JESUS DE RITINHA DE MIÚDO

Eu quero dividir com vocês uma experiência que vivi ontem, não tão singular assim, mas, que envolveu o meu espírito e me trouxe algumas reflexões.

Não sei se por estarmos nesse período dito como das Boas-Festas, ou porque há dias eu quis desacreditar no futuro e na idoneidade da natureza humana quando vi perdoados R$ 10bi de um “réu confesso”; dinheiro que anda faltando em tantos lares e projetos neste Brasil de corruptos ricos e de honestos paupérrimos.

Minha narrativa começa em agosto quando minha mulher precisou passar por uma cirurgia, e tivemos que contratar alguém para nos auxiliar nas tarefas domésticas por um mês.

Nós fomos apresentados por uma nossa comadre à Sra. Eli (aqui revelo apenas o começo do seu nome).

Embora da minha idade, mais velha apenas dois anos que minha mulher, D. Eli é bem baixinha e traz no corpo as marcas da dureza de sua existência e no rosto as linhas deixando-a como se tivesse a idade de uma década a mais.

Há anos desempregada, D. Eli vive em uma casa sem reboco no subúrbio de uma cidade vizinha à nossa capital. Para vir trabalhar em nossa casa, anda dois quilômetros, pega duas conduções.

O marido desempregado há quatro anos, depois de haver perdido os movimentos da mão direita num acidente doméstico, vive em luta com o INSS tentando receber algum auxílio. Em vão.

Na casa moram mais uma filha do casal – a única carteira assinada, como garçonete num restaurante – e duas netas menores de idade.

Além do dinheiro da filha o capital que entra no lar deles são dos bicos do homem e das faxinas de D. Eli.

Depois do mês aqui em casa, com algumas limitações cognitivas, ainda assim nos afeiçoamos a D. Eli. Nossos filhos criaram carinho por ela também. Tenho certeza que pela simplicidade da pessoa que ela é.

Então resolvemos que D. Eli ficaria vindo de vez em quando fazer um trabalho aqui.

Ontem ela veio.

Muito calada, D. Eli às vezes fala e desabafa em sua voz baixinha. Mas, ontem, com extrema alegria ela embalou em uma conversa para nos contar do orgulho de haver participado de uma homenagem na escola da neta mais velha: a menina foi a melhor aluna do ano.

À tardinha, serviço concluído, agradecemos a D. Eli por sua ajuda e seu cuidado.

Desejamos um Ano-Novo melhor e a abraçamos com carinho.

Fiz o PIX.

Coloquei o dobro do acertado. O que foi passando sendo uma espécie de bônus.

Não lhe falei nada.

Mais tarde a filha de D. Eli ligou para minha esposa.

Educadamente perguntou como estávamos e prosseguiu quase sem deixá-la falar:

– É que eu vim com mãe aqui no banco sacar o dinheiro, e seu marido errou quando fez o PIX. Ele botou “X” – e sem esperar qualquer resposta, ela emendou: – a senhora me dê sua chave PIX que eu quero lhe devolver o que passou.

Minha mulher lhe pediu desculpas por eu não haver falado, e lhe revelou que era um bônus de Boas-Festas.

Então ouvimos a voz de D. Eli nos agradecendo e pedindo a Deus por nossas vidas.

De ontem para cá pensei muito sobre muitas coisas. Entre elas do quanto o nosso povo mais simples carrega em si o preceito do que é correto. Do que é direito.

E chego à conclusão que honestidade não é uma questão de direito. É de caráter.

Muitas vezes onde mais sobra riqueza é justamente onde mais falta caráter.

Pelo ato de D. Eli, ontem, eu vi que há esperança para o nosso povo. E eu não posso desacreditar nele.

Feliz Ano Novo para vocês todos.

2 pensou em “D. ELI

    • Se fosse o Joesley, tinha informado a chave PIX, e ainda faria um comentário: “pobre tem mais é que se fuder, a gente dá um agrado e o desgraçado ainda devolve a grana achando que foi erro”, e completaria: enquanto existir cavalo, São Jorge não anda a pé.

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