Fubá de milho torrado e pilado
Os anos da década de 50 corriam céleres para fechar o momento de maior sofrimento e maiores necessidades dos filhos da terra de Iracema. Quem conseguia um pedaço de terra para trabalhar como meeiro (metade do “patrão”, dono das terras; e metade do ocupante, em tudo que plantasse ou criasse).
A década estava indo embora. O ano de 1957 foi malvado. Os animais morriam em pé, por fome ou sede. Muitos caíam e não levantavam mais – um castigo que a Natureza impôs ao cearense.
“Oh! Deus, perdoe este pobre coitado
Que de joelhos rezou um bocado
Pedindo pra chuva cair sem parar
Oh! Deus, será que o senhor se zangou
E só por isso o sol se arretirou
Fazendo cair toda chuva que há
Senhor, eu pedi para o sol se esconder um tiquinho
Pedir pra chover, mas chover de mansinho
Pra ver se nascia uma planta no chão
Meu Deus, se eu não rezei direito o Senhor me perdoe,
Eu acho que a culpa foi
Desse pobre que nem sabe fazer oração.”
Promessas, rezas em novenas e famílias fazendo arenas noturnas rogando à Deus a chance de trabalhar a partir das esperanças que as chuvas propiciavam. Nada ainda. Tristeza, lamentações, mortes e chão tórrido com o vento levantando poeira dos campos.
Dia 18 de março, véspera de 19, dia consagrado ao Padroeiro São José. Novenas, rezas e mais rezas e a Fé crescia e renovava as esperanças quase perdidas.
Manhã do dia 19. O pouco pó de café serviu à todos. Café com farinha, por anos seguidos foi o melhor e mais digno “café da manhã” servido na mesa da esperança. A noite anterior fora diferente, provavelmente pela ansiedade da chegada do dia 19 ao amanhecer.
O galo nem cantou, e a claridade do novo dia demorou para chegar. Não havia claridade, aquela claridade embaçada pelas nuvens enegrecidas.
No céu, ainda escuro, um raio sem igual causou uma brecha de clarão, como se Deus tivesse ordenado: “abre-te céu! Abre-te, e molha a terra o quanto for necessário!”
Chuva. Muita chuva. Era finalmente, 19 de março!
De novo, o café do dia anterior: café preto torrado e pilado em casa, acompanhado de cuias de farinha. Só!
Só, e, graças à Deus!
Café tomado, bucho enganado – caminho do roçado. Um novo dia e a renovação das esperanças. Enquanto o Avô derrubava os garranchos secos pelo tempo, os três meninos faziam coivaras – não havia ervas daninhas para serem desbastadas. Naquela seca, nada nascia. Só a fome, que se tornava cada vez mais presente, matando animais domésticos e fazendo o sol mais quente naquele céu azul mais azul que o azul comum.
A chuva deu uma trégua. Na parte da tarde voltou a cair, agora mais suave, acendendo com muita força a Fé no homem que precisa da terra, da chuva e de muito trabalho para lutar pela sobrevivência.
– Hoje, vamos semear o milho. Disse o Avô!
O dia todo foi cavando pequenas covas. Três grãos por cova, pois não havia nada além da esperança da continuidade da chuva. E foi assim que aconteceu. Chuvas fortes e fracas. Chuvas esparsas por quase um mês. Quinze dias após semeado, o milho nascendo transformou aquela imensidão de campo num relvado que, só Deus permitiria.
Os dias se passava e o milho crescia. A chuva não cessava. O milho continuava crescendo. Embonecou! Frutificou e dias depois estava sendo “virado” para a secagem.
O milagre – daqueles que só Deus é capaz!
Quem plantar, um dia vai colher. Os três netos e o Avô ganharam o reforço do Avó para a colheita. Durante o dia, a colheita manual do milho. De noite, a “debulhação” manual. Caçuás cheios. Sabugos pequenos separados para serem usados como “papel higiênico” e os maiores, triturados e junto com milho, triturados para servir de ração aos bodes, cabras e cabritos; galinhas, patos e perus; e colocados numa terrina grande de madeira para receber água e sal e alimentar as três vacas. Um mês depois, a engorda e a produção do leite pelas cabras. As vacas, ainda não.
Domingo à tarde, vindo da cozinha, aquele cheiro conhecido e diferente. Milho torrado e logo, o ribombar do toque-toque no pilão pilando o fubá.
O pilão e o fubá
O que acrescentava àquele fubá gostoso e tradicional, era a dignidade do trabalho e da Fé iniciada nas orações para a vinda das chuvas, as novenas, o semear e a colheita.
Fubá de milho torrado! Que lembrança boa, meu mestre. Só tinha um detalhe: podia comer o fubá, mas não podia falar fubá, enquanto comia, rsrsrs.
Beni, ou então dizer: “minha tia é boa por que pode”! Kkkkkkkkkk