CORRESPONDÊNCIA RECEBIDA

OS CICLOS DA VIDA E AS ESTAÇÕES DO ANO

A primavera é a estação em que a infância e a juventude tem a gracilidade das flores, vai do nascimento aos 21 anos. É nesta estação que a adolescência, sonhadora, se faz inquilina do espelho. Para isso não lhe faltam avalistas de crédito, cada qual mais encantador: um rosto jovial; uma cabeleira basta, esvoaçante; um sorriso doce e terno, enfim, uma paisagem fresca e graciosa, exclusividade dos que vivem a plenitude do calendário primaveril. Mas, o tempo, que traz na sua composição ingredientes corrosivos, tem o condão de promover mudanças. Sutilíssimas transformações são verificadas nas doces feições antes que a primavera complete o seu ciclo.

Chegou o verão, tempo de maturidade, vai dos 21 aos 42 anos, é quando se atiça o sentido de direção. Enquanto na primavera o espelho exprime aberração fanática, no verão o seu uso é comedido. Os habitantes desta quadra, distraídos com suas buscas e conquistas, por vezes não percebem que o outono já lhes bateu à porta.

Chegou o outono, maturidade autêntica, abrange o ciclo dos 42 aos 63 anos. Nesta fase, em que o espelho é de uso secundário, dá-se a preparação para a velhice.

Finalmente, chegou o inverno, a estação anosa, tempo de serenidade e sabedoria, começa a partir dos 63 anos. Nesta quadra já não há inquilinos para alugar o espelho: o rosto, que era jovial, encheu-se de rugas; o sorriso, que era franco, tornou-se moderado; a cabeleira, basta e esvoaçante, desapareceu; o olhar, arguto, cheio de brilho, tornou-se opaco; os passos, céleres, tornaram-se lentos; a voz, erguida, tornou-se macia e calma. Enfim, com as flores do vaso emurchecidas, o que era bonito ficou feio. O espelho, que um dia se fizera escravo da vaidade romântica, agora, de raro em raro, tem a serventia de desfazer ilusões. Mas, atrás do feio estão pessoas luminosas, de espirito apurado, “valorizam muito mais o que vem de dentro, menos o que vem de fora”.

 

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