Muitos filmes já foram feitos sobre a guerra. Alguns condenando, alguns glorificando, alguns justificando. Poucos mostram tão bem o quanto as guerras são fundamentalmente estúpidas quanto um recente filme francês intitulado Joyeux Noel (em português, “Feliz Natal”).
“Joyeux Noel” se passa em dezembro de 1914, o primeiro natal da Primeira Guerra Mundial, que havia começado cinco meses antes. Enterrados em trincheiras, sem ver motivo para matar pessoas que nem conheciam, os soldados declaram por conta própria uma trégua e passam a noite de natal confraternizando. Isso aconteceu na “vida real” em inúmeros pontos dos 700 km do front de batalha, que se estendia do Atlântico até a Suíça. Pouco se sabe dos detalhes, que foram censurados e “expurgados” da história por oficiais e políticos horrorizados com a “indisciplina” e a “falta de patriotismo” dos soldados. O filme reúne estes fatos, acrescenta a inevitável dose de romance e de coincidências improváveis, e o resultado é uma história bonita, mostrada de forma simples e despretensiosa (geralmente as mensagens mais fortes são assim).
Sempre existiram guerras. Durante toda a história da humanidade, houve escassez, e lutar pelo pouco que havia era de certa forma inevitável. Bom senso e boa vontade poderiam ter sido mais proveitosos, sem dúvida, mas ao menos os soldados sabiam, de certa forma, pelo quê estavam lutando: por comida, água, terra para plantar. Também cabe lembrar que durante muitos séculos os reis e príncipes também participavam da batalha – bem protegidos, é verdade, mas ainda assim arriscando a vida juntamente com seus súditos.
Ao longo do século 19 o mundo mudou drasticamente. A revolução industrial e o primeiro combustível fóssil, o carvão, trouxeram um grau de fartura até então desconhecido. Coisas que antes eram produzidas à mão e acessíveis apenas aos ricos, passaram a ser produzidas por máquinas e tornaram-se baratas e acessíveis a todos. A força humana ou animal foi substituída pela força do vapor. Viagens pelo mar deixaram de ser aventuras perigosas. Nas viagens por terra, o trem substituiu as carroças e carruagens.
Neste mundo de riqueza (pouca se comparada aos dias de hoje, mas muita se comparada a tudo que existiu antes), as guerras deveriam estar se reduzindo. Infelizmente não estavam, porque o que as motivava não era a necessidade das pessoas comuns, mas a vaidade dos governantes. Conquistar terras era uma espécie de passatempo dos nobres e dos políticos, mesmo que isso trouxesse pouco proveito próprio. Para dar um exemplo: o sul da Itália, incluindo a Sicília, “pertenceu” a reis austríacos, espanhóis e franceses, mesmo sem ter fronteiras com nenhum destes reinos, e mesmo que ninguém lá falasse alemão, espanhol ou francês. Para o vencedor de cada guerra de conquista, o benefício obtido se resumia em mais súditos para pagar impostos e para ser alistados como soldados para a próxima guerra; eventualmente estava em jogo o controle de algum porto importante ou alguma cidade que tinha importância comercial. Naturalmente, os reis não compareciam mais ao campo de batalha; ficavam abrigados em seus palácios, planejando a guerra com seus generais. Longe dali, os soldados, recrutados à força, ouviam discursos sobre coragem e sobre as glórias de morrer pela pátria, e o restante do povo passava fome e pagava impostos aumentados para sustentar a guerra, também em nome da pátria.
O progresso do século 19 trouxe um século 20 completamente diferente de cem anos antes: automóveis, eletricidade, tratores agrícolas, raio-x. A Europa vivia em paz, havia liberdade de comércio e de viagens (no filme, o tenente alemão é casado com uma francesa, e relembra sua lua-de-mel em Paris). As pessoas comuns não viam os outros países como inimigos, e sim como vizinhos, e todos concordavam que conviver em paz com os vizinhos torna a vida mais agradável. Só os governantes insistiam em ver os vizinhos como inimigos.
