MAGNOVALDO BEZERRA - EXCRESCÊNCIAS

Lá pelos idos de 2006 passei uma semana na cidade japonesa de Yamagata, trabalhando na empresa Mogami Denki, fabricante de alto-falantes para os mais variados usos: desde os pequeninos, usados em rádios portáteis, até os enormes, usados em equipamentos desses doidos sacudidos que curtem um rock pauleira.

O objetivo de meu trabalho era a fabricação dos cones de alto-falantes de 15 centímetros de diâmetro.

Os cones eram feitos de um tipo de papel especial, produzido a partir de uma grossa sopa de papel reciclado (cerca de 15%) e pó de madeira de certas árvores específicas que eram plantadas na região de Yamagata (a área era continuamente reflorestada pela Mogami Denki), tudo misturado a outros elementos e líquidos especiais, filtrados em uma espécie de peneira como se fossem resíduos e fiapos de uma máquina de lavar roupa, sendo então secados em uma prensa que continha moldes aquecidos já com o formato final do cone. Hoje essa técnica não é mais usada para alto-falantes de alta qualidade, sendo o material do cone formado por ligas metálicas especiais.

O processo era, resumidamente, o seguinte:

Havia (e certamente ainda há) uma característica muitíssimo importante: o cone do alto-falante, após cortados os diâmetros interno e externo, não podia pesar mais que 2,2 gramas. Um peso maior que esse valor produziria um cone “preguiçoso”, fazendo com que houvesse distorção do som devido à inércia do material.

O processo projetado pelos Engenheiros da Mogami-Denki previa que, imediatamente após a saída da prensa, os cones seriam colocados por um robozinho em uma balança eletrônica de alta precisão acoplada a um computador, os pesos sendo registrados e monitorados, com gráficos coloridos mostrando os pesos médios, mínimos, máximos, os desvios da especificação, as estatísticas de qualidade, etc., etc., etc. Uma maravilha de tecnologia!

Os cones que fossem rejeitados seriam retirados do fluxo da produção por um outro robô que os separaria para eventual conferência pelos inspetores e seu material reciclado.

O processo de inspeção, incluindo os computadores, o “software”, as balanças eletrônicas, os robôs, monitores de alta resolução, etc., custaria cerca de 8 mil dólares para cada uma das quatro linhas de produção.

Uma japinha simpática e sacudida, que observava toda a movimentação, pediu para falar comigo. Disse que, como era uma simples operária, os Engenheiros não prestavam atenção à ela. Com a ajuda de um intérprete, mostrou sua sugestão: pegou uma fina vareta de bambú de uns 40 cm de comprimento, abriu um pequeno talho bem no meio, montou a vareta em cima de uma lâmina de barbear já usada (na verdade, metade de uma lâmina de barbear), grudou um pratinho de isopor em uma ponta e enrolou uma porção de fita crepe na outra, para contrabalançar exatamente 2,2 gramas, fazendo com que todas as peças produzidas fossem “pesadas” na sua “balança”. Os cones seriam colocadas manualmente no pratinho de isopor pelo mesmo Operador da prensa, fazendo com que os mais pesados que 2,2 gramas fossem imediatamente descartados na lixeira, seguindo as ordens do arretado inglês Sir Isaac Newton.

Veja, no esquema abaixo, como ficou o novo processo com a engenhosidade da moça:

Foram eliminados: uma balança eletrônica de alta precisão, um computador com seu monitor e impressora e dois robôs em cada linha de produção. Esses componentes custavam 5.600 dólares. Como haviam quatro estações dessas, a economia, só na linha dos cones de 15 cm foi de 22.400 dólares, fora as despesas de manutenção dos computadores, robôs e papel e tinta das impressoras.

O chefe de produção das outras linhas de fabricação prometeram que iriam implementar a idéia da japinha em suas áreas.

A arretada japinha arregalou os olhos quando recebeu um prêmio de cerca de 1.000 dólares no final da semana.

