Desde o final da Segunda Guerra, o dólar tornou-se a referência da economia mundial. O antigo padrão-ouro foi substituído pelo padrão-dólar (que durou até 1971) e os títulos do tesouro dos EUA substituíram as barras de ouro como reserva financeira de todos os governos. O Brasil, por exemplo, tem aproximadamente 360 bilhões de dólares em reservas internacionais, e quase tudo está na forma destes títulos. Isso significa que nossas reservas não estão fisicamente no país: são apenas bytes nos computadores dos bancos dos EUA.
Até o ano passado, ter títulos dos EUA era tão seguro quanto ter o dinheiro no bolso. Ninguém no mundo cogitava a possibilidade do governo norte-americano faltar com sua palavra ou dar um calote. Mas aí os EUA decidiram dar em si mesmos um dos maiores “tiros no pé” de todos os tempos. Em uma canetada, o presidente Biden apreendeu nove bilhões de dólares do governo talibã do Afeganistão. A grande mídia e o público não notaram, mas o mundo das finanças ficou de orelha em pé. E daí, animado pelo “poder”, os EUA também bloquearam todos os títulos do governo russo. A expressão “o mundo está em choque” foi usada por ninguém menos que o Wall Street Journal. De repente, todos os países perceberam que deixar o seu dinheiro nas mãos do governo dos EUA não era uma coisa muito segura. Todos os países estão pensando em um jeito de tirar seu dinheiro de lá sem provocar um “estouro da boiada”.
A história já mostrou repetidas vezes que nos momentos de crise, as pessoas acreditam muito mais no metal amarelo do que em papéis coloridos. A Rússia tem dito que seus estoques de ouro estão em 2300 toneladas, um dos maiores do mundo. A China não diz quanto tem, mas todos apostam que é mais do que a Rússia. Além disso, a China é o maior produtor mundial (370 toneladas em 2021) e a Rússia é o terceiro, com 300 toneladas (o segundo é a Austrália, com 330 toneladas produzidas no ano passado).
Uma das maiores “âncoras” do dólar sempre foi o mercado de petróleo. Os EUA sempre trataram a Arábia Saudita como “parceiro preferencial” e em troca os sauditas só aceitam vender petróleo em troca de dólar. Isso pode estar mudando. A bolsa de Xangai, na China, já tem funcionando um sistema de compra de petróleo em yuan, com uma vantagem adicional: ela garante ao comprador a possibilidade de converter os yuans em ouro, aproveitando o fato de que a bolsa de Xangai é o maior mercado de ouro físico do mundo. A China compra um quarto do petróleo saudita e quer comprar mais, mas prefere pagar em yuan e não em dólar. Os sauditas estão meio “de mal” com os EUA por causa do Iemen, do Afeganistão e do Irã. O resultado é que as conversas entre chineses e árabes sobre deixar o dólar de lado já apareceram até no Wall Street Journal (ele de novo).
Dizem que Saddam (do Iraque) e Kaddafi (da Líbia) foram derrubados porque queriam quebrar a hegemonia dos petrodólares e vender seu petróleo em outras moedas. Mesmo que seja verdade, não dá para fazer a mesma coisa com a Arábia Saudita, porque ela representa mais de 20% do mercado mundial, e mexer com isso poderia levar o preço do óleo nas alturas e jogar a economia ocidental no caos.
Outro problema para o dólar: nos últimos dois anos, o FED criou nada menos que 4 TRILHÕES de dólares. Para ter uma idéia de quanto é isso: imagine um milhão de dólares. É uma bela grana. Bem, um milhão de dólares em notas de cem pesa 10 kg, e cabe em uma mala média. Nestas mesmas notas de cem, 4 trilhões pesam quarenta mil toneladas e ocupam mil e seiscentas carretas de três eixos. A consequência dessa emissão, óbvio, é a maior inflação dos últimos quarenta anos. O governo de lá tem insistido que essa inflação é “transitória”, mas não é: um aumento dessa magnitude vai causar inflação por muito tempo, e a situação fica muito pior se a demanda internacional pelo dólar diminuir. Qualquer economista sabe o que deveria ser feito, mas convencer os políticos é sempre uma tarefa muito difícil.
Será que veremos em breve o fim do dólar norte-americano como moeda global? Isso vai depender do que o governo dos EUA fizer daqui para frente, e também vai depender do que acontecer na Ucrânia. Quanto mais tempo a guerra durar, mais tempo a União Européia terá para implementar alternativas para o gás e petróleo russos. Se isso acontecer, o único cliente que sobrará para a Rússia será a China, e muito provavelmente os negócios serão feitos em yuan. Se outros países seguirão o exemplo e deixarão de usar o dólar para importar e exportar dependerá, de novo, do andamento da guerra. Embora pouco provável, um colapso do dólar não é impossível.
Enquanto isso, dinheiro de verdade continua sendo o ouro. Quem tem ouro guardado está bem mais tranquilo do que os outros.