A última guerra importante na Europa havia acontecido em 1870, entre a França e a Prússia (que estava se transformando na Alemanha). Deste então, os reis e políticos estavam fazendo suas guerras à distância: era o auge do período colonial, e as potências européias disputavam o domínio de cada pedaço da África e da Ásia.
É bastante difícil para os historiadores explicar as causas da Primeira Guerra Mundial. Havia prosperidade. O povo estava contente e bem-alimentado, com exceção, talvez, da Rússia, que sempre esteve um passo atrás do restante da Europa nesse sentido. Não havia um representante “do mal” a ser combatido. Para justificar a guerra havia, apenas, a vaidade dos governantes e o interesse dos políticos (os mais críticos do capitalismo podem acrescentar os lucros dos fabricantes de armas). E o desenvolvimento da tecnologia bélica fornecia poderosos argumentos contra a guerra: ao invés dos mosquetões de 1870, a guerra de 1914 teria metralhadoras, canhões de longo alcance e aviões.
Se não havia motivos, havia desculpas, claro. Uma das mais comuns era a de “reconquistar” algum território perdido em uma guerra anterior. Em 1914, a França queria retomar a Alsácia, que havia sido tomada pela França entre 1630 e 1670 e retomada pela Alemanha em 1870. É interessante notar que em nenhuma destas “conquistas” a população local foi consultada. Em 1871, após a reanexação alemã, o escritor Heinrich von Treitschke escreveu “Nós alemães sabemos o que é melhor para os alsacianos melhor do que os próprios coitados. Na perversão de sua vida francesa eles não têm uma noção correta das coisas.” Naturalmente, com a vitória francesa, a Alsácia voltou para o domínio da França em 1918, embora 90% da população falasse alemão. É interessante lembrar que hoje, cem anos depois, em um país vizinho ao nosso, as crianças são obrigadas a aprender na escola que “Las Malvinas son Argentinas!”.
Também é interessante notar como a história sempre esteve sujeita à influência fortuita de aspectos pessoais dos poderosos, que não deveriam interessar a mais ninguém.
O imperador da Alemanha, Guilherme II, era primo do rei da Grã-Bretanha, Jorge V. Vítima de um problema no parto que deixou seu braço esquerdo atrofiado, Guilherme culpava a mãe, que era inglesa, e por tabela todos os ingleses, tendo dito certa vez “um médico inglês matou meu pai, e um médico inglês destruiu meu braço; minha mãe foi a culpada” (o pai de Guilherme morreu de câncer, e é verdade que era a mãe dele quem escolhia os médicos da família). Quando jovem, Guilherme se apaixonou por uma prima, Elizabeth, neta da rainha Vitória como ele. Elizabeth recusou sua proposta e casou-se com o irmão do imperador Nicolau da Rússia, que também era primo de Guilherme, mas por parte de pai. Ou seja, Guilherme tinha razões pessoais para odiar tanto os britânicos como os russos, seus inimigos na guerra. A isso somava-se um certo fanatismo religioso-nacionalista unido a preconceitos comuns na Europa de então (ele declarou certa vez “A Alemanha é uma verdadeira nação cristã, enquanto a Inglaterra é a terra do anticristo, governada por maçons e judeus”).
Seja por birras pessoais ou não, o fato é que a guerra começou após um pretexto tolo (o famoso assassinato do arquiduque Francisco por um terrorista sérvio) e custou a vida de mais de vinte milhões de pessoas. Quatro anos depois, quando acabou, o mundo estava mudado: o império austríaco foi despedaçado; o império otomano, idem. O imperador Nicolau foi deposto e assassinado, e a Rússia tornou-se a União Soviética. O imperador Guilherme também foi deposto, e a Alemanha virou uma república. A França, que venceu, fez o possível para humilhar a Alemanha derrotada como “vingança” pela guerra franco-prussiana de meio século antes, e isso foi a semente para a próxima guerra, que viria vinte anos depois.
