CORRESPONDÊNCIA RECEBIDA

“NÃO PISE NO MEU RABO” 

Os pensamentos, feito os pássaros, nasceram para a liberdade, arribam quando querem, vão e vem. Num átimo de segundo revolvem o pretérito, assistem ao presente, tentam ler a carta fechada do porvir. Nesse intérmino fluxo, e sob o incentivo da pandemia, (forasteira que já goza de estima), acabaram por revelar uma paisagem distante, meio fosca. Era um prado arrebatador, sopé de uma Serra, (do Encantado), plena em cumeadas, todas recobertas de vegetal arbustivo.

No centro desse vastíssimo prado, tabuleiro no dizer dos nativos, havia uma figueira copada que sombreava um mocambo, cujas feições, irrisórias, tinham o carimbo da taipa e do chão batido. Ambos, ela e ele, eram felizes e se queriam bem, mas a figueira, com ar de matrona que sente prazer em amadrinhar os mais escassos, parecia querer agasalhar o mocambo sob seus esgalhos expandidos, assim como as galinhas amparam suas redadas de pinto sob suas asas.

De esteiras de palha eram feitas as portas e janelas do mocambo: comuns usanças caboclas, dos tempos em que a ecografia atendia pelo nome de parteira, a primeira a atestar o sexo do recente. Nesse berço, coberto de palha de carnaúba, a infância vigorou plena, espontânea, sob os rigores do rei Sol e de uma felicidade que não ligava importância ao pão. A infância, plena, pautava-se por um estatuto menineiro cujo mandamento cardeal consistia em assegurar todas as modalidades lúdicas: correr, saltar, vadiar, entreter, enfim, todos os divertimentos benignos.

O terreiro, piçarroso, amplo, sombreado, era convidativo, de muitas valências: tanto servia às prosas enluaradas, quanto às galinhas, que o escarificavam e o sujavam. De quebra, servia para congregar o apoucado rebanho caprino que, à noite, acamava-se para descanso e procederes ruminativos. O fazia ordinariamente, em estado quase de torpor, sob os olhares espertos da melhor sentinela, o Peri, tão caçador eficiente, quanto formidável atalaia durante as desoras.

Apesar das enjoativas emanações da rabugem do Peri, todos rendiam a ele a melhor das considerações, tamanho o seu desvelo. Como a um servo que não descuida das suas obrigações, Peri, subserviente e cordato, aceitava tudo, menos que lhe pisassem ao rabo. No olhar oblíquo e trombudo de Peri lia-se o cartaz: “não pise no meu rabo!

8 pensou em “JACOB FORTES – BRASÍLIA-DF

  1. Nasce um cronista.
    Jacob, gostei do estilo, tem o dom de fazer ver a cena.
    Ah, eu conheci um cachorro mansíssimo, desde que não lhe pusessem a mão no rabo. Virava bicho. Parecia complexo de machideza.

    • Creio que o cronista estava é algemado nos porões da alma de Jacob e o JBF o ajudou a “sair do armário” e partir para o abraço.
      Junte-se aos bons e serás um deles… Venha Jacob, junte-se aos maus, os malacabados fubânicos, paridos por Berto.
      Bem que notei que a barriga do chefe estava maior do que de costume. Berto estava prenho de Jacob.

      • Gostei da metáfora: “Berto estava prenho de Jacob”. Sensibilizado, agradeço os elogios! “Não existe fortuna crítica mais rica do que o aplauso dos leitores”. Mas se críticas vierem serão recebidas, humildemente, como tábua de salvação “Antes salvar-se pela critiquice a arruinar-se pelos elogios”.

  2. O bom deste jornal é que qualquer um pode escrever o que lhe der na telha seja advogado , médico , psicólogo , direitopata , esquerdopata , servidor público , ou corrupto profissional e todo mundo pode criticar ou aplaudir. Atento a isto devo acrescentar o trecho final de outra coluna : Triste do país em que um político é INFINITAMENTE SUPERIOR a a maioria de toda a administração pública , pelo simples fato de não ser ladrão , não ser canalha , não ser corrupto , e também não ser um grandessíssimo filho da puta. E aquele colunista não teve papas na falava do Brasil .

    • Joaquim, você aborda o lado pesaroso do Brasil. A política é uma benção quando pautada pela virtude, assim como fez o singular e inigualável Mandela.
      Quanto ao JBF, é, deveras, um jornal eclético, clínica geral, acolhe matérias de todos os matizes. Por falar em mescla, certa feita, quando errava pela Serra da Ibiapaba, deparei-me, arredada do frisson de Tianguá, com uma placa, ruça pela ação do tempo, denominada MISTIFÓRIO. Conhecendo o vocábulo, parei e adentrei o estabelecimento. Para tirar a prova dos nove perguntei se tinha um funil relativamente grande cujo tubo fosse tortuoso, em forma de S ou de Z, (eu precisava para aprovisionar o motor da camionete). Conheci funis para todos os propósitos. Pelo visto, poderia existir baínha para foice e sapato para galinha. Isso é que é mistifório. São paisagens imanentes do nosso amadíssimo BRASIL.
      Muitas alegrias!

  3. Gentilmente o Goiano obviamente escreve sobre o cefalópode calamar (podem confundir com calabar que o erro é perdoável ) , criador de trocentas varas para enfiar na parte final do reto inferior do povo.

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