CÍCERO TAVARES - CRÔNICA E COMENTÁRIOS

Cena icônica do massacre de Flagstone, onde o pistoleiro Frank dizima a família McBain de forma cruel

“O ritmo do filme pretendeu criar a sensação dos últimos suspiros que uma pessoa exala antes de morrer. “Era Uma Vez No Oeste” é, do começo ao fim, uma dança da morte. Todos os personagens do filme, exceto Claudia (Cardinale), têm consciência de que não chegarão vivos ao final.” Sergio Leone.

ERA UMA VEZ NO OESTE foi mais uma obra-prima do proeminente diretor Sergio Leone. Só não superou a si mesmo devido ao (quase) insuperável O Bom, O Mau e o Feio (Três Homens em Conflito – (1966), último filme da Magna Trilogia dos Dólares. Mas sem dúvida esse é um clássico do faroeste memorável, superlativo, e porque não? Do cinema como um todo. Superou todos os filmes que à época eram endeusados por muitos “críticos” como melhores do gênero western, como Rio Bravo (1959) – Onde Começa o Inferno e Matar ou Morrer (1952)… Era Uma Vez No Oeste é uma ópera incomparável!

Era Uma Vez No Oeste mostra a realidade nua e crua do oeste, com homens cruéis lutando para sobreviver a ermo, utilizando-se de métodos torpes. Para quem gosta de cinema essa obra-prima é insuperável. Fica a dica, para quem não assistiu O Bom, O Mau e o Feio, também assisti-lo, pois se trata de uma magna obra magna, de importância cinematográfica superlativa, épica.

Era Uma Vez no Oeste é muito mais do que um dos maiores faroestes já feitos. Essa obra-prima de Sergio Leone transcende qualquer categorização por gêneros ou subgêneros e alcança facilmente o panteão dos melhores filmes que já sagraram as telonas. É, talvez, o ponto alto da carreira do diretor, que demonstra uma impressionante maturidade de temas, fotografia, cenografia, montagem, trilha sonora e um controle absoluto de seu elenco, para alcançar um resultado de se aplaudir de pé.

E olha que Sergio Leone nem mesmo precisou se distanciar muito da estrutura que lhe deu todo o renome que tinha quando ele, tentando fugir das ofertas da United Artists e outros estúdios para dirigir mais westerns, não conseguiu recusar o orçamento generoso da Paramount, que vinha encabeçado pela oferta dele trabalhar com Henry Fonda, seu ator preferido e que era sua escolha original para o papel que consagrou Clint Eastwood na Trilogia dos Dólares. Novamente preso ao gênero do qual queria fugir, Leone não se fez de rogado e arregimentou a ajuda de Dario Argento e Bernardo Bertolucci (ambos, à época, críticos de cinema e roteiristas ainda em começo de carreira, com Bertolucci já tendo dirigido, mas nada relevante) para criar a linha narrativa de Era uma Vez no Oeste.

Essa trinca colaborativa foi extremamente importante para o sucesso que o filme alcançaria e, também, para a atemporalidade dessa fantástica obra (sim, essa fita é merecedora de hipérboles!), pois Leone, Argento e Bertolucci extraíram a essência dos faroestes americanos de grande sucesso à época e trabalharam na inserção desses elementos representativos ao longo de toda a narrativa, mas sem se esquecer dos elementos característicos do faroeste característico do próprio Leone, como o misterioso personagem sem nome, no caso “Harmônica”, vivido por Charles Bronson num papel memorável e o passo desacelerado, que ganhou contornos próprios em “Era uma Vez no Oeste” que, logo em sua longa abertura, nos apresenta as aventuras de uma mosca sobrevoando no rosto do pistoleiro matador, sujo e suado.

Com a narrativa pronta e uma versão do roteiro já escrita, Leone chamou Sergio Donati, que trabalhara com ele, sem receber créditos, em Por um Punhado de Dólares e outros, para fazer a sintonia que durara um ano. Donati, então, focou em destilar Era uma Vez no Oeste para sua essência, com o objetivo de tornar o filme o mais hollywoodiano possível, mas ao mesmo sem perder a alma do Western Spaghetti. São de Donati os diálogos marcantes da projeção, além de ter sido ele o responsável por impedir que o filme, depois, fosse muito mutilado para lançamentos em mercados diferentes, ainda que as versões feitas tivessem oscilado entre 145 e 175 minutos, mas nenhuma delas realmente se sobrepondo de maneira relevante sobre a outra.

Uma grande vitória, sem dúvida. Trabalhando duas narrativas a princípio separadas sobre o conflito gerado com a chegada dos trens e outra uma típica história de vingança, que se misturam com as mais clássicas histórias de bandidos e histórias envolvendo ameaças às terras de alguém.

Sergio Leone constrói, sempre com seu passo preciso, detalhista e lento de um western spaghetti, uma rede de tramas envolvendo Harmonica, o herói silencioso que caça o pistoleiro Frank (Henry Fonda) que, por sua vez, assassina a família McBain para abrir espaço para a chegada da ferrovia e coloca a culpa em Cheyenne (Jason Robards), que se une à Harmonica para salvar Jill McBain (a estonteante Claudia Cardinale), ex prostituta e herdeira da fazenda dos McBain da sanha assassina do matador cruel Frank. Reparem na circularidade do roteiro, que não deixa pontas soltas e encaixa uma narrativa aparentemente solta à outra, demonstrando o excelente trabalho na confecção da história e o cuidado na redação do roteiro.

