JOSÉ RAMOS - ENXUGANDOGELO

Papai Noel na tarefa ilusória de distribuir presentes

Mesmo com o privilégio divino de alcançar a terceira ou quarta idade, a lucidez me permite lembrar: o ano, 1951. Eu tinha apenas 8 anos dos 81 de hoje. A imagem está firme e brilhante na minha memória fotográfica.

Tenho saído muito pouco de casa, por conta de querer concluir algumas tarefas que assumi: escrever um livro com as peraltices da infância, mesmo sabendo que não ganharei, jamais, o Prêmio Nobel de Literatura. Eis que, ontem, saí com uma das filhas para comprar alguns penduricalhos para a árvore de Natal.

Fomos a um shopping não tão distante de casa. Pagamos apenas R$ 10,00 de Uber.

O primeiro pavimento do shopping é usado como estacionamento de veículos pequenos. A escada rolante nos levou ao segundo pavimento, totalmente iluminado com motivos natalinos. Crianças se divertem, ingenuamente, nos dois playgrounds e outras aproveitam para as selfie ao lado do bom velhinho. Procurei um lugar para sentar e observar a beleza da ingenuidade humana quando criança. Minha filha me deixou ali, inebriado, enquanto cumpria a tarefa dela na compra dos itens natalinos.

Não sei se dormi. Provavelmente, não. Mas me senti transportado para outra época, em 1951, onde a realidade – não apenas para mim – era completamente diferente. Me senti na Queimadas, então povoado de Pacajus, onde vim ao mundo. Me envolvi totalmente.

Casa dos avós, com chaminé – por onde Papai Noel nunca entrou

Numa manhã qualquer daquele ano de 1951, mas em dezembro, Tarcísio – que poucos o conheciam pelo verdadeiro nome – conhecido, provavelmente, na Finlândia ou no Canadá pelas ações elogiáveis de pretender proporcionar alegria às crianças daquele povoado cearense, apenas pelo apelido carinhoso de “Tôta”, o Papai Noel daquelas crianças.

Na primeira semana de dezembro, por muitos anos, Tôta arrumava o boi “Mansinho” atrelando-o a uma carroça, tão logo o galo cantava e os chocalhos dos bodes e cabras se reuniam numa verdadeira sinfonia chiqueiral no despertar para o mundo e a vida – sempre para garantir o sorriso de meninos e meninas que, ajudadas pelos pais ou avós, escreviam cartas ao bom velhinho.

– “Quero uma boneca bem linda”, escrevia Maria Liduína!

– “Quero uma bola de borracha”, pedia Julinho!

Naquele período, lembro-me bem, o trenó improvisado numa carroça puxada por Mansinho, primeiro recolhia os pedidos. Todos eles, por mais distantes que estivessem – e havia criança que morava distante dali por quase dez léguas. Mas, todas as cartinhas eram buscadas. Nos dois domingos seguintes, sempre no anonimato, Tôta fazia um périplo pedindo, e até recolhendo com moradores que se associavam em proporcionar alegrias para as crianças ingênuas.

Os comerciantes da sede do povoado encomendavam as bonecas pedidas, bem como as bolas de borracha – outros até aproveitavam a compra de gêneros na capital e nunca esqueciam os presentes distribuídos pelo Papai Noel Tôta.

O trenó do Papai Noel Tôta

Segundo i8nformações do próprio Tôta, a última semana antes do Natal era para organizar as entregas, preparando-as em papel de presentes com motivos natalinos. Recebia a ajuda da esposa, Beatriz – mas faziam tudo só depois que se certificavam que as suas crianças estavam dormindo.

– Tá faltando uma boneca Tôta, avisava Beatriz.

– Menhã a gente arresolve isso! Garantia Tôta.

Finalmente era chegado o dia do Papai Noel entrar nas casas pelas chaminés. Meninos e meninas pediam para as avós não acenderem fogo naquele dia, para evitar que Papai Noel se queimasse quando fosse descer por ali para entregar os presentes.

Tôta finalmente se realizaria entregando todos os presentes. Até os meninos e meninas que moravam distante, receberiam. A boneca que faltara na noite anterior, finalmente foi adquirida, graças à mãe da solicitante, Maria Liduína.
O trenó puxado por Mansinho estava arrumado. Os meninos e meninas receberam ordens para se aquietarem e dormirem. Que todos ficassem despreocupados, pois Papai Noel não queria deixar de ser o bom velhinho.

Agora, tão logo o galo cantou e a sinfonia chiqueiral foi aberta, o barulho do desenrolar pacotes de presentes movimentava as casas – ninguém se preocupava em tomar o café da manhã. A alegria dava o tom das casas – uma tradição secular fora mantida.

Minha filha, voltando das lojas onde comprara todos os itens necessários, com um leve toque no meu ombro, me trouxe de volta ao mundo real.

– Vamos pai! Comprei tudo!

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