7 pensou em “ENGENHEIROS PARA QUE?

  1. Bom dia, meu mestre dos Isteites, ou Magnovaldo Santos, o homem das crônicas líricas,

    Estive ausente por essas semanas por que tive um irmão irresponsavelmente atropelado por dois motoqueiros marginais do trânsito, em Carpina-PE e que, infelizmente ainda está em coma induzido.

    Mas graças à Natureza do Bem, está dando os primeiros sinais de recuperação, mesmo sem falar!

    Bom dia e abraçaço!

    “Engenheiro para que? é um picadinho de delícia!

    • Cíço, meu bom compadre:
      Desejo que seu irmão se recupere o mais pronto possível.
      Infelizmente os tresloucados irresponsáveis que andam pelo trânsito estão à solta e, se pegos, não são sujeitos a nenhuma pena que valha o mal que fizeram.
      Tenha um bom dia e minhas orações pelo seu irmão.
      Abraços,
      Magnovaldo

  2. Caro Magnovaldo,

    Grande parte da minha vida profissional foi atuando como engenheiro industrial em linhas de produção.

    A quantidade de soluções altamente engenhosas, advindas dos humildes operários, semelhantes a esta que tu descrevestes tão bem, e que eu tive a oportunidade de presenciar, é qualquer coisa de impressionante. Se eu fosse descrevê-las todas levaria um bom tempo.

    Parabéns pela bela crônica.

    P.S. Caro Cícero, estamos todos rezando pelo pronto restabelecimento do seu irmão.

    • Pois é, Super Adonis: muitas vezes nos esquecemos que problemas complexos (porque os fizemos complexos) podem ser resolvidos com soluções simples. Um antigo professor dizia que “Engenheiros devem ser os últimos a opinar, porque não conseguem pensar simples”.
      Lembro-me da história da caneta dos astronautas americanos: a NASA gastou alguns milhões de dólares para desenvolver uma caneta que escrevesse bem em ambiente de vácuo. Conseguiram, é claro. E aí ficaram sabendo que os russos usavam lápis.
      Um grande abraço engenheiroso, um bom final de semana.
      Magnovaldo

  3. Parabéns pelo texto, inteligente e instrutivo, que traz aos leitores algo novo, para que se deliciem com a admirável narrativa.

    Aqui em Natal, o DETRAN, há alguns anos, impetrou uma política de “cones”, obstruindo locais de estacionamento, o que revoltou motoristas amadores e profissionais. Esses cones foram apelidados de “cones infernais”, e eram detestados pela população. Não é o caso dos “cones” a que você se refere..t

    Tenho um amigo que é “Desig” e trabalha numa fábrica de papel e embalagem. É um verdadeiro artista e seu trabalho é disputado. Ele pensa em soluções simples para os problemas das pessoas exigentes. Seu trabalho é feito através de projetos, que levam em conta aspectos, que vão desde o público-alvo, até questões sócio- culturais. .
    A importância do “Design” ultrapassa os limites do visual e da estética. Ele também tem a ver com inovação, e estratégias de negócio,

    Fiquei impressionada com a super inteligência da “japinha simpática e sacudida”, que observava toda a movimentação da sua equipe de trabalho. Deu “show de bola”, com a sua ideia, para solução de um problema da alçada dos engenheiros, coisa que ela não era.

    São os dotes dados por Deus.

    Parabéns pelo “Dia dos Pais”, querido amigo! Muita saúde, alegria e Paz!, ,

    • Pois é, divina Vionante, a maioria dos operários do chão de fábrica é dotada de inteligência às vezes maiores que muita gente graduada. Mas, simplesmente, a empáfia dos diplomados não consegue ver isso e, por conseguinte, passa vergonha. O caso é que na maioria das vezes são eles que sabem onde aperta o calo.
      Muitíssimo grato pelas suas gentis observações e pela lembrança do Dia dos Pais.
      Muita alegria para você também, um beijão estraloso cheio de japinhas,
      Magnovaldo.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *