JOSÉ RAMOS - ENXUGANDOGELO

Forma lúdica da convivência social de antigamente

Poucos conseguiam sair do inferno e chegar ao céu, sem erros ou pecados, de uma única vez. Só os bons conseguiam. Sempre conseguiam.

Sem playground do shopping, sem a observação vigilante dos pais e/ou das mães, tudo se resolvia com um pedaço de calçada livre, um pedaço de gesso e a disponibilidade de alguém em riscar o chão, e ali desenhar 12 espaços que também podiam ser chamados de casas.

Doze casas que, nem se sabia por que, e quase ninguém tinha consciência disso, seriam transformadas em onze – ninguém contava com o inferno, casa inicial. Mas desenhar era importante, para que todos entendessem que ele existe. Só mesmo os “sem-sorte” que, ao ficarem de costas para a “amarelinha” e jogarem a “pedra” para sortear a ordem de participação, tivessem a infelicidade de fazer a pedra cair no inferno.

Pular. Inconscientemente, pular.

Pular carregando no peso de si mesmo, toda a ingenuidade.

Hoje, tudo é diferente. Sou defensor de que o mundo não mudou. As pessoas, isso sim, mudaram!

As calçadas mudaram.

Não existem mais, muito menos os espaços para desenhar em riscos de gesso as amarelinhas da vida, e da infância que conduz aos bons hábitos.

Nos playgrounds dos shoppings foram feitos desenhos de amarelinhas, sem inferno e sem céu.

Como se esses não existissem!

As mudanças das pessoas fizeram com que elas desenvolvessem teorias que não levam à lugar algum (tal e qual a “posse de bola” num jogo de futebol), criando situações insignificantes, querendo recriar a amarelinha como um equipamento de educação e esforço físico – mas, sempre dirigido por quem teoriza. Nada mais que um cabresto, com a intenção de ter a posse das pessoas.

Teoria – nada mais que isso

Se por um lado as calçadas desapareceram e com elas levaram os espaços onde eram desenhadas as amarelinhas onde meninos e meninas se associavam nas brincadeiras livres de cabrestos, e/ou teorias paulofreirianas, os “defensores da educação” plantaram as sementes que, nasceram, ao tempo que vieram transformadas em tapetes que podem ser colocados (ou retirados), ou adesivos plásticos que podem ser afixados em definitivo – com a “vantagem” de gerar empregos e movimentar a indústria.

Teoria – igual a posse de bola no futebol

Zé Ramos, o que te motivou a enxugar gelo, dissertando sobre um assunto que não interessa a mais ninguém?

Foi isso que me questionou a minha consciência de menino livre que brincava de forma sadia, respeitando os pais, os sarampos, as rubéolas, as gripes e, no caso da amarelinha, os bichos-de-pé, que me impediam de pular para me livrar do inferno, superar as outras dez casas até chegar ao céu, vitorioso.

A calçada sumiu e levou o rabisco da amarelinha. De bônus, levou também os fins de tardes sadios, onde mães sentavam nas suas cadeiras de balanço colocadas nas calçadas e conversavam com vizinhas na tentativa de encontrar ajuda mútua.

A amarelinha, distante das teorias atuais, proporcionava tudo isso – evitando passar pelo inferno em que o modernismo transformou os fins de tardes e a vida.

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