Esta semana que se passou, apesar de ter parecido uma semana comum, nada de comum teve. A princípio, o pajé ladrão de canetas estava fazendo o que mais gosta, além de afanar o que é dos outros, passando a mão na cabeça de ditadores genocidas, perdoando dívida com o dinheiro que não é dele, e avuando, como se a taba nacional não estivesse à beira do abismo. Depois de empossar um ministro que atende pelo nome de Fufuca – Santo Tupã, isso é nome de alguém que quer ser respeitado? -, foi divertir-se às nossas custas no inferno capitalista, sem antes não deixar de passar naquele paraíso onde leite escorre das árvores, rapadura brota da terra, carne se colhe em árvores e todo mundo canta liberdade. Isso mesmo, ele deu uma passada em Cuba.
Todavia, não é sobre isso que quero discutir aqui, mas abordar algo que está mais próximo de nós, e que, se não abrirmos os olhos vai, fatalmente nos torrar. Falo sobre a fogueira inquisitorial que o supremo tribunal federal – assim mesmo, em minúsculo, para homenagear a grandeza daquele tribunal – acabou de acender, em nome de defender a democracia, o estado de direito e a verdade no país.
Sindicatos como a Ordem dos Advogados do Brasil, a Associação Brasileira de Imprensa, a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, ou não abriram os olhos, ou estão sendo coniventes com as barbaridades ali praticadas, na vã esperança de que essa fogueira não espalhará fagulhas, ou mesmo labaredas em seus ternos caros, ou em suas batinas de cetim. Puro engano. Quando uma fogueira desse calibre começa a queimar ninguém escapa, ninguém sai ileso. Uns serão incinerados, outros tostados, outros sapecados, mas verdade é que toda a nação brasileira será afetada por essa fogueira inquisitorial que se acendeu esta semana em Brasília.
Assisti a um bom pedaço do julgamento dos acusados de “golpe” contra a democracia brasileira. Primeiro, já é uma aberração legal aquelas pessoas estarem sendo julgadas em um tribunal, legalmente descrito como constitucional, e que só julga quem tem foro privilegiado por prerrogativa de função, ou seja, só julga tubarão. Bagres tem que ir para a justiça de primeira instância e ter direito ao duplo foro de julgamento. Sendo julgados ali, a quem vão apelar, caso sejam condenados por maioria? Ou melhor, vou fazer baixar em mim o espírito de Cícero e perguntar: quid custodit custodes? Ou seja, quem controla os controladores?
Há mais um agravante, que, na verdade é uma aberração jurídica e transformou o juiz em promotor, investigador e carrasco do réu. Qualquer movimento, ato, palavra, ou mesmo apelo a um, tende a ser barrado pelo outro vestido no mesmo ser. Inverteu-se a lógica jurídica do país. O princípio de que ninguém é culpado de algo até sua prova em contrário foi jogada na lata de lixo. Hoje, todos nós somos culpados de algo, e cabe a nós, os acusados, provar a nossa inocência, e não quem nos acusa. Mesmo porque quem acusa é quem vai investigar, depois julgar, e aplicar a sentença.
Confesso a vocês que não vi ali, naquele circo armado, pessoas ciosas da lei, mas sim a encarnação de Tomás de Torquemada, com uma capa preta, citações em línguas estrangeiras, baba escorrendo no canto da boca, vociferando, atropelando fundamentos básicos das modernas democracias e do estado de DIREITO, isto é, um sistema em que a LEI está acima de tudo e de todos, buscando apenas uma só sentença: CULPADO.
Esse arremedo de julgamento, porque está mais para um processo inquisitorial, acabou de acender uma fogueira monstruosa que vai incendiar todo o país e deixar cicatrizes que vai levar gerações até ela parar de incomodar. Vivi para ver homens cultos, cheios de títulos acadêmicos, falantes de várias línguas, aparentemente refinados em seus modos, encarnarem o que há de mais hediondo e abjeto da história na humanidade e aplicar, não a lei, mas uma sentença de vingança, pois é disso que se trata, de vingança. Já que não podem, por enquanto, por em mãos seu principal alvo de ódio e revanchismo, vão, com a fogueira que acenderem, calcinando e incinerando todos aqueles que entendem estar a favor desse objeto de ódio e de vingança.
Não foi um julgamento. Ainda que aqueles senhores assim o descrevam, não há sombra qualquer de um julgamento, a começar pelo local, passando pelos inquisidores e chegando ao Torquemada com sua voz de pato rouco que quer calcar a nação com toda as suas manhas e birras. O supremo tribunal federal acendeu uma fogueira imensa e colocou nas mãos de um Torquemada insano a direção e o atiçamento dessa fogueira. Os condenados ali a penas severas foram os primeiros a sentir o calor das chamas e da vingança inquisitorial daquele organismo. Outros virão. Outros serão queimados também. Para a fogueira…. para a fogueira era o que eu ouvia, e não a leitura de um voto sensato e baseado na lei.
Pedir a quem poderia por um basta nessa sandice é inútil. Até hoje não vi um deputado, um senador, ou mesmo um grupo de parlamentares denunciar esse estado de coisas, seja aqui mesmo, ou em organismos internacionais e denunciar que Pindorama deixou de ser uma democracia. Viramos um estado autocrático que manda quem pode e obedece quem tem juízo. Como o parlamento pindoramense segue a máxima de que “ninguém solta do rabo de ninguém”, a situação tende a piorar. Nem nas Frouxas Armadas, que, em última instância, acovardando-se o parlamento, como tem acontecido, poderia por ordem no galinheiro, digo, nas instituições, se pode mais confiar.
Eu mesmo, posso até ser preso por causa deste texto. Mas, sabem, estou precisando de férias. Uns quatro meses longe de minhas atividades até me fariam bem. Tenho curso superior, um doutorado, não vou ficar em cela comum. Mas, brincadeiras à parte, está ficando perigoso ser patriota nestas terras. Instituiu-se na mão grande, um Tribunal da Inquisição cujo único objetivo é condenar e punir aqueles que não fazem as suas vontades. Direito, lei, processo legal, juiz natural, dupla jurisdição, isso é coisa para frescos. Nosso Tomás de Torquemada quer sentir cheiro de carne queimada de todos aqueles que não se ajoelharem a seus pés e beijarem suas mãos.
Aí volto aos sindicatos que mencionei no começo deste texto e aos demais cidadãos de Pindorama com uma questão de fundo: no momento estão levando para a fogueira inquisitorial todos os rebeldes que não pedirem benção para nosso Torquemada. E a hora que esses rebeldes forem todos para a fogueira, quem vocês acham que serão os próximos a experimentar as labaredas purificadoras que ardem na fogueira acesa em Brasília esta semana?
Bom dia,
Repassei esse seu precioso texto para alguns amigos. A esperança de mudança e de alguma lógica nas esferas do governo está bem pequenina. De forma criativa, como sempre, mostrou nosso judiciário que no Brasil de hoje deve significar algo como aqueles que judiam.
Grato pela solicitude meu caro, mas corra seus riscos. O risco que eu corro é o Xandão mandar me prender por espalhar feiqueius e atentar contra a dignidade da corte. Tô me cagando para ele.
Parabéns pela perfeição do texto, grande colunista Roque Nunes!
Parece até que o perverso espírito de Tomás de Torquemada (1420-1498), baixou na corte brasileira que julga os atos “antidemocráticos” de 8.1.2023, provocando nos doutos julgadores a cegueira do espírito de humanidade e o sadismo das feras raivosas.
O circo dos horrores está cada vez mais aterrorizante.
Concordo com você, quando diz:
“Confesso a vocês que não vi ali, naquele circo armado, pessoas ciosas da lei, mas sim a encarnação de Tomás de Torquemada, com uma capa preta, citações em línguas estrangeiras, baba escorrendo no canto da boca, vociferando, atropelando fundamentos básicos das modernas democracias e do estado de DIREITO, isto é, um sistema em que a LEI está acima de tudo e de todos, buscando apenas uma só sentença: CULPADO.”
Minha cara Violante… agora que essa fogueira começou será muito difícil apagá-la.
Eu até acho que V. Sa. tem razão, Sr. Dr. Professor Roque!
Mas esse meu acho vai até os capas pretas acharem diversamente o que diversamente acho e aí, caso achem diversamente do que acho, passarei, incontinenti, a achar diversamente do que acho aquilo que os supremos diversamente acharam.
Do mesmo modo, caso os supremos passem a achar diversamente o que acharam diversamente o que antes achei diversamente, passarei achar semelhantemente ao que antes achava diversamente e, nesse caso, meu achado fica semelhantemente semelhante ao seu texto.
Não sei se a clareza ficou diversa ou semelhante à coerência mas é tudo uma questão de semântica. Ou não, não sei.