmares”, é belíssimo e emocionante!!! Um verdadeiro poema em prosa! Estou encantada!!!
Grande abraço!
Vinda de uma criatura tão talentosa como você, esta apreciação me deixa muito feliz.
Obrigado, querida amiga!