Guilherme Fiuza
Nicolás Maduro abraça sua esposa, Cilia Flores, durante manifestação pró governo, dia 17/08/2024, em Caracas
É possível embelezar uma ditadura? É. E a prova está bem pertinho, aqui do lado. A Venezuela passa de um quarto de século perpetuando, no grito, o chavismo no poder. Dessa vez parecia que não ia dar. O flagrante era indecente demais. Mas quem tem amigos tem tudo.
O chavismo tem a amizade do petismo. Quando o alarme da ilegalidade na eleição venezuelana passou a soar mundo afora – inclusive com o claudicante e demagógico governo Biden reconhecendo a vitória da oposição – surgiu o ombro amigo do Brasil.
Estamos falando do governo brasileiro, claro, mas também da imprensa brasileira. Eles formam um dueto muito bem entrosado.
As coreografias estranhas se sucedem, e na obscura eleição venezuelana não foi diferente. No primeiro momento, funcionou a boa e velha vista grossa – dando um banho de normalidade em tudo, até porque a recepção oficial a Maduro com honras de chefe de estado no Brasil não mereceu manchetes extraordinárias. Tudo normal – inclusive o discurso do presidente brasileiro de que Maduro era injustiçado e precisava construir sua própria “narrativa” positiva.
Uma imprensa que desistiu de ser imprensa e vive de “narrativas” não tem mesmo o que estranhar aí.
Veio a eleição, com o regime de Maduro perseguindo e aniquilando opositores e seus simpatizantes, na cara de todo mundo. No Brasil, a Gazeta do Povo foi um dos poucos veículos a expor devidamente esse atentado à democracia no país vizinho. Teve jornal destacando o “etarismo” do ditador contra seu opositor nas urnas. Se o pecado de Maduro fosse chamar um adversário de velho decrépito estaria tudo bem. Aliás, está tudo bem – pelo menos para essa imprensa que convive pacificamente com o “excesso de democracia” na Venezuela, para usar uma expressão imortal de Lula.
Os indícios de fraude em mais uma reeleição de Maduro passaram a ser apontados por diversas fontes, incluindo o respeitável observatório Carter Center. No Brasil, o PT declarou que a eleição tinha sido legítima, e Lula, que fala até da solução para a guerra na Ucrânia, não falou nada. Ou melhor, falou tudo: seu assessor para assuntos escabrosos, Celso Amorim, estava em Caracas achando tudo normal. Então é porque estava tudo normal.
Mas como a posição oficial do governo foi de esperar, observar, ponderar, assoviar e empurrar com a barriga, a velha imprensa partiu para sua coreografia mais complexa nos últimos anos. Como não dava mais para tratar Maduro como um democrata – porque a grita internacional já estava grande – o jeito foi reconhecer tacitamente que haviam “problemas” na eleição venezuelana e passar a exaltar a grande habilidade diplomática do governo petista do Brasil: nada de açodamento, vamos ter equilíbrio e paciência, porque a democracia não é feita de arroubos, etc etc.
Aí veio a sugestão criativa vocalizada, entre outros, pelo grande estrategista Celso Amorim: fazer uma nova eleição na Venezuela. Ora, se Edmundo González derrotou Maduro, haverá de derrotar de novo – argumentaram os geniais mediadores da lambança chavista. E a imprensa brasileira, claro, tratando esse disparate com grande normalidade.
A crise na Venezuela não tem data para terminar, mas a velha ditadura com excesso de democracia já tem um novo herói: o “Super Bigode”, personagem de Nicolas Maduro em desenho animado que defende seu povo contra a ameaça diabólica de Elon Musk. Como disse Lula e acreditam seus simpatizantes na imprensa, tudo é uma questão de narrativa.
Temos de ter a Venezuela como lição. Se os brasileiros não colocarem freios seguramente mais eficientes ao petismo e seus aliados, com toda a certeza algo muito bem parecido poderá acontecer no Brasil.