MAURÍCIO ASSUERO - PARE, OLHE E ESCUTE

Na qualidade de professor universitário, eu me recuso a ensinar a meus alunos ter ódio do mercado e da iniciativa privada. Meu dever, já disse outras vezes, é ensinar meu aluno a pensar, a decisão que ele tomar é responsabilidade dele porque cada decisão nossa afeta, primeiro, a gente mesmo. Quando professor de ensino fundamental e médio, lá por volta dos anos de 1980, era filiado ao PT e tinha um comportamento crítico em relação a desigualdades sociais, educação, mas nunca impus a nenhum aluno a aceitação integral das minhas ideias. Naquela época, o PT era visto como um partido comunista e muitos pais tinham receio dessa aproximação. Eu falava de política, também, em minhas aulas e fora delas.

Essa fase parecia bastante contraditória porque eu era funcionário de um banco. Trabalhava no banco durante o dia e a noite ia dar aula num colégio estadual. Enquanto bancário era responsável por operações especiais – um nome bonito para designar o monte de abacaxis que eu descava, desde projetos do BNDES até renegociação de dívidas, passando por operações do setor público, conhecidas como ARO – Antecipação de Receitas Orçamentárias. Na área de projetos, eu colocava a geração de emprego direto como uma prerrogativa de liberação de crédito. Se não houvesse geração de emprego, não tinha crédito. Eram recursos do BNDES e hoje quando vejo o que o PT fez, fico puto. Bilhões de reais emprestados e nenhum emprego gerado aqui.

Mas, essa introdução serve para chegar nessa questão da educação e cultura como ambientes propícios a propagação da doutrinação. Ressalto que fiz um pequeno ajuste no texto para inserir um comentário baseado na coluna de Constantino publicada hoje no JBF. Começo dizendo que numa reunião de pais e filhos na escola, a quadra lotada com pais de alunos e professores, a diretora fez um discurso veemente sobre o papel e a importância da escola pública na vida dos alunos e da sociedade. Tive a grata satisfação de ser citado por alguns pais pelos comentários que seus filhos faziam sobre mim e isso me induziu o desejo de falar. A diretora passou-me a palavra e eu disse: “Rosa, diga aqui, com toda sinceridade, o nome da escola que seus filhos estudam. Gostaria também que alguns professores o fizessem.”

Não preciso dizer que ela, e demais professores, me fulminaram com o olhar, mas o que eu queria dizer, e disse, era que os filhos de nenhum deles eram alunos de escola pública. Que a escola pública era para os filhos daqueles pais e se o diretor da escola pagava escola para o filho é porque não acreditava na qualidade. Disse, claramente, que muitos ali estavam preocupados com o dia do “contracheque”, que tinha professor que deixava exercício copiado no quadro e ia para casa assistir a novela Roque Santeiro e tudo mais. Obviamente, atrai a reprovação de alguns colegas que vieram me questionar posteriormente. Mas, nunca retirei uma palavra do que disse. Na escola, acho que era o único cara não sindicalizado. Fizemos uma greve e eu me recusei a parar, mas não pude continuar dando aula porque a escola fechou, o local era perigoso e eu não poderia ser responsabilizado pela vida dos alunos.

Naquela época a doutrinação era relativa ao governo militar. Falava-se muito sobre condições salariais, condições de trabalho, piso para a categoria, criticava-se o governo Roberto Magalhães por ele ser a ARENA, mas eu digo com todas as letras: a educação que tive em escola pública foi melhor do que a que vivenciei como professor. E a diferença temporal era de 10 anos somente.

Na universidade, existem sim os cursos que são voltados para essa carga de ódio. Fui ensinar Microeconomia e Macroeconomia numa turma de Ciência Política e a pandemia era um prato formidável para explicas essas duas disciplinas. Eu não sou muito favorável a exemplo de livros e uso muito exemplos reais para explicar conceitos. Daí uma aluna de 18 anos fez uma crítica intensa sobre o liberalismo econômico. Depois que ela falou, eu perguntei: “Fulana, quem gera emprego na economia?”. “O governo!”. Daí eu disse que ela estava enganada porque o governo só gera emprego quando faz concurso público. Perguntei onde os pais dela trabalhavam. Ambos na iniciativa privada e aí disse: “É exatamente assim. Quem gera emprego é a iniciativa privada”.

Por isso, no final do texto de Constantino ele cita a possibilidade de mudança dessa conjuntura, mas eu não vejo assim. Tem aquela frase famosa de Pitágoras “se não quiser sofrer no futuro, eduque-se as crianças”. Não dá. As crianças estão sendo educadas por sentimentos menores. Não faz muito tempo uma professora gaúcha foi afastada pelo teor de ódio que transmitia a alunos. Desejou a morte de bolsonaristas por covid-19. Isso pode não ser maioria, mas é intenso. Há algum tempo eu me propus ajudar uma pessoa a se submeter na seleção de um mestrado e liguei para um professor do programa em busca de dicas. Ele disse: “Maurício, se a candidata não for marxista, leninista, trotksita, etc.. não adianta: ela não entra. Pode ter o melhor projeto”. O projeto era bom. Era a aplicação de uma técnica chamada Multicritério para tomada de decisão. Eu ajudei nas contas e vi que tinha ali um bom argumento.

