VIOLANTE PIMENTEL - CENAS DO CAMINHO

Nasci e me criei em Nova-Cruz, ouvindo minha mãe entoar modinhas, acompanhada ao violão pelo sogro e meu avô paterno, Manoel Ursulino Bezerra, ou Seu Bezerra. Aprendi a gostar de modinhas desde criança. Hoje, sinto falta das modinhas, que, literalmente foram expulsas do cenário do cancioneiro popular brasileiro.

O romantismo desapareceu, e a atual juventude “morre de rir”, quando ouve músicas românticas e apaixonadas, que mexem com o coração. Só escapam do riso sarcástico, as músicas românticas, cantadas dentro do contexto sertanejo ou de vaquejada.

A juventude de hoje não pode imaginar – pois jamais sentiu – a sensação de acordar, alta madrugada, com o canto de um seresteiro e seu violão. A modinha cumpriu a sua etapa histórica. A serenata refugiou-se no passado e nas doces lembranças, onde a maldade não penetrava. Propiciou muita beleza às noites de luar, ao som de poemas e melodias..

A Modinha é uma canção, composta de melodia e versos, e tem a necessidade da voz humana para expressá-los. A verdadeira modinha é sempre um poema musicado em tom menor, com conotações tristes. É um gênero musical de canção sentimental brasileira e portuguesa, cultivada nos séculos XVIII e XIX.

Na cidade, havia o hábito da serenata, favorecido pelo clima tropical, que proporcionava luares inspiradores e estimulantes, a ingênua beleza da pequena cidade, estendida entre o mar, o rio Potengi e o alviverde das dunas.

A Natal antiga, do fim do século passado e começo do atual, caracterizou-se por um grande número de poetas e músicos que punham melodias em seus versos.

Entre as mais discutidas e antigas modinhas do cancioneiro popular brasileiro está “A Pequenina Cruz do teu Rosário, do poeta cearense Fernando Weine.

Seu aparecimento deu-se, pela primeira vez, nas páginas de “Canções Populares”, em 1906. Em seguida, a revista “Fortaleza”, que se editava na terra da luz (1907), publicou-a na página 18, número 12, o nome do autor.

Os anos vinham-se passando, e a modinha ganhava preferência nas serestas do Brasil inteiro, até que, em 1926, a famosa “Casa Édison”, do Rio de Janeiro gravou A Pequenina cruz do Teu Rosário, na voz seresteira do cantor Roque Richard, apontando-a como de autor desconhecido.

Daí em diante, tem aparecido um número expressivo de pretensos autores da bela modinha.

O grande cantor Carlos Galhardo gravou “A Pequenina Cruz do Teu Rosário” em disco RCA-Victor, número 80-1622.

Da Antologia da Serenata, foi extraída esta versão aqui reproduzida, tendo sido julgada a mais autêntica, e a que fez mais sucesso, na voz de Carlos Galhardo.

A Pequenina Cruz De Teu Rosário – Carlos Galhardo

Agora que eu não te vejo ao meu lado
A segredar apaixonadas juras
Busco às vezes do nosso amor de outrora
A recordar nossas íntimas loucuras
Faz tanto tempo, nem me lembro quando
A vida é longa e o pensamento é vário
Tu me mostravas vil, no idílio santo
A pequenina cruz de teu rosário

E sempre que eu a via, recordava
Do nosso amor, a fantasia louca
Todas as vezes que a pequena cruz beijava
Eu beijava febril a tua boca
Mas o tempo passou triste eu segui
Da minha vida um longo itinerário
E nunca mais, nunca mais eu vi
A pequenina, a pequenina
Cruz de teu rosário

Do amor fugiu-me a benfazeja luz
Não posso mais, errante caminheiro,
Se o Cirineu, como o de Jesus,
Larga-me ao corpo o peso de um madeiro
Já vou trilhando a estrada da amargura,
Antes porém, que eu chegue ao meu calvário,
Dá-me a beijar, ó santa criatura,
A pequenina cruz do teu rosário.

Recordo ainda o nosso amor de outrora
Vamos lembrar os tempos de criança
Se o amor fugiu-me à luz da aurora,
Resta em minh’ alma um raio de esperança.
Tu que és tão boa, és tão meiga e pura,
Quando eu baixar ao campo funerário,
Dá-me a beijar, ó santa criatura,
A pequenina cruz do teu rosário.

Carlos Galhardo

Nascimento: 24 de abril de 1913, Buenos Aires, Argentina
Falecimento: 25 de julho de 1985, Rio de Janeiro, Rio de Janeiro

4 pensou em “EVOCANDO A MODINHA

  1. Violante,

    Parabéns por abordar um gênero musical de canção sentimental brasileira e portuguesa, cultivada nos séculos XVIII e XIX. Gosto muito de música e aprendo lendo os seus primorosos textos. Fiquei com vontade de pesquisar e compartilho com a amiga um breve comentário.

    A modinha nasce popular, em Portugal, originada no meio rural, inicialmente configurando a chamada moda portuguesa e logo chegando aos meios urbanos junto com aqueles que migravam do campo para as cidades, durante o século XVII. A modinha está nas mais profundas raízes da música brasileira, responsável pelo lirismo romântico de nossas canções e pela docilidade, suavidade e amorosidade que encontramos em nossa música.

    No Brasil, a modinha é considerada como um dos primeiros ritmos que se tornaram realmente populares em várias partes do país. O Padre José Maurício foi um dos principais responsáveis por popularizar a modinha.

    Quando Dom João VI veio para o Brasil fugindo da guerra, e de Napoleão, trouxe também muitos músicos portugueses. E uma das suas primeiras medidas foi criar uma Capela Real. Para cantar e tocar nas missas contavam com 50 cantores e 100 instrumentistas, sendo uma das maiores orquestras do mundo na época. Para comandar essa orquestra, o Dom João chamou o Padre José Maurício, um músico brasileiro, negro, pobre e descendente de escravizados, foi compositor e considerado o maior improvisador do mundo. Suas músicas são tocadas e ensinadas até hoje, no Brasil e no mundo.

    Desejo um final de semana pleno de paz, saúde essa inspiração de sempre!

    Aristeu

  2. Obrigada, Aristeu, pelo gratificante comentário! Sua pesquisa enriqueceu o meu texto. Gostei imensamente de você ter compartilhado comigo..
    Fui nascida e criada ouvindo modinhas, que a minha saudosa mãe gostava de cantar e o meu avô paterno acompanhava, dedilhando o violão. Ela também tocava violão e ensinou aos filhos as primeiras posições.
    Por coincidência, o meu nome lembra música.
    Sua valiosa pesquisa muito me encantou, principalmente quando você diz:
    .
    “Quando Dom João VI veio para o Brasil fugindo da guerra, e de Napoleão, trouxe também muitos músicos portugueses. E uma das suas primeiras medidas foi criar uma Capela Real. Para cantar e tocar nas missas contavam com 50 cantores e 100 instrumentistas, sendo uma das maiores orquestras do mundo na época. Para comandar essa orquestra, o Dom João chamou o Padre José Maurício, um músico brasileiro, negro, pobre e descendente de escravizados, foi compositor e considerado o maior improvisador do mundo. Suas músicas são tocadas e ensinadas até hoje, no Brasil e no mundo.”

    Desejo a você também, um final de semana pleno de paz, saúde e muita inspiração!

  3. Obrigada pelo comentário, prezado Nonato!
    Sou saudosista e ainda me lembro das modinhas que o meu avô paterno dedilhava no violão, no meu tempo de criança.
    As modinhas eram pura poesia e romantismo.

    Bom final de semana!

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