Madeleine Lacsko
Passou da hora dos partidos políticos decidirem se vão dar um freio em lacração e mitagem ou vão mesmo abrir mão da política. No meio da polarização pode parecer tudo a mesma coisa, mas não é. Política é criar pontes e aliados levando em conta a existência de ideologias e práticas diferentes da sua. Lacração é colecionar inimigos para poder xingar e dizer que é moralmente superior.
O vereador disse depois nas redes dele que entrou na igreja depois do fim da missa. Não faz muita diferença, mas desconfio que o pessoal da invasão não entende muito de missa. Tem vídeo do momento da invasão e, se você não fugiu do catecismo, vai ver que a missa ainda ocorria. O padre fica pedindo para prosseguir com a cerimônia religiosa e o parque de areia antialérgica xinga todo mundo, crente que está abafando.
É uma ideia tão sensata quanto a de traficante evangélico que manda quebrar terreiro de candomblé. É, sem dúvida, uma demonstração de força e de desprezo pelo que é sagrado para outras pessoas. Pelo menos o traficante não faz uma brutalidade dessas dizendo que é bonzinho e quer defender um mundo mais justo e os direitos das minorias.
Contei essa história num artigo de março de 2020. Havia uma ordem de deportação contra uma família de armênios refugiada na Holanda e eles se abrigaram na pequena Igreja Bethel. O princípio de inviolabilidade do culto é tão importante que, em Haia, berço da Corte Internacional de Direitos Humanos, existe lei específica impedindo até a polícia de interromper.
Ao saber da ordem de deportação, que era imediata mas ainda pendente de recurso judicial, cinco membros da família Tamrazyan procuraram abrigo na Igreja Bethel, em Haia. O culto não foi encerrado, continuou para que a polícia não pudesse entrar e cumprir a ordem de deportação. Virou notícia e pastores de outras igrejas se voluntariaram para um culto ininterrupto até o desfecho do processo.
Mais de 500 religiosos e religiosas de mais de 20 denominações diferentes se alternaram no púlpito em um culto ininterrupto na Igreja Bethel. Os 3 filhos da família, que é cristã, tomaram parte importante nas cerimônias. A imprensa era permitida somente em poucos momentos, para que o valor espiritual não se perdesse.
A invasão da missa foi justificada porque a igreja foi construída pelo “povo preto”, negros escravizados. Na posição privilegiada de flanelinha de minorias, o vereador decidiu que é responsável por todos os negros. E, como todo flanelinha, não importa se a minoria quer ou não a “proteção” dele, ele vai “proteger” de qualquer jeito.
Dom José Antonio Peruzzo, Arcebispo de Curitiba, escreveu uma nota oficial acertadamente rejeitando submeter a igreja a uma disputa política. Também falou da maravilhosa e dolorosa história da Igreja de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos, construída por pessoas negras escravizadas. Obviamente repudiou a atitude, que nada tem a ver com política, mas com intolerância.
A Teologia da Libertação propunha, numa simplificação grosseira, transformar a Igreja Católica Apostólica Romana numa ONG. Não teria mais fiel, teria ongueiro. Sei que não deveria dizer isso, mas amo quando meus amigos religiosos da Teologia da Libertação tentam responder. Na prática, até os sacramentos seriam abolidos se o negócio fosse em frente. Se bobear, até Jesus. Houve um racha entre os católicos brasileiros.
Antes que me apareça alguma paquita do nosso amado Lula para dizer que eu estou menosprezando a maior figura da história política da Via Láctea, que ele fez o PT e o sistema solar sozinho e do zero, devo uma explicação. Não sou eu quem digo que não haveria PT sem as Comunidades Eclesiais de Base e a Igreja Católica. É o Lula quem fala. Tem vídeo. Com mais de uma hora de duração. Clique aqui e veja.
“O PT não existiria do jeito que ele existe se não fossem as Comunidades Eclesiais de Base. Eu que viajei o Brasil inteiro para construir esse partido, eu sei o valor de um padre progressista. As Comunidades Eclesiais de Base (CEBs) não entraram no PT, as CEBs fundaram as células do PT”, disse Lula na entrevista a Leonardo Boff.
“Foi a relação com você (Leonardo Boff), e com outros ‘companheiros da Igreja’, como padres…Foi a relação que tive com Dom Claudio Hummes, Dom Angélico, que tive com bispos do Acre, de Rondônia, Dom Evaristo Arns, Dom Luciano Mendes e milhares de movimentos sociais que me fez ser quem eu sou. (…) Eu sou na política um pouco filho do movimento sindical, dos movimentos sociais, um pouco filho da Teologia da Libertação.”, afirma o ex-presidente na mesma ocasião.
Fora a descontextualização proposital que borra a linha entre verdade e mentira, mecanismo de discurso que é a base do totalitarismo. Explico: totalitarismo, segundo Hannah Arendt, não é feito somente com radicais e extremistas. O mais importante é borrar a fronteira entre verdade e mentira, criando brecha para radicalização. É o caso. Qual medida foi utilizada para dizer que a invasão da igreja causou mais indignação que os assassinatos? Nenhuma, é invenção pura e simples.
Mas o vereador já é escolado na matéria. Tem um longo histórico de xingar religioso e fazer manifestações violentas ou bater em manifestantes. Já foi preso várias vezes por isso durante a campanha. E o pessoal vota assim mesmo? Enquanto houver cavalo, São Jorge não anda a pé.
O vereador do PT disse defender Direitos Humanos por meio de um ato que tratora direitos humanos. Depois alegou ser o dono do movimento negro e, por isso, com direito para em nome de todas as pessoas negras do Brasil, invadir um templo dos fascistas, a Igreja Católica. O Lula diz que sem Igreja Católica não haveria nem ele nem PT. Ele que se cuide. Se bobear, o parque de areia antialérgica da militância invade o apartamento do Lula, xinga ele de ladrão e diz que foi por amor.
Adoro quando o nosso Berto coloca uma colunista como a Madeilene Lacsko neste espaço democrático. Dá para debater em alto nível, pois a mesma é inteligente e faz parte da turma dos “isentistas” que tendem para o lado da 3ª via.
Ela está certa quando coloca que a parte da Igreja Católica, denominada teologia da libertação foi quem viabilizou a fundação do PT. Ela, junto com “intelectuais” da USP e parte do Governo Federal, representado pelo então ministro do SNI – general Golbery do Couto e Silva.
A princípio o Sindicalista eleito por estas elites para representar a categoria dos trabalhadores era Manoel Fiel Filho, porém ele não tinha a característica que o regime queria para a função de líder. Foi preso pelos militares, morto e enterrado logo para não se tornar mártir. Todos (as elites e o regime) aceitaram numa boa. Depois encontraram o Lulla, que era metalúrgico, ambicioso, tinha formação católica, sabia “negociar” com os dois lados. Enfim, foi uma escolha perfeita. O resultado disso não precisa nem detalhar.
Madeilene erra também ao igualar duas formas do que ela chama de radicalização; a lacração e a mitagem. Aí entra o que eu chamo de “isentismo”. Primeiro cria uma falsa polarização entre dois lados radicais e nocivos: taxa de direita radical, mas não tem a mesma crítica à esquerda, igualando tudo.
Eu enxergo a seguinte conclusão da Madeilene: o equilíbrio está na isenção de paixões, no centro, ou seja, em ser Morno. O Sistema adora este tipo de pregação. É a síntese do socialismo Fabiano.