Em outubro de 1914, foi dito que “Sem dúvida esta guerra é a mais estúpida, desnecessária e sem sentido dos tempos modernos”. Para quem acha que guerras, mesmo estúpidas, são inevitáveis, assistir “Joyeux Noel” mostra como é fácil imaginar um mundo sem elas.
Um último adendo: para quem, como eu, se impressionar com a cena do sermão do bispo para os jovens soldados, cabe informar que não se trata de ficção: o diretor conta que esse “discurso de ódio” foi reproduzido de documentos históricos, mas que para o filme ele retirou “os trechos mais abjetos”.
Diz o antigo provérbio romano que diz, em latim: “Si vis pacem, para bellum” ou “Se queres a paz, prepara-te para a guerra”, do autor latino do 4º século, Publius Flavius Vegetius Renatus….
Não existe este negócio de escassez, ambição, vaidade dos governantes. Sempre que um país se destaca ele irá querer expandir seus domínios ou será atacado por outros. É assim até nas empresas privadas (o Face comprou o Zap, o Google comprou o Youtube). É assim desde que o mundo é mundo.
O que acontece com a China hoje? O PCCh já declarou que até 2050 vai querer ser a força dominadora hegemônica econômica, cultural e militar. É quase certo que até lá haverá guerra, pois os outros atores (EUA, Japão e Índia principalmente não vão deixar.
Desde o fim da 2ª Guerra não há um grande conflito mundial, o maior tempo de paz que já existiu.
Quem é a ou as responsáveis por isso? As bombas atômicas existentes nos países que dominam. Todos sabem que a partido do momento que um lançar a Bomba sobre o outro, a destruição será total.
O que acontecerá quando a China invadir Taiwan (é uma questão de tempo)? veremos.
A lógica do império romano era mesmo a guerra, mesmo porque o comércio na época era muito mais difícil.
Em tempos mais modernos, quem é inteligente já se descobriu que negociar é melhor que guerrear. Um político, creio que alemão, disse já faz algum tempo “quando as mercadorias param de cruzar as fronteiras, os tanques começam”.
Esse papo de “seremos atacados por outros” é exatamente o tipo de bobagem que os políticos falam para justificar as guerras. E países que recorrem à guerra são aqueles que não conseguem se impôr na competência.
A China saiu de uma miséria assustadora nos anos 70 para ser a potência que é hoje trabalhando e comercializando. Não invadiu nem conquistou ninguém, e nem tem interesse em fazê-lo. Ao invés de ter inimigos, a China prefere ter clientes. Claro que isso não quer dizer que ela não seja obrigada a ter um exército, justamente por causa dos incompetentes. Mas quem está crescendo não tem interesse em guerra. Quem faz isso é político demagogo que tenta justificar seu fracasso pondo a culpa nos outros países.
Aliás, quando o Google “conquistou” o Youtube, quantos canhões foram usados? Quantos tanques? Quantas cidades foram bombardeadas? Quantos soldados morreram? Quantos civis foram feridos? Nenhum, pois é. Comércio, não guerra.
Já no campo dos políticos, o ‘maior tempo de paz que já existiu’ teve guerra na Coréia, no Vietnã, na Iugoslávia, no Iraque, no Afeganistão, na Líbia, no Irã, na Síria, no Líbano, no Egito, no Sudão, na Somália, na Nicarágua, em Angola, em Moçambique, no Congo, em Uganda, no Iêmen, na Nigéria, e mais algumas que eu não lembro mais. Belo tempo de paz, não é??
Detalhe: boa parte destas guerras foram apoiadas e patrocinadas pelas potências nucleares que você fala, e nenhuma delas partiu para a “destruição total”, pois não é do interesse deles. Da mesma forma, boa parte destas guerras não começou por nenhum problema real nem trouxe nenhum benefício para as populações envolvidas.
