Fatura é o documento que especifica o valor de produtos ou serviços que ainda não foram pagos. Na vida há fatura para tudo, até mesmo para o frescor da mocidade. O período da juventude pode parecer brinde do Criador, mas não é, tem um preço a ser pago. Mas a fatura desse período só chega depois de transcorrido todo o calendário recreativo. Durante o recreio, cheio de sonhos e transbordante de entusiasmo, a vida humana é faceira, garrida, inquieta, plena de efervescência.
Porém, depois de exaurida toda a quadra da mocidade a velhice, inexoravelmente, baterá à porta de cada um. De ação corrosiva, a velhice tem a incumbência de promover uma metamorfose profunda na vida dos humanos: a pele sedosa se torna engelhada; a agilidade se torna lentidão; a impaciência cede lugar a paciência (“Paciência não passa de uma maneira consensualmente aceita para abdicarmos de nós mesmos” – Caio Fernando Abreu), e por aí além.
Enquanto as luzes intermitentes de uma árvore de natal exprimem a inquietação e a ligeireza da juventude, a luz embaciada da lamparina de azeite exprime a quietude e a lentidão da velhice. E quando o corpo se encontrar em adiantado estado de esgarçadura, aí dá-se início ao pagamento do frescor da mocidade; é a fase espinescente da vida.
Nessa ocasião os humanos, finalmente, se curvam à realidade do soneto denominado CONTRASTE, da autoria do camões brasileiro, o Padre Antônio Tomás, (1868/1941):
Quando partimos no verdor dos anos,
Da vida pela estrada florescente,
As esperanças vão conosco à frente,
E vão ficando atrás os desenganos.
Rindo e cantando, célebres, ufanos,
Vamos marchando descuidosamente..
Eis que chega a velhice, de repente,
Desfazendo ilusões, matando enganos.
Então, nós enxergamos claramente
Como a existência é rápida e falaz,
E vemos que sucede, exatamente,
O contrário dos tempos de rapaz:
– Os desenganos vão conosco à frente,
E as esperanças vão ficando atrás.