ROQUE NUNES – AI, QUE PREGUIÇA!

Esta segunda-feira passada participei de uma Audiência Pública na Câmara de Vereadores aqui da gloriosa Campo Grande/MS. Com um título bem apropriado buscava debater a insegurança nas escolas, a violência contra professores e alunos e meios de se propor ações de curto, médio e longo prazo para tentar minimizar essa violência. Ouvi trinta e cinco “otoridades” e especialistas na área, cada um falando mais platitudes do que outra. Era como se eu tivesse “ocupado” uma horta, de tanta abobrinha que ouvi.

Findo o ciclo das ditas autoridades, abriu-se para a platéia, só perguntas por escrito. Mas, acho que houve alguma iluminação para o presidente da sessão e ele abriu espaço para cinco perguntas orais. Acredito que foi a deixa que eu precisava, e também vejo, neste espaço, um fórum correto para fazer a mesma questão: Esperávamos o que? Sim! Esperávamos o que como corolário de tudo o que vem ocorrendo nos últimos vinte anos deste século? Eu explico, meus caros caetés.

Desde a última metade de 1990, mas, mais especificamente de 2000 para cá a sociedade brasileira, para adequar-se a uma pseudoinclusão começou a negociar com seus princípios. A cada pedaço que ela entregava a fim de não excluir, não machucar, não discriminar aqueles que se achavam vítimas, alvos de uma sociedade machista, patriarcal, heteronormativa – sei lá o que essa estrovenga significa -, avançava uma pauta de desconstrução dessa mesma sociedade. Negociava-se com valores inegociáveis, cedia-se as bases da arquitetura social em nome de uma suposta inclusão que, na verdade, não inclui ninguém, apenas separa e enfraquece essa mesma sociedade.

E, a cada passo atrás o abismo ficava mais próximo de nossos pés. E, então, partiu-se para o projeto de banimento, principalmente nas escolas, o principal alvo dessa política de destruição da sociedade. Primeiro baniu-se as atividades cívicas. Utilizou-se como argumento de que essa atividade era resquício da ditadura, que impedia o livre pensamento de professores e alunos. O resultado é que o conceito de pátria, de nação, de sociedade coesa em torno daquilo que nos simboliza se perdeu. Daí dá para entender porque vemos pessoas fazendo da bandeira pano de chão, ou mesmo papel higiênico, ou ainda queimando a bandeira como se fosse apenas um pedaço de pano qualquer. Peguem qualquer pessoa com até 20 anos e peça a ela para cantar o Hino Nacional inteiro. Não sabem. Peçam para que citem ao menos duas datas nacionais importantes. Total silêncio.

Em seguida partiu-se para o banimento de Deus, nas escolas. Não se podem mais nem fazer a oração universal porque isso viola o dito estado “laico”. Aliás, os combatentes dessa ideologia falam sobre a laicidade do estado, mas não sabem o que é isso, como se iniciou e porquê ele existe. Promotores públicos, doídos com a religiosidade do povo brasileiro inundaram tribunais para que estes determinassem a retirada de símbolos religiosos, menções religiosas e cultos de dentro da escola, pois isso feria o dito estado laico. Não questionaram a sociedade se isso estava de acordo com sua vontade.

O terceiro passo foi o banimento da família. Esse pilar essencial de qualquer sociedade, de qualquer ajuntamento humano foi banido das escolas. Não se pode mais comemorar o dia dos pais, o dia das mães. Hoje só se pode falar no dia do “cuidador”. A desculpa, sem pé e nem cabeça é que existem muitos casais que não são heteronormativos – olha a palavra de novo – que não se sentem “representados” na comemoração desses dias. Ora, meu senhor, quem precisa de cuidado é planta. Criança precisa de pai e mãe. E isso não importa se o casal é hétero, gay, bi, trans, ou mesmo um casal de tatu bola, ou jaguatirica. A criança e o adolescente precisa do referencial família, até mesmo para poder cristalizar e compreender esse conceito em um plano histórico e sociológico mais amplo. Criança e adolescente precisam compreender que, assim como existem uma estruturação de sociedade, essa se inicia na família.

Logo em seguida baniu-se o conceito de autoridade de segurança. Nessa ideologia implantada goela abaixo e aceita como natural, o policial é sempre um criminoso e o bandido é sempre uma vítima da sociedade. Só respondo a esse tipo de gente. Meu ovo! Esse discurso quer nos fazer crer que a força policial, por si só gera violência, mas marotamente esquecem que a figura da autoridade de segurança é um elemento de dissuasão. Vá um criminoso para a porta de uma escola a fim de praticar um ato. O simples fato de ver um policial, ou mesmo um guarda civil armado faz ele pensar duas vezes se vale a pena o risco do seu ato. Entretanto, os apoiadores dessa ideologia funesta querem nos fazer crer que violência se combate com rosas, abraços e coral cantando “Imagine” para que tudo fique em paz.

A última tentativa de banimento está ocorrendo neste instante em todo o país. Querem banir a Língua Portuguesa das escolas e substituí-la por uma aberração lingüística chamada “linguagem neutra”, com a mesma desculpa asinina de inclusão. É um movimento continuado e forte e que nós estamos naturalizando. Sou professor de Língua Portuguesa há 32 anos e todas as vezes que vou a qualquer evento em que se usa essa aberração eu me sinto insultado. Para mim, professor de Língua Portuguesa, é um insulto e um desserviço à sociedade, pois zomba de meus anos de estudos e de meus anos de trabalho com gerações para que ela domine a forma Culta da Língua. Porque o trabalho do professor de Língua não é só repetir o que Gramática Normativa traz, mas estudar e aperfeiçoar o processo de comunicação e de expressão através da Língua,seja ela falada, ou escrita, ou qualquer outra forma de comunicação.

O mais interessante é que, quem defende esse tipo de aberração quer que ela seja implantada em escolas para pobre, sempre para os outros. Para elas, não Se filhos essas pessoas têm, buscam as melhores escolas, onde eles vão aprender e dominar a forma culta da Língua. É uma estratégia de domínio. Manter o pobre sempre pobre, e se a língua dele for a menos formal possível e com menos capacidade de interpretação e compreensão da mensagem, melhor ainda.

Mas, o que me assusta é ver um silêncio ensurdecedor da Academia Brasileira de Letras, das Faculdades de Letras de todo o país e mesmo das universidades, que por serem, ainda acredito, centros de excelências, deveriam ser as primeiras linhas de defesa da “Inculta e Bela”. Mas o que se observa é um mutismo quase cúmplice na dilapidação de um patrimônio da qual somos herdeiros, mas não proprietários. Tentar explicar como funciona a língua para os defensores dessa aberração é perda de tempo e de paciência, pois o objetivo é esse mesmo: destruir a Língua como uma identidade que transcende barreiras e fronteiras físicas.

E, de destruição e banimentos, a sociedade está aceitando negociar, e está negociando seus princípios, anulando as suas bases civilizatórias e caminhando certo para a sua autodestruição. Casos como a da professora assassinada em SP e agora a monstruosidade que ocorreu em Blumenau são apenas consequências desse processo de banimento e negociação de princípios. Acaso a sociedade achava que poderia negociar valores que são inegociáveis e sair impune, sem arcar com as consequências de seus atos? Esperávamos o que? Ao negociar com os fundamentos que no tornaram civilizados abrimos as portas para atos brutais como vimos esta semana. Abrimos a porta do tártaro para que monstros agissem livremente.

Naquela Audiência citei Ivan Karamazov como fecho final de minha fala e também quero deixar esse mesmo exemplo aqui. Ao contrário do que muitos dizem, Ivan não afirmou o que disse como uma licença para agir sem limites, mas tangencialmente fez uma severa crítica à sociedade de seu tempo: Deus morreu! É tudo permitido?

6 pensou em “ESPERÁVAMOS O QUÊ?

  1. Belo texto Roque, pior é que o momento que vivemos, com esses poderosos que podem tudo, cada dia anterior é melhor que o seguinte. Só Deus na causa.

  2. O que mais me incomoda é que somos uma maioria silenciada.Resta-nos matar nosso Deus para que seja permitido o resgate de nossos valores.

  3. Caro Roque Nunes:
    Parabéns pelo seu texto e sua tese.
    Eu sou do tempo em que scholars como você davam aulas de português em escolas públicas por diletantismo e abnegação e não para cumprirem agendas de partidos e políticos sujos.
    Até hoje lembro com carinho da determinação da minha eterna professora Ada Natal Rodrigues, que, tempos depois, descobri que era cátedra da USP, entre outros títulos acadêmicos. Ou seja, ela descia do pedestal para ilustrar a todos nós, integrantes das “massas encardidas” em escolas públicas. Tenho certeza de que quase todos os alunos dela aprenderam a escrever, ler, interpretar textos e falar, corretamente.

    Outro brilhante educador que tive foi o grande, estupendo e magnífico Adhemar Ferreira da Silva, nosso primeiro bicampeão olímpico.
    O conselho primordial dele sobre como escapar do totalitarismo político-cultural e também ser bem-sucedido na vida profissional também tem a ver com idiomas. Segundo ele, o negócio é aprender inglês (mas aprender mesmo, falar, ouvir, escrever, e não exibir um papel qualquer que diga que você sabe) e, se possível, um outro idioma, exótico, tipo finlandês ou coreano.

    Espero que o seu lado acabe sendo o vencedor na luta aí em Campo Grande, prezado Roque Nunes. Não podemos deixar prevalecer a ignorância e o obscurantismo.

  4. Belo e significativo texto, prezado Roque Nunes. Que a sua capacidade crítica e analítica continuem aguçadas e a serviço da defesa dos nossos valores como sociedade e como país.

    É triste e revoltante vermos a desconstrução de uma nação, feita assim, na cara-dura, como essa que estão promovendo no Brasil. Que as pessoas de bem deste país não se acomodem e continuem resistindo e reagindo a esses abusos e arbitrariedades. Afinal, somos a maioria, e numa democracia deve prevalecer a vontade da maioria, ou melhor, deveria…

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