Outro detalhe: se a ausência de um “grande conflito mundial” significa paz, então o maior período de paz vai do neolítico até 1914. Não houve nenhum conflito considerado “mundial” até então, e é por isso que a guerra de 1914 é chamada PRIMEIRA guerra mundial, e não oitava ou décima-quinta. Estou só brincando com as palavras, eu sei.
Então, reitero: salvo raras exceções, guerras existem para atender a interesses dos governantes, não dos povos. Com menos governo, as pessoas viveriam em paz. Se não vivem, é porque temos excesso de políticos e excesso de baba-ovos de políticos.
Pelo seu comentário a China não ameaça invadir Taiwan, não está em conflito com todos os países com águas banhadas pelo Mar setentrional do pacífico (Filipinas, Vietnan, dentre outros).
O PCCh já disse em reunião de 2015, salvo engano, que irá dominar o mundo não só economicamente, mas culturalmente e militarmente. Eles nunca se conformaram do fato de Taiwan ser independente deles e já disseram que a anexação desta é uma questão de tempo. s EUA não vão aceitar, existe uma Lei lá que diz que se Taiwan for atacada eles terão que reagir.
Antes de 1914 teve grandes guerras com envolvimento de mais e um país (p. ex. as guerras napoleônicas) mas esta (a de 1914) foi considerada a 1ª grande guerra mundial.
As guerras da Coreia e do Vietnam, dentre outras que vieram após 1945, foram feitas internamente em um país com os EUA e a então URSS se envolvendo indiretamente. Não foi um conflito mundial.
Usei o caso empresas fortes que conquistaram outras mais fracas apenas para exemplificar a tendência de dominação, se v. não entendeu, paciência.
Meu comentário, assim como meu texto, diz que guerras são feitas por políticos em prejuízo do povo. Quem está ameaçando invadir Taiwan é o povo chinês ou o governo chinês? Seu exemplo apenas reforça o que eu disse.
Só que, na verdade, se a China não invadiu Taiwan até hoje é porque não quer. Se quisesse, já teria feito. E por que não quer? Porque na verdade estas ameaças são apenas jogo político entre governos.
Ou seja, os seus exemplos estão provando o meu ponto: tem um sujeito que planta milho lá no interior de Iowa e nem sabe onde fica Taiwan, mas o governo cobra imposto dele e usa para dar armas de presente para o governo de Taiwan, fingindo que isso pode evitar uma invasão chinesa. Percebe que se os governos da China, de Taiwan e dos EUA não tivessem o poder de declarar guerra, o povo desses países viveria mais tranquilo?
É um pouco utópico, eu sei, mas é algo que devemos ter na consciência. Quem acredita quando o político diz “precisamos atacar o país tal porque ele é nosso inimigo” também acredita quando o político diz “precisamos ficar em casa, usar máscara e lambuzar a mão de alcool gel”. A atitude subserviente é a mesma. A Suíça declarou guerra a alguém nos últimos tempos? Não, porque lá o povo não aceita calado aquilo que o governo fala.
Por último, eu acho seu “exemplo” completamente sem sentido; duas empresas fecharem negócios entre si não tem nada a ver com “dominação” e é algo completamente diferente de um governo recrutar pessoas à força e mandar para um campo de batalha. Se v. não entendeu, paciência.
Caríssimo Marcelo
“Nem Deus pode afundar o Titanic”?
“Nearer, My God, To Thee”
Recorro a Elis: Alô, alô marciano… (…) Pra variar estamos em guerra.
Recorro, ainda, a Vandré: Vem vamos embora que esperar não é viver… Quem sabe faz a hora, não espera acontecer… Em 1982 estava eu dentro da farda preparando-me para a Guerra das Malvinas. Eu queria aquilo, eu desejava ardentemente o combate… vieram os ingleses, botaram para correr os recrutas argentinos e a guerra e meus sonhos afundaram no Atlântico Sul.
Hoje a guerra que vivemos é para afundar ou não o COURAÇADO Bolsonaro, que navega por mares bravios desde a campanha de 2018, sendo TORPEDEADO por todos os lados.
E la nave va…