Na cultura, o campo também é vasto e essa briga entre artistas e o presidente todo dia se avoluma. Há artistas que preferem trabalhar essa questão política, no entanto, como isso é mutável, parte da obra fica no ostracismo. Quantas vezes você ouviu nos últimos 5 anos a música Pra não dizer que não falei das flores, de Geraldo Vandré? E Apesar de Você, de Chico Buarque? Quem conhece Taigura e suas músicas? A última vez que vi Taigura foi no Centro de Convenções, em 1990, com 50 pessoas na plateia e um cara saiu do espetáculo dizendo ter ido ouvir músicas e não protestos políticos. As músicas que embalaram protestos nos pós 64, não se adequam a mudança da sociedade. De repente, a arte passou ser estilingue, uma faca amolada.

Engraçado é que mesmo num regime militar, a arte, a música, tinha uma conotação de povo uno. Lembro bem da música Nos Bailes da Vida, de Milton Nascimento-Fernando Brandt, quando diz: “Com a roupa encharcada e a alma repleta de chão, todo artista tem de ir, onde o povo está”. Não é mais assim. O artista agora vai dependendo da preferência política do povo. Chico Buarque concedeu direito de uso de umas músicas para apresentação em teatro e numa dessas o cara fez uma crítica a Lula. Chico cancelou a autorização. Caetano disse “é proibido, proibir” e não vejo liberdade de expressão.

Tristemente eu entendo que desvirtuamos tanto a educação quanto a cultura. Os resultados da educação no Brasil são vistos no exame do PISA, no qual todo ano o Brasil leva uma pisa. Ainda tristemente, lembro de um do slogan de uma campanha de trânsito na década de 1970: “Não faça do seu carro uma arma. A vítima pode ser você”. Tenho profundo receio de ver que fizemos da educação e da cultural, uma arma letal, ao invés de um instrumento contundente de mudança social.

10 pensou em “EDUCAÇAO E CULTURA: PALCO PARA DOUTRINAÇÃO?

  1. Belíssimo texto Prof. Assuero, esta doutrinação “esquerdista” em todos os níveis escolares é apenas uma das causas das nossas “pisas” no pisa.

  2. Maurício,

    Esses artistas são todos oportunistas.

    Se as coisas funcionam bem para eles e elas, tudo está beleza pura? Do contrário, eles se acham e chutam o pau da barraca?

    Embora ele tenha todo direito de fazê-lo, pois a música e composição é dele. É uma beleza de composição. Por que Chico Buarque, num gesto tresloucado, acaba de proibir de tocar nas rádios e outros meios de comunicação, “Sem Açúcar e sem Afeto?

    Qual o problema de machismo nessa música? Palavras tem revólver, tem foice, tem faca, tem martelo, tem agressão verbal, é?

    Acho que toda essa loucura e a falta da grana fácil. É o dinheiro curto para pagar o condomínio do aluguel em Paris.

    Toda manifestação dos artistas contra Jair Bolsonaro é porque a teta secou!

    Parabéns, professor pelo artigo!

    • Segundo as feministas Sem açúcar, sem afeto, é uma música que humilha a mulher. É muita babaquice. Nara Leão pediu uma música que retratasse uma mulher daquela forma, dependente. Esse pessoal confunde ficção com realidade. Mais recentemente outra música dele, Tua Cantiga, foi criticada porque tem um verso que diz “largo mulher e filhos e de joelhos vou te seguir”.

  3. Caro Maurício
    Sei bem o qu você está dizendo, pois ingressei na UFPb como seu professor nos anos de 1965 e participei de sua ascensão e acompanhei, como acompanho até hoje, embora já aposentado, o seu declínio.
    Vi, de perto, o desenvolvimento do marxismo e do anarquismo lá dentro e lamento que isto tenha sido, em parte, causado pelo próprio governo militar, que criou cobras para lhe morderem.
    Fui, dadas algumas circunstâncias, muito combatido por essa corja, tendo, inclusive recebido um galardão que me dá muito gosto, que foi o de ter um enterro simbólico, quando assumi, em momento de crise, a direção do Centro de Humanidades da instituição.
    Nesse dia, cheguei a me divertir com a covardia explícita de muitos militantes, que faziam discursos inflamados à patuleia e correram, dos bens baterem na bunda, quando disseram que eu estava chegando à praça onde faziam meu velório, para assistir ao espetáculo.
    É uma história cheia de lances hilários que espero um dia poder lhe contar, em detalhes.

  4. Excelente arrazoado! Tudo está seguindo o “esquema” que Antônio Gramsci imaginou para alcançar os seus “objetivos revolucionários”. Aliás, teria ele imaginado o quanto essa pandemia atual tem colaborado para o mesmo propósito autoritário?

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