E Leone não tem pressa em fazer revelações. Não sabemos bem quem é o misterioso homem que toca gaita, que é perseguido por três assassinos no começo, não entendemos exatamente as intenções de Frank ainda que sintamos um certo temor ao ver aquela figura de olhos azuis penetrantes e demoramos a perceber o exato papel de Cheyenne e de Jill na trama. Tudo é mostrado e pouco é dito, mas o desenrolar e a convergência das linhas narrativas são cadenciados à perfeição de forma que diálogos se tornam supérfluos. Os olhares, com os famosos planos detalhes de Leone, contrastados com tomadas em plano geral, dizem tudo.

Somos tragados para a história naturalmente e a longa duração do filme parece passar em alguns instantes, tamanha é nossa fixação na tela. E, permeando o embate, há, mais uma vez, a trilha sonora de Ennio Morricone, um de seus mais impressionantes trabalhos. Desde a gaita narrativa coroando o leitmotif de Harmonica, passando pela música mais forte que caracteriza Frank, até o belo vocal de Edda Dell’Orso, que empresta nobreza e força à Jill McBain.

Talvez não tão memorável quanto à trilha de Três Homens em Conflito, a composição de Ennio Morricone para Era uma Vez no Oeste parece, por outro lado, ainda mais integrada à narrativa que no filme com Clint Eastwood e isso talvez se deva ao fato que Leone, em um movimento raro, pediu para Morricone compor a trilha antes das filmagens começarem, de maneira que o diretor pudesse tocá-la durante a fotografia principal, em atitude, hoje em dia, mimetizada por Quentin Tarantino, com suas músicas pop que escolhe pessoalmente e toca nas filmagens.

Com isso, talvez, a música de Era uma Vez no Oeste tenha influenciado as atuações e não o contrário como é o usual, resultando em uma mescla que pouco se vê por aí. Ainda falando em som, o trabalho do espectro sonoro em Era uma Vez no Oeste é perfeito, desde a edição de som até sua mixagem, com o uso de sons inspirados pelos westerns usados como referência aliado a um orçamento mais alto, que permitiu um trabalho melhor na finalização, especialmente se comparado com a Trilogia dos Dólares. A união da trilha sonora com os sons do filme e, em vários momentos, com a substituição da trilha pelos sons, aumenta a sensação de imersão que a fita proporciona, envolvendo-nos ainda mais profundamente na história da trinca principal de personagens. “Era uma Vez no Oeste” é um grande triunfo cinematográfico, merecendo figurar em todas as listas dos melhores filmes já feitos. Sergio Leone merece todos os nossos agradecimentos profundos e uma eterna salva de palmas por realizar o maior western da história do faroeste.

Era uma Vez no Oeste – Trailer

Era uma Vez no Oeste – 10 coisas que você não sabia! Resumo e curiosidades

2 pensou em “ERA UMA VEZ NO OESTE (1968) – O MAIOR CLÁSSICO DE FAROESTE DE TODOS OS TEMPOS

  1. Caro Cícero.

    Com esta monumental critica/artigo sobre esse gigantesco filme,
    além de nos mostrar/ensinar como o filme deve ser visto sem perder
    sequer uma cena, o amigo nos dá uma aula de cinema e sem dúvida
    demonstra toda sua sabedoria sobre filmes, especialmente pelo gênero
    western.
    Com toda essa sua sapiência cinematográfica, fica provado que
    o cinema é uma das maiores formas de evolução sobre uma arte
    que evoluiu de tal forma que hoje em dia tem o seu devido lugar
    reconhecido como uma grande arte e que apesar de alguns estúpidos
    produtores e diretores que procuram nos empurrar para ” aquela coisa ”
    que eles chamam cinema de ação e nada mais é do que uma prova da estupidez e burrice com violência visual e som estúpido, como se
    a violência auditiva pudesse se impor e vencer qualquer uma das
    centenas de trilhas sonoras de mágico Ennio Morricone.
    Eu me considero um estudioso do cinema, pois já assisti mais de 5.ooo
    filmes , ( Um grande crítico, afirma ter assistido perto de 30.000, que eu acredito ser verdade, dado a qualidade honesta de suas críticas, as quais eu acompanhei durante anos e muito aprendi com a suas
    análises de mestre.
    Antes de conhecer o Cícero cinematográfico, acompanhei com
    bastante agrado as crônicas de temas regionais , pequenas
    disputas interioranas etc… mas jamais imaginei que um dia pudesse
    ler nesta BF , um trabalho de tal qualidade sobre cinema e posso
    deduzir que com este trabalho de hoje, o nosso amigo Cícero está
    qualificado para escrever grandes artigos sobre cinema e quem sabe, talvez um belo livro como faz o nosso grande amigo e colunista
    Altamir Pinheiro que já escreveu um belíssimo livro entitulado ”
    “No escurinho do cinema ” e que talvez, quem sabe? , volte a escrever as suas ótimas crônicas neste Jornal, do qual ele se afastou
    para não sujar o seu nome, devido a estupidez de um boçal que
    não respeitou o seu direito de opinião.
    Cicero, mando um grande abraço e peço que continue
    com seus belos artigos sobre cinema e principalmente pelos
    filmes de gênero Western.

  2. Obrigado, amigo d.matt. pelo comentário.

    Por esses dias assisti a mais de 20 filmes de faroeste clássicos. O último foi um tal de KEOMA, tendo como ator principal FRANCO NERO, do ótimo filme DJANGO, de Sergio Corbucci.

    NÃO HÁ COMO NEGAR!!! “Era Uma Vez No Oeste” do genial Sergio Leone, supera a todos pela sua HISTÓRIA e linguagem REVOLUCIONÁRIA!

    Jamais haverá outro igual na história do cinema!! Direção